Estratégia da CPI contra Bolsonaro é questionada

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Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Em 2005, o deputado federal Jair Bolsonaro, então um típico representante do chamado baixo clero da Câmara, foi a uma sessão da CPI do Mensalão disposto a constranger o depoente. O ex-presidente do PT José Genoino havia sido convocado a falar sobre sua participação no escândalo de corrupção. De surpresa, o ex-capitão adentrou a comissão acompanhado do coronel Lício Augusto Maciel, que, na década 70, atuou no combate à guerrilha do Araguaia e foi um dos responsáveis pela prisão do petista, então militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Bolsonaro foi acusado de tentar intimidar o depoente, ao colocá-lo frente a frente com um de seus algozes. Na época, a oposição recorreu a expedientes como esse para fragilizar a imagem do governo, desgastar quanto fosse possível o presidente Lula, cravando nele a estaca da corrupção, o que, acreditava, seria suficiente para inviabilizar a reeleição. Deu tudo errado.

Com personagens em posições invertidas, a oposição na CPI da Pandemia está apostando na mesma estratégia de duas décadas atrás. Em 2005, Lula viu seus assessores trilharem o caminho da cadeia, sua base política ser fulminada e a popularidade bater no fundo do poço. A crise atingiu tal ponto que aliados chegaram a discutir a possibilidade de o presidente renunciar ao mandato. Menos de um ano depois, porém, o cenário mudou completamente. Impulsionado principalmente pelo bom desempenho da economia, o petista sangrou em praça pública como previa a oposição, mas se recuperou a tempo de vencer a eleição e ainda eleger e reeleger seu sucessor, possibilitando ao PT permanecer treze anos consecutivos no poder. A estratégia, portanto, foi um grande fiasco. “Algumas pessoas achavam que o desgaste do Lula poderia gerar a derrota eleitoral, mas indicadores sociais e a economia estavam bons e o momento internacional era mais favorável”, lembra o deputado Gustavo Fruet (PDT-PR), que participou ativamente da investigação do mensalão.

A bancada de oposição ao governo Bolsonaro acredita que o cenário hoje é completamente diferente. A tese é a seguinte: ao contrário do que aconteceu no passado, o bombardeio nas redes sociais deve perenizar a narrativa de que a omissão do governo custou milhares de vidas. Independentemente do que aconteça de agora em diante, Bolsonaro não conseguiria se livrar da pecha de responsável pelo agravamento da maior crise sanitária que o país já viveu, deixando um rastro de mais de meio milhão de mortos, o que seria letal a seus planos eleitorais. “A corrupção do PT provocou a indignação de setores da sociedade, mas a pandemia atinge a vida de todos”, diz Fruet.

Desde que foi criada, a CPI da Pandemia se tornou uma vitrine para expor erros e trapalhadas do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus. Na prática, é a disputa eleitoral de 2022 que dita os trabalhos da comissão. Com apenas um mês e meio de atividade e dominada pela oposição, as linhas gerais da narrativa já estão devidamente traçadas sob algumas premissas (todas verdadeiras): o governo federal foi negligente ao não priorizar a compra de vacinas, foi irresponsável ao defender o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, foi incompetente ao delegar decisões a um suposto “gabinete paralelo” e foi criminoso ao difundir declarações contra medidas de distanciamento social e uso de máscaras. A questão é o efeito disso na cabeça do eleitor em 2022.

Pelo lado do governo, o discurso de imunização já está preparado. “A comissão é escandalosamente parcial. Serve apenas como palanque político antecipado. Já escolheu quem é culpado e quem é inocente, o que faz derreter sua credibilidade junto à opinião pública”, avalia o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), integrante da base governista. Outro fiel escudeiro do Planalto, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) acrescenta: “Eles não querem investigar fatos, querem apenas colocar o carimbo de culpado no peito do presidente da República”. Na tentativa de estender o sangramento do governo, a CPI pode funcionar até agosto ou ser prorrogada por mais noventa dias. É dado como certo, porém, que, antes disso, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) deve apresentar um relatório apontando Bolsonaro como responsável, entre outras coisas, por crime contra a humanidade. “É da essência de uma CPI ser um movimento político para constranger o presidente de plantão. Não há nada de errado nisso”, diz o cientista político Carlos Pereira, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas.

Na terça-feira 8, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prestou seu segundo depoimento à comissão. Depois de dez horas de interrogatório, além dos bate-bocas e das trocas de acusações de praxe, não surgiu uma mísera informação que esclarecesse alguma coisa que já não se soubesse. Os oposicionistas comemoraram. “Esses depoimentos revelam que foi assassinato, que o governo patrocinou uma estratégia de disseminação da Covid”, disse a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Para o cientista político Paulo Kramer, é muito cedo para se falar que a crise sanitária terá um peso político decisivo nas eleições de 2022. “Quando nós estivermos mais próximos da saída da pandemia, com boa parte da população vacinada e a vida voltando ao normal, qual será a memória da Covid-19 na opinião pública?”, indaga Kramer, que ajudou a formular o programa de governo do então candidato Jair Bolsonaro em 2018. É a resposta a essa pergunta que vai mostrar se a oposição acertou ao apostar que a pandemia manterá o presidente da República enfraquecido até outubro do ano que vem ou se incorreu no mesmo erro de avaliação do passado.

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