Leniência com Pazuello pode gerar efeitos nas PMs
Foto: Flickr
Especialista em estudos sobre a ditadura militar, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico avalia que a decisão do Exército de arquivar o procedimento administrativo que havia sido instaurado contra o ex-ministro e general da ativa Eduardo Pazuello por participar de um ato ao lado do presidente Jair Bolsonaro coloca as Forças Armadas em uma inédita posição de submissão.
O historiador credita a não punição a Pazuello — ocorrida após pressões de Bolsonaro, que nomeou o ex-ministro para um cargo no Palácio do Planalto esta semana — ao envolvimento que ele chama de “promíscuo” das Forças Armadas, sobretudo do Exército, no governo Bolsonaro. Para ele, a decisão dá uma sinalização perigosa não só para os oficiais como para as Polícias Militares, que se sentirão autorizadas a adotar posicionamentos políticos, além de colocar em descrédito o atual comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Já houve, na história do Exército, algum outro episódio que se assemelhe à decisão do comando de isentar o general Eduardo Pazuello de qualquer punição por participar do ato político com o presidente Jair Bolsonaro?
Que eu me lembre, não. Embora sempre tenha havido na história brasileira muita manifestação de oficiais, generais, ministros. Já houve, claro, o caso do coronel Bizarria Mamede em 1955, quando ele se manifestou contra a posse do presidente eleito Juscelino Kubistchek. O ministro do Exército tentou puni-lo, mas quem impediu foi o presidente da época, Carlos Luz. Isso foi inclusive o que levou a toda aquela situação crítica que culminou com o afastamento do presidente Carlos Luz, justamente porque o ministro queria punir.
Então foi uma situação oposta à atual?
Sim. É o contrário da situação atual, porque agora se trata do comandante do Exército que está acovardado diante do presidente. Acho que o comandante sai totalmente desautorizado, dando a impressão de um Exército submisso ao Bolsonaro.
A que o senhor credita essa decisão do Exército de arquivar o processo contra o General Pazuello?
As Forças Armadas e o Exército em particular se envolveu de maneira promíscua nesse governo, aceitando os cargos, dando apoio político expresso, como no caso do famoso tuíte do ex-comandante [do Exército Eduardo] Villas Bôas. Então, ficou muito difícil para o Exército se afastar minimamente que fosse desse governo por conta desse envolvimento total, o que inclusive passa em boa medida por boquinhas, cargos, salários. Isso é o que eu acho que explica um pouco esse compromisso político de apoio e esse envolvimento, que eu tenho chamado de promíscuo, é o que explica esse acovardamento do comandante atual que ninguém esperava, diga-se de passagem.
Porque a decisão do comandante causou surpresa, na avaliação do senhor?
Ele sempre foi visto como um homem mais independente, mas agora a gente percebe que ele se submeteu a pressão do Bolsonaro, dando a impressão de que o Exército está submisso. Eu acho que muitos oficiais generais não vão gostar disso. Dessa imagem de um Exército submisso a um presidente que sempre foi visto pelos militares como uma pessoa problemática, como mau militar, acho que isso vai desagradar muitos oficiais generais.
Tendo em vista o arquivamento de um processo disciplinar contra um general que participou de ato político, como fica a questão das Polícias Militares?
A Polícia Militar está agindo como guarda pessoal do presidente, defendendo interesses pessoais do presidente, agindo nesse sentido como guarda pretoriana. Juntar esse posicionamento político, de uma PM que se vê abrigada pelo projeto político tão condenável de um presidente e aliar isso à tradição de violência e despreparo das PM é uma situação muito delicada.
Diante desse cenário delicado que o senhor coloca, como qual é a saída para as instituições democráticas brasileiras?
Você tem um Exército submisso e uma Polícia Militar agindo como guarda pessoal do presidente, como guarda pretoriana. Isso é uma combinação catastrófica para a História do Brasil. Superar esse problema vai depender de uma ação conjunta de todos os democratas que eu espero que se associem. Então, seria necessário uma ação política muito conjugada mesmo de lideranças que se opem partidária e politicamente mas que sejam democratas e se manifestem com ênfase contra esse absurdo total. A solução desse compósito de problemas vai demandar o apoio coordenado de todas as lideranças democráticas, sem exceção.
Qual é o resultado imediato que a decisão de não punir Pazuello gera para o atual comandante do Exército?
O efeito é uma uma desautorização um descredito, um enfraquecimento do comandante do Exército porque os oficiais generais vão vê-lo como um fraco. eu creio que isso não venha a público de maneira explicita, mas havia certeza de que haveria algum tipo de punição ao Pazuello inclusive sob o argumento de que não havendo a punição o comandante sairia muito enfraquecido. Então, com certeza, alguns oficiais generais verão o comandante como sendo um fraco, uma pessoa que se submeteu ao Bolsonaro.
Como o Exército fica daqui pra frente?
Desde o primeiro momento em que Bolsonaro conseguiu nomear tantos oficiais para diversos cargos, nós vemos um desgaste do Exército. Mas o pior efeito que vejo é a Polícia Militar, enxergar na não punição do Pazuello uma autorização para essas ações de defesa política do presidente. O que eu temo muito é que, além do que pode acontecer daqui até as próximas eleições, em uma eventual derrota do Bolsonaro, nós tenhamos um episódio parecido com o que aconteceu no Capitólio, nos Estados Unidos. A PM vai conter esses manifestantes bolsonaristas? Eu duvido muito que haja isenção e serenidade da PM para agir em favor de manifestações democráticas e contra manifestações subversivas da extrema-direita. E isso é delicado porque nós teremos esse problema daqui a pouco. Eu não sei dizer qual será o papel das Forças Armadas, que têm o dever constitucional de proteger as instituições.