Confira a (longa) lista de mentiras de Osmar Terra na CPI
Foto: Edilson Rodrigues
Conhecido por minimizar a gravidade do novo coronavírus, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) manteve a postura negacionista, ontem, em depoimento à CPI da Covid. O ex-ministro do governo Bolsonaro voltou a criticar o isolamento físico como forma de evitar a transmissão da doença, sustentou nunca ter sugerido a “imunidade de rebanho” como estratégia de política pública em saúde e classificou como “falácia” a existência do gabinete paralelo.
O deputado fez pouco caso da efetividade do isolamento social, medida defendida pela comunidade científica e cuja eficácia é provada por diversos estudos. Questionado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) se havia alguma dúvida de que “reduzir a mobilidade e reduzir esse contato frequente reduz a dinâmica do vírus”, o parlamentar afirmou que “numa pandemia, não reduz”. “Na pandemia, as pessoas que saem pra trabalhar contaminam as que não trabalham. E a maioria sai para trabalhar”, frisou.
Em outro momento, chegou a dizer que “se o isolamento desse certo, não morriam os idosos em asilos”. A informação não é correta, visto que as instituições não são espaço de isolamento. Os idosos recebem visitas e são cuidados por pessoas de fora daquele ambiente. Além disso, eles têm contato entre si, o que pode causar a contaminação.
Terra enfatizou que não defende imunidade de rebanho, afirmando ser um “resultado de todas as pandemia”, e não uma estratégia de enfrentamento. “Não existe nenhuma proposta aqui de deixar a população se contaminar livremente. Nunca se fez isso (…). Quando se chega a um percentual da população por vacina — nesse caso, vai ser importante a vacina — ou não, pelo contágio que o vírus causa, vai se chegar a um percentual que termina com a pandemia. Senão, não vai terminar”.
A chamada “imunidade de rebanho natural” é uma ideia segundo a qual as pessoas contaminadas pelo vírus ficam imunes, sem vacinação. A questão é amplamente rechaçada pela comunidade científica, visto que o fato de uma pessoa ser infectada pelo coronavírus não a impede de voltar a contrair a doença. Além disso, por meio da chamada “imunização de rebanho natural”, a população é exposta, e mais pessoas morrem em decorrência do vírus. Terra já defendeu a ideia diversas vezes publicamente, inclusive na sua página no Twitter.
Em fevereiro deste ano, por exemplo, escreveu na rede social: “A pandemia só termina quando atingirmos, em cada lugar, percentual alto da população imune ao vírus. A vacina contribui para imunidade de rebanho, mas demora muito tempo para chegar a todos. Assim, a imunidade causada pelo vírus ativo acaba sendo mais rápida e leva a epidemia para o fim”.
Ontem, ele tentou se eximir da questão, ao mesmo tempo em que voltou a defender a prática. “O que estava previsto para encerrar a pandemia, com 30% a 40% da população infectada, foi para 60%, 70%, 80%. É isso que está acontecendo hoje, e a tendência é diminuir com a vacinação e com a imunização das pessoas que pegaram”, afirmou.
Na tentativa de minimizar a crise sanitária, Terra, por diversas vezes, fez projeções sobre o número de mortes. A primeira era de que a covid-19 não mataria mais do que o H1N1 fez em 2019, o que não ultrapassaria 800 mortes em 2020. O país encerrou o ano próximo a 200 mil mortos. Ontem, ele admitiu que errou nas previsões, mas minimizou o impacto das falas.
“Quem acertou, hein, senador? Quem é que acertou?”, questionou a Tasso Jereissati (PSDB-CE). O parlamentar ressaltou declaração do ex-ministro de que não haveria segunda onda no Amazonas, ao que ele respondeu: “Sim, senhor. Eu disse que era pouco provável”. Perguntado se havia errado, disse: “Sim”. Jereissati questionou: “A pandemia acabaria entre junho, julho, em maio ou abril… O senhor também fez essa previsão? O senhor errou?”, acrescentou. “Sim”, limitou-se a responder Terra.
“Eu vou sempre dizer o que eu acho, posso estar errado, posso estar certo. Eu procuro me basear em evidências científicas para falar. Eu não falei nada que não fosse baseado em fatos e em trabalhos científicos publicados, em experiências passadas (…)”, destacou o ex-ministro. “E, com as previsões, realmente acho que os fatos que nós tínhamos na época foram insuficientes para nos fazer prever o tamanho e o surgimento de novas variantes, o que não tinha acontecido nas outras pandemias.”
