Governistas da CPI espalham desinformação
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
No primeiro mês da CPI da Covid, senadores governistas repetiram alegações falsas, imprecisas ou fora de contexto dezenas de vezes para defender o suposto “tratamento precoce” para a covid-19, mostra levantamento feito pelo UOL Confere a partir de declarações dadas nas sessões entre 4 e 31 de maio. Os medicamentos do “tratamento precoce”, como hidroxicloroquina e ivermectina, não possuem eficácia comprovada contra a doença.
Entre os assuntos mais mencionados nas declarações com desinformação, estão as menções a especialistas e estudos contestados; os supostos benefícios da adoção do “tratamento precoce” em cidades e estados brasileiros, como Rancho Queimado (SC) e o Amapá; e a suposta falta de consenso científico sobre o uso de hidroxicloroquina e cloroquina para covid-19, amplamente defendido pelo governo Jair Bolsonaro apesar de seguidos estudos mostrarem a ineficácia destes medicamentos para a doença provocada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).
Foram 30 declarações citando estudos ou especialistas contestados pela comunidade científica para defender o “tratamento precoce”, sendo 25 delas feitas por Luis Carlos Heinze (PP-RS).
Então, quando pega Didier Raoult, V. Exa. sabe quem é Didier Raoult, Luc Montagnier, Satoshi Omura, Dr. Zelenko. São pessoas Prêmio Nobel. Criticarem essas pessoas por terem adotado um procedimento? É no mundo. V. Exa. sabe melhor do que eu quem são essas pessoas de que eu falo. Então, aqui está.
Luis Carlos Heinze (PP-RS) em 27/5/2021
O microbiologista francês Didier Raoult conduziu pesquisas sobre o uso da hidroxicloroquina com dados incompletos e sem grupo de controle. Após defender a medicação, Raoult chegou a dizer, em janeiro deste ano, que a substância não era eficaz no combate ao vírus. Quinze dias depois, voltou atrás e declarou ter mudado de opinião. Outros nomes citados já tiveram afirmações sobre seus estudos desmentidas por checagens, como Luc Montagnier, Tess Lawrie, Satoshi Omura e Vladimir Zelenko.
Essa pesquisa [de Manaus] foi publicada em uma revista de ciência chamada Jama, internacional, para assassinar a reputação de um produtozinho de R$ 50, R$ 70. Você imagina? Assassinaram a reputação no mundo e tiveram que se retratar por causa desta pesquisa, que eu quero saber a fundo quem é o responsável, e o Ministério Público já está investigando.
Luis Carlos Heinze (PP-RS) em 4/5/2021
No ano passado já havia sido desmentido que altas doses de cloroquina foram utilizadas intencionalmente em pacientes em Manaus para tirar a credibilidade da medicação. Também em 2020 foi publicado que a retratação da revista científica “The Lancet” de um estudo sobre hidroxicloroquina não foi responsável por nenhuma interrupção do uso do medicamento.
Em pelo menos sete oportunidades foi utilizado o argumento de que há “divisão clara” da ciência a respeito do uso de hidroxicloroquina e cloroquina para tratar a covid-19, o que não é verdade. Quatro das afirmações foram ditas por Eduardo Girão (Podemos-CE).
Muita gente tem afirmado que “já está, comprovadamente, confirmado que a hidroxicloroquina não tem efeito”. Essa afirmação é uma mentira, porque isso a gente pode ter no dia 31 de dezembro deste ano, conforme o senhor nos colocou aqui, certo?
Eduardo Girão (Podemos-CE) em 5/5/2021
Não há substâncias comprovadamente eficazes para prevenir ou tratar a covid-19. A OMS já publicou que há evidências conclusivas da ineficácia da hidroxicloroquina e da cloroquina contra a doença e não recomenda a droga para quem contraiu o vírus. A contraindicação ao uso das medicações também foi feita pela FDA, agência sanitária dos Estados Unidos.
No Brasil, a maioria dos fabricantes de cloroquina não recomenda a medicação para combater o vírus.
Em ao menos 11 falas, senadores como Heinze e Jorginho Mello (PL-SC) alegaram que baixas taxas de letalidade por covid-19 em cidades brasileiras seriam fruto da adoção do “tratamento precoce”. Oito das citações mencionam Porto Seguro (BA), seis falam sobre Rancho Queimado (SC), cinco de Porto Feliz (SP) e quatro de Chapecó (SC).
