Membros do CFM atuaram em gabinete paralelo

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Foto: Isac Nóbrega/PR

Dois médicos conselheiros do CFM (Conselho Federal de Medicina) participaram de uma reunião do “gabinete paralelo”, investigado pela CPI da Covid, no Palácio do Planalto, em setembro do ano passado, junto ao presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

A endocrinologista Annelise Mota de Alencar Meneguesso, conselheira federal pelo estado da Paraíba, e o urologista Luís Guilherme Teixeira dos Santos, conselheiro federal pelo estado do Rio de Janeiro, foram gravados falando ao microfone em um vídeo publicado na própria página de Bolsonaro no Facebook, no dia 8 de setembro de 2020.

Intitulado pelo presidente como “Audiência com movimento ‘Médicos pela Vida'”, o encontro reuniu diversos profissionais da saúde que, sem máscara e dentro de uma sala fechada, defenderam o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a covid-19 e o tratamento precoce —que também não existe. Houve quem levantasse, também, suspeitas sobre as vacinas.

Esse evento foi batizado de “gabinete paralelo” por senadores que investigam as ações do governo federal no combate à pandemia após testemunhas terem relatado que Jair Bolsonaro era assessorado por médicos de fora do Ministério da Saúde. Ao começar sua fala, Annelisse apresenta a si e a Luís Guilherme como conselheiros federais do principal órgão médico do país.

“A gente falou aqui o nome de muitas drogas, mas a gente tem que sempre frisar que o atendimento é sempre mais importante do que droga A ou droga B. A gente não quer fazer apologia a nenhuma droga, mas a gente quer que o paciente tenha o direito de ser diagnosticado precocemente e ter seu tratamento instituído precocemente”, disse a médica.

Já Luís Guilherme disse que há milhares de médicos ao lado do presidente lutando contra “um sistema”. “Hoje eu vejo para cada uma dessa pessoas que estão aqui e tantas outras que já passaram, presidente, estão lutando ao lado do senhor. Nós temos hoje dezenas, milhares de médicos que estão lutando contra um sistema que foi dado, e esse sistema é contra a vida, contra as pessoas, contra a sociedade. Nós médicos aqui hoje somos médicos de verdade”, afirmou.

A imunologista Nise Yamaguchi, que prestou depoimento à CPI, o deputado federal Osmar Terra e o virologista Paolo Zanoto, que defendeu a criação de um “shadow board” (“gabinete das sombras”, em tradução livre) para direcionar Bolsonaro, também estavam presentes na ocasião.

O CFM, em nota, disse desconhecer a existência da reunião e que a participação dos dois médicos conselheiros é de “inteira responsabilidade dos envolvidos” (leia a nota abaixo).

Esta não é a primeira vez que o nome do CFM aparece relacionado ao governo de Jair Bolsonaro. O conselho é alinhado às pautas defendidas pelo capitão reformado, principalmente no aval para médicos prescreverem tratamentos precoces para o combate à covid.

Apesar de diversas entidades médicas terem se posicionado contra o uso desses medicamentos, o CFM tem ressaltado que defende a decisão individual do médico e do paciente.

Ao longo de 2020, o presidente do conselho, Mauro Ribeiro, encontrou-se com Bolsonaro para debater o uso da hidroxicloroquina contra a covid. Bolsonaro também já publicou um vídeo de Ribeiro atacando governadores do Nordeste que defendiam trazer médicos estrangeiros para ajudar na linha de frente dos hospitais na pandemia.

O conselho também se omitiu em relação à compra de vacinas contra a covid-19 e só publicou apoio aos imunizantes após pressão da opinião pública e de uma carta assinada por cerca de 20 médicos, ex-presidentes e ex-conselheiros do CFM. A carta pedia que o conselho se manifestasse a favor das vacinas e contra os tratamentos alternativos para covid-19.

Já a associação Médicos pela Vida, cujos representantes também participaram do encontro com Bolsonaro, tornou-se conhecida por capitanear a defesa de remédios comprovadamente ineficazes contra a covid, como a ivermectina, usada para piolhos e vermes, e a hidroxicloroquina.

A entidade foi uma das responsáveis pela divulgação de informes publicitários favoráveis ao tratamento precoce em oito jornais do país em fevereiro deste ano. A história foi revelada pelo jornal O Estado de S. Paulo.

CFM e médicos falam em participação independente
Procurados pelo UOL, os médicos Annelise Meneguesso e Luís Guilherme Teixeira disseram que foram ao Palácio a convite do movimento Médicos pela Vida e não representavam o CFM, apesar de terem sido identificados como conselheiros federais.

“Não fomos pelo Conselho Federal de Medicina. Mas, na hora, em virtude do que estava sendo falado, uma vez que a transmissão foi pública, sentimos a obrigação de defender o parecer 04/2020, que defende a autonomia do médico de prescrever (ou não) o que achar necessário ao seu paciente”, disse Annelise Meneguesso à reportagem.

“Meu cargo como conselheira federal suplente é indissociável à minha pessoa, mas eu não estava pelo CFM. Estava como convidada do Movimento Médicos pela Vida”, concluiu a endocrinologista.

Luís Guilherme também disse ter sido convidado pela mesma associação. “Minha presença foi pessoal e por acreditar que o presidente pudesse ouvir quem trabalha na ponta atendendo as pessoas, respeitasse a autonomia do médico e pudesse melhorar os cerceamentos que muitos médicos estavam e estão ainda sofrendo nos municípios”, disse.

Ele também chamou a investigação do “gabinete paralelo” de “obra de ficção”. “Essa história de gabinete paralelo é uma obra de ficção, e as pessoas que ali estavam naquele dia foram para lá numa tentativa de mostrar o lado do médico, sem nenhuma gerência sobre o Executivo. Eu desconheço que tenha tido algum tipo de intenção em assessorar direto ou indiretamente o presidente. A reunião foi feita por médicos, em sua maioria, altruístas e com desejo de ajudar o país”, concluiu.

Leia a nota do CFM na íntegra:

“O Conselho Federal de Medicina (CFM) desconhece a existência dessa reunião. Caso tenha ocorrido, nunca houve convite formal ou indicação de representação pelo CFM para participação em encontros desse tipo.

A eventual participação, portanto, é de inteira responsabilidade dos envolvidos. O CFM não autoriza qualquer médico, seja conselheiro ou não, a falar em nome da autarquia, salvo quando houver indicação oficial.

Todos os convites institucionais recebidos pelo CFM são analisados pela presidência, que é responsável pela indicação oficial de representantes, quando é o caso.

O CFM reitera ainda que, desde o início da pandemia, tem incentivado e apoiado ações que visam a proteção da sociedade contra a covid-19.

Entre elas, estão, o distanciamento seguro entre as pessoas, o uso de máscaras e o reforço à higienização (lavagem das mãos e emprego do álcool gel), assim como a vacinação em massa dos brasileiros, no menor espaço de tempo possível”.

Uol