As opiniões de Terra, porém, municiaram o presidente Jair Bolsonaro na condução da pandemia, mesmo que divergissem das orientações do Ministério da Saúde. O deputado, inclusive, é considerado um “ministro” do gabinete paralelo, grupo que assessorava o chefe do Planalto sobre a covid-19 com informações negacionistas.
Terra admitiu ter participado de uma reunião em que Bolsonaro recebeu médicos defensores do “tratamento precoce”, mas negou que o encontro possa ser enquadrado como um gabinete. “Quando ele (Bolsonaro) me pergunta alguma coisa ou eu acho que tenho de falar alguma coisa, eu falo. Mas são opiniões pessoais. O presidente julga as coisas do jeito que ele quer. Ele não é teleguiado por ninguém. Eu não tenho poder sobre o presidente”, enfatizou.
Série de inverdades
Veja declarações do ex-ministro confrontadas com fatos
“Todos os governadores decidiram fazer quarentena, lockdown, “fique em casa” e isolamento social. (…) O prefeito de Araraquara vai fazer o terceiro lockdown e, comparando com Chapecó, que não fechou, não tem diferença nenhuma. Existem 32 trabalhos publicados comparando países que não fecharam, como Coreia, Japão e Suécia, com os que não fecharam, mostrando que não tem nenhum impacto fazer lockdown em quarentena.”
» Estudos brasileiros e internacionais já comprovaram a eficácia do lockdown e do isolamento social para conter a propagação do vírus. No caso da cidade de Araraquara (SP), em fevereiro, a média móvel era de 189,6 casos/dia. Com as restrições, esse número diminuiu significativamente para 51,6/dia em menos de dois meses, conforme dados da Universidade Federal de São Carlos (FSCar).
» Em fevereiro deste ano, a revista Science publicou estudo em que aponta os resultados das medidas realizadas em alguns países para evitar a transmissão do vírus. As constatações foram:
*Limitar as reuniões a mil pessoas ou menos: reduziu em 23% as infecções
*Limitar as reuniões a 100 pessoas ou menos: reduziu em 34% as infecções
*Limitar as reuniões a 10 pessoas ou menos: reduziu em 42% as infecções
*Fechamento de negócios face a face de alto risco: reduziu em 18% as infecções
*Fechar a maioria dos negócios pessoais não essenciais: reduziu em 27% as infecções
*Fechamento de escolas e universidades em conjunto: reduziu em 38% as infecções
“Todas as pandemias, citei cinco… Nenhuma delas teve vacina desenvolvida a tempo e testada de forma adequada a tempo. Para todas, a vacina veio depois”. Ele citou as epidemias envolvendo a gripe russa, a asiática, a de Hong Kong, a H1N1 e a da covid-19.”
» A da H1N1, por exemplo, os primeiros casos surgiram em março de 2009, e os imunizantes começaram a ser produzidos no mesmo ano, no segundo semestre. A população começou a ser vacinada em março de 2010 e, em três meses, 92 milhões de pessoas tinham sido imunizadas. Com relação à pandemia da covid-19, a imunização ainda segue em curso e atingiu 24,39 milhões de vacinados, na última segunda-feira.
“O presidente é genocida? (…) E o Reino Unido, que fechou? Reino Unido teve surtos gigantescos, por quê? São genocidas os ministros, o primeiro-ministro? Estamos fazendo uma discussão politizada, a política infectou a ciência.”
» Segundo dados oficiais, 31,34 milhões de pessoas já estão vacinadas no Reino Unido com as duas doses, cerca de 59,5% da população adulta. Desde o início da pandemia, o país registrou cerca de 128 mil mortes por covid-19 e, atualmente, o governo britânico estuda a possibilidade de isentar da quarentena viajantes procedentes do exterior que estejam totalmente imunizados. Quadro bem mais controlado, portanto, do que no Brasil.
» De acordo com o senador Rogério Carvalho (PT-SE), na Inglaterra, o primeiro-ministro foi contra o lockdown e teve de voltar atrás e correr em busca de vacina para viver a situação que está encarando hoje. “Então, não podemos, em um momento como este, produzir mais desinformação do que já foi produzido, que nos leva a 502.817 mortes”, emendou o parlamentar.
“O Supremo Tribunal Federal, em 15 de abril do ano passado, impediu, limitou o poder do presidente de interferir. (…) Nosso presidente não teve poder de decidir nada.”
» Em 2020, o STF decidiu que Distrito Federal, estados e municípios tinham autonomia para adotar medidas de combate à proliferação do vírus, assim como a União. Em nenhum momento a Corte proibiu ações do governo federal no enfrentamento à doença.