Chefão da PM em PE ordenou ataque à população

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Foto: Arthur Souza/Photopress/Estadão Conteúdo

Um documento oficial da comunicação interna da Polícia Militar de Pernambuco revela que foi do então comandante-geral da corporação a ordem para repreender o protesto realizado dia 29 contra a atuação do governo Jair Bolsonaro. Vanildo Maranhão foi exonerado do cargo pelo governador Paulo Câmara (PSB) nesta semana.

O ato foi dispersado com balas de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo. Na ação, duas pessoas ficaram cegas de um dos olhos. Os detalhes de toda a operação foram revelados neste sábado, 5, pelo Jornal do Comércio e confirmados pelo Estadão.

O relato destinado ao subcomandante do Batalhão de Choque, major Valdênio Corrêa Gondim Silva, foi feito por um oficial que teve o nome preservado. No ofício, ele afirma que, “por determinação do comandante-geral da PMPE”, a Tropa de Choque deveria realizar a dispersão dos manifestantes usando dos “meios dispostos”.

Em seguida, o policial informa que a tropa foi hostilizada pelos manifestantes durante a tentativa pacífica de dispersão e até mesmo atacada com pedras. Diante da situação e da ordem já dada, foi então feita a “utilização escalonada da força dos materiais de menor potencial ofensivo e das técnicas e táticas de controle de distúrbios civis”.

Manifestação contra Bolsonaro no RecifeFoto: Charles Jognson / Myphoto Press

Ainda de acordo com o documento, o objetivo da ação policial seria o de defender o decreto estadual de restrições sociais, que vetava manifestações – naquele sábado o grupo reunia cerca de 300. O documento também pontua que o ataque dos oficiais só teve início após os policiais serem agredidos por dois manifestantes com paus e pedras, além de xingamentos.

Emitido logo após o término da ação, o relato policial aponta que a operação teve início às 10h20, quando o comandante do Batalhão de Choque da PM, o coronel tenente Bruno, determinou que sua equipe ficasse a postos para se deslocar na direação da Praça do Derby com o intuito de dispersar “uma manifestação de militantes”, segundo ordenado pelo comandante-geral.

O documento afirma que o objetivo era evitar que a aglomeração gerada pelo ato ajudasse a “alastrar ainda mais a pandemia”. Com essa intenção, um major teria sido destacado para tentar “de todas as formas negociar para que os manifestantes se dispersassem antes da chegada da Tropa de Choque”. O texto menciona então que a negociação deu resultado, conseguindo dispersar parte do grupo, mas não finalizando o mesmo por completo.

Uma nova ordem foi dada então pelo comandante do Batalhão de Choque para que os pelotões se dirigissem para o ponto onde o protesto acabaria: a Praça da Independência, conhecida como “Praça do Diário”. A PM escolheu fazer uma barreira na Avenida Guararapes, por ser apontada, no documento, como um ponto estratégico para a dispersão dos manifestantes e “por ser mais seguro para os transeuntes que passavam no local”.

Ainda segundo as informações do documento, o comandante Vanildo Maranhão teria voltado a reforçar a ordem de dispersão dos manifestantes às 11h30. O relato policial informa que a PM foi atacada com paus e pedras por dois manifestantes, que também xingavam os policiais e tentaram furar o bloqueio formado. As duas pessoas foram detidas.

De acordo com o relato, “grande parte dos manifestantes que observavam as detenções, no afã de resguardar dos detidos, começaram a arremessar pedras, que atingiram os policiais da Tropa de Choque”.

O processo de dispersão dos manifestantes teria começado em seguida, “com utilização da força dos materiais de menor potencial ofensivo e com as técnicas e táticas de controle de distúrbios civis”, como descreve o documento. Após a dispersão inicial, os manifestantes teriam voltado para a Avenida Conde da Boa Vista e, mais uma vez, o comandante geral da PM teria reforçado a ordem de dispersão do ato.

Antes mesmo de o relato da operação se tornar público, a repercussão negativa da ação e a postura do governador Paulo Câmara, que sempre negou ter dado qualquer ordem no sentido de repreender o ato, já haviam provocado, além da queda de Maranhão, a demissão do secretário de Defesa Social, responsável pelo comando da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), Antonio de Pádua. Ele colocou o cargo à disposição na tarde de sexta-feira, 4, e foi substituído interinamente por Humberto Freire, que é delegado da Polícia Federal (PF).

“Os fatos ocorridos no último sábado foram graves e precisam ser investigados de forma ampla e irrestrita. Minha formação profissional e humanística repudia, de forma veemente, a maneira como aquela ação foi executada. Seis dias depois do episódio, com um novo comandante à frente da PM, com todos os procedimentos investigatórios instaurados e após prestar contas à Assembleia Legislativa, à OAB e ao Ministério Público, entreguei meu cargo ao governador Paulo Câmara, com a certeza do dever cumprido e mantendo nosso compromisso com a transparência e o devido processo legal”, declarou Antonio de Pádua em nota.

Na manhã da sexta-feira, Câmara já havia empossado o novo comandante da PMPE, o coronel Roberto Santana, que assume o posto do coronel Vanildo Maranhão. “A missão dada ao secretário Freire e ao comandante Roberto é que o episódio do último sábado não seja esquecido, para que nunca se repita. Os protocolos precisam ser revistos para que um comando de tropa na rua não possa se sentir autônomo a ponto de agir da maneira que agiu”, disse o governador.

O governo garante que vai indenizar as vítimas e apurar o caso. Segundo especialistas, a ação expõe o risco de radicalização política nas PMs.

A Secretaria de Defesa Social (SDS) e a PMPE emitiram uma nota afirmando que não vão se posicionar sobre “supostos vazamentos”, em referência ao documento policial. A pasta informou ainda que a PM já encaminhou todos os documentos relacionados a ação do dia 29 à Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social e que “tais elementos de prova fazem parte do procedimento instaurado para apurar as responsabilidades”.

Até o momento, oito policiais militares, três oficiais e cinco praças (incluindo o que teria atirado no rosto de Jonas Correia de França, que perdeu parte da visão), foram afastados e estão sendo investigados.

Estadão