Indígenas estão trocando vacinas por ouro

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Foto: Tarso Sarraf / AFP

Documento enviado à CPI da Covid pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas mostra que os povos indígenas receberam cloroquina e tiveram dificuldade de acessar leitos de UTI (Unidades de Terapia Intensiva). Aponta ainda a possibilidade de vacinas destinadas a eles terem sido desviadas a garimpeiros com pagamento em ouro.

Criada em abril de 2019 com a finalidade de defender os direitos indígenas, desde março do ano passado a Frente Parlamentar na Câmara tem tratado sobre o impacto da pandemia e as medidas de enfrentamento entre os indígenas. Ao menos sete denúncias diferentes foram citadas no documento.

Para tentar sanar o problema, a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR), coordenadora do grupo, encaminhou ao menos 21 ofícios a autoridades dos ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública e também ao Judiciário.

Denúncias recebidas pela frente mostram que houve a utilização de remédios sem eficácia para tratar a Covid-19 em aldeias. Como a Folha revelou, o Ministério da Saúde distribuiu pelo menos 265 mil comprimidos de cloroquina, azitromicina e ivermectina aos indígenas em cinco estados, com o propósito de tratar infecções pelo novo coronavírus.

Um ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde para a deputada, no dia 15 de setembro, mostra essa distribuição. Ele relatava que o Distrito Sanitário Especial Indígena de Vilhena, em Rondônia, tinha realizado a contratação de profissionais para ajudar na identificação precoce dos sintomas e que haviam sido montados kit’s Covid (azitromicina e ivermectina) para suprir a necessidade da demanda de casos sintomáticos nas aldeias.

Outro ofício revela que houve falta de acesso à medicação adequada, como bloqueadores musculares. Isso teria levado à morte de índios Cinta Larga, que não aguentaram o processo de intubação.

Encaminhado no dia 4 de agosto do ano passado, o documento relatou que 10 índios Cinta Larga haviam morrido também por falta de leitos de UTI. Destacou ainda que a ausência de testes em qualidade e quantidade suficiente no noroeste de Mato Grosso estava fazendo com que o rastro da Covid contaminasse toda a população.

“Por se tratar a falta de testagem, necessária tanto para realizar o isolamento e impedir a contaminação quanto para entrar de imediato com a medicação indicada, de remédios para o processo de intubação e de disponibilidade de leitos de UTI, ocorrências em todo o país, peço urgência para a gravidade que o caso dos Cinta Larga e demais povos de Rondônia e Mato Grosso requer e que sejam tomadas as demais medidas ensejadas, pois vidas indígenas importam”, disse a coordenadora, em ofício.

Outra questão levantada é a dificuldade de vacinar a população indígena. Um ofício encaminhado à PGR (Procuradoria-Geral da República) revelou a influência negativa que missionários estavam exercendo sobre comunidades indígenas, infundindo temor por meio da propagação de fake news sobre a vacinação contra a Covid 19.

“A campanha de desinformação seria difundida via áudios e vídeos pelo celular, pelo sistema de radiofonia entre as aldeias e por cultos presenciais. No estado do Maranhão a maior influência seria da igreja Assembleia de Deus.”

Outro problema relatado em ofício encaminhado aos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Anderson Torres (Justiça) dizia que vacinas destinadas aos indígenas estavam sendo compradas por garimpeiros em troca de ouro.

“É comum a queixa por parte dos yanomami de que os materiais e medicamentos destinados à saúde indígena estão sendo desviados para atendimento aos garimpeiros, em prejuízo dos indígenas”, disse Dário Vitório Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami.

Um dos pontos mais criticados foi a discrepância dos dados oficiais divulgados pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) sobre infecção e morte de indígenas em relação aos dados contabilizados pelo Comitê Nacional da Vida e Memória Indígena. O primeiro relata 673 óbitos, enquanto o segundo, 1.072 mortes.

Segundo consta no documento encaminhado à CPI, diante do agravo na situação da pandemia e de violação de direitos dos povos indígenas, o ministro relator Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, determinou ao governo federal a adoção de uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid-19 em junho do ano passado.

Entretanto, passados oito meses, diversas determinações feitas em decisões anteriores foram atendidas apenas parcialmente. Por essas razões, Barroso homologou no dia 16 de março de 2021, parcialmente, o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas apresentado pelo governo federal.

O Ministério da Saúde informou que 81% da população indígena recebeu a primeira dose de vacina Covid-19 e 70% a segunda dose. As ações de vacinação continuam em todos os distritos.

Disse ainda que, desde o início da pandemia, trabalha em estratégias de proteção, prevenção, diagnóstico e tratamento da Covid-19. Para isso, foram enviados mais de 6,6 milhões de itens de insumos, como testes, medicamentos e equipamentos de proteção individual. Também foram realizados mais de 60 milhões de atendimentos nas 6.000 aldeias assistidas pela Sesai em todo o país.

“A pasta criou Equipes de Resposta Rápida, compostas por médico, enfermeiro e técnico de enfermagem, que permanecem de prontidão nos municípios que sediam os 34 Distritos Sanitários Espaciais Indígenas, para atender de imediato as aldeias que apresentarem surto da doença.”

Questionada sobre o que fez a respeito das denúncias relatadas, o setor de comunicação da Sesai respondeu que a reportagem procurasse a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) do Ministério da Saúde, que também não respondeu.

Procurada, a presidente da frente parlamentar afirmou por meio de sua assessoria que espera que as denúncias sejam apuradas pela CPI.

“São documentos que a Frente Parlamentar Indígena recebeu e apresentados nas reuniões, enviados com o objetivo de contribuir com o andamento da CPI, para que investigue algumas questões que foram apontadas durante as reuniões”, disse.

Folha