Lá no meu Estado, o município de Rancho Queimado e Chapecó fizeram um tratamento inicial, um kit Covid. E o resultado foi extraordinariamente positivo. Eu queria perguntar a V. Exa. se o senhor ouviu falar sobre isso, se o senhor conhece, porque evitou mortes, limpou o hospital e foi um resultado extremamente surpreendente
Jorginho Mello (PL-SC) em 4/5/2021
Desde o ano passado circulam falsas informações sobre bons resultados decorrentes do tratamento precoce em Porto Seguro e Porto Feliz, ambas desmentidas por checagens do Projeto Comprova (aqui e aqui).
Em abril deste ano, foi desmentido que 52 cidades haviam zerado óbitos em função do tratamento precoce. Porto Seguro, Rancho Queimado, Porto Feliz e Chapecó constavam na lista que viralizou no WhatsApp com a informação falsa.
Segundo dados coletados no site da Prefeitura de Porto Feliz, o município registrou mais mortes pela doença em 2021 do que em todo o ano de 2020, mesmo após a adoção do “tratamento precoce”. Entre 31 de dezembro de 2020 e 4 de janeiro deste ano, a cidade apresentou 22 óbitos pelo coronavírus. Na tarde de 1º de junho, já haviam sido contabilizadas 92 mortes.
Porto Seguro teve aumento de casos em fevereiro após as festas de fim de ano, além de ter sofrido com a falta de leitos para pacientes com covid-19. Em Chapecó, o prefeito alardeou o “tratamento precoce” e omitiu que a cidade adotou medidas restritivas severas para combater o vírus, além de ampla testagem e aumento de leitos para pacientes com a doença.
Uma reportagem do TAB de março deste ano informou que, embora Rancho Queimado tenha registrado apenas dois óbitos por covid-19, a cidade vizinha Angelina tem população maior e ainda não havia registrado nenhum óbito (até 1º de junho, Angelina teve apenas uma morte por covid-19).
Senadores como Heinze e Marcos Rogério (DEM-RO) também alegaram erroneamente que o “tratamento precoce” teria levado a bons resultados no combate à covid-19 nos estados. De um total de 12 menções ao tema, em sete houve a afirmação que o Amapá apresenta taxas menores por causa dos medicamentos, o que não é verdade. A taxa de letalidade mede a proporção de mortes em relação ao total de casos da doença.
E, veja, a letalidade do Amapá hoje é 1,51; a letalidade de Santa Catarina é 1,57; a letalidade de São Paulo, 3,38, quase o dobro, porque lá não usam o tratamento precoce que usam no Amapá, que foi negociado.
Luis Carlos Heinze (PP-RS) em 27/5/2021
Até 1º de junho, a taxa de letalidade do Amapá (1,5%) era a menor do Brasil, seguida por Roraima, Santa Catarina e Tocantins (1,6%), de acordo com dados do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde).
Já a taxa de mortalidade, que mede a proporção de óbitos por 100 mil habitantes, mostra outro cenário. Segundo o Conass e o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade do Amapá é apenas a 12ª mais baixa do país (de 200,5 por 100 mil habitantes), atrás de estados como Maranhão (115,3), Alagoas (142,9) e Bahia (143,4).
Embora o Amapá tenha aderido ao uso de medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina em casos de covid-19, não é possível relacionar os índices às drogas, já que o estado também adotou medidas restritivas para combater o vírus.
Em 9 de março foram decretados toque de recolher e lei seca, e no dia 18 foi implementado lockdown no estado. As medidas só começaram a ser flexibilizadas a partir de 12 de abril. No dia seguinte, o governo amapaense divulgou que um relatório científico condicionou as quedas em notificações às medidas restritivas, sem citações ao uso de medicações.
“Os números mostram uma melhora no combate à covid-19 no nosso estado. Mais uma vez o lockdown se mostrou eficiente e mostra, cientificamente, que foi a decisão mais acertada tomada pelo governador Waldez Góes e pelos prefeitos”, disse o superintendente da Vigilância em Saúde, Dorinaldo Malafaia, ao portal do governo estadual.