Ministério tem plano para economizar energia
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À frente de um grupo do governo que tenta reduzir os impactos da crise energética, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, descarta apagão e racionamento, mas afirma ter na mesa medidas que vão desde a importação de mais energia até o incentivo ao deslocamento de consumo para além dos horários de pico, via desconto na tarifa.
Em situações assim, chuveiros elétricos e equipamentos de alta potência precisam ser acionados após as 20h para evitar pico de consumo na volta do expediente de trabalho, o que, segundo o ministro, leva ao apagão.
Em entrevista à Folha, Bento culpa o fenômeno La Niña pela pior crise hídrica dos últimos 91 anos e diz que, apesar de todas as medidas para garantir o fornecimento de energia, não tem como garantir se vai chover mais até setembro, quando o Ministério da Economia prevê descompasso entre crescimento e fornecimento de energia para suportá-lo. “É mais fácil ganhar na loteria”, afirma.
Para ele, a saída definitiva de situações como a atual é acelerar a transição energética, reduzindo a dependência das hidrelétricas.
Hoje, cerca de 64% da energia gerada vem dessas usinas, e a meta, segundo Bento, é chegar a 48% na próxima década. Para isso, prevê investimentos privados da ordem de R$ 360 bilhões.
O sr. vem repetindo que não haverá apagão ou racionamento. Mas um dos secretários do Ministério da Economia disse que o PIB pode crescer mais que o previsto a partir do terceiro trimestre e a falta de energia poderá frear essa retomada. Há risco? Não há essa possibilidade. O setor elétrico é monitorado 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Vemos o aumento de consumo, da demanda, o pico, tudo para que a gente possa ter tranquilidade na operação do sistema.
O consumo está melhor que em 2020, e há perspectivas de subir. Agora, estamos passando pela maior crise hídrica em 91 anos, e quase 64% da matriz elétrica é hidráulica.
A situação é comparável à de 2001, que levou ao apagão? A crise de 2001 foi completamente diferente. Em 2001, 90% da matriz era hidráulica.
Havia também menos intercâmbio de energia [deslocamento de uma região para outra], fundamental num sistema interligado como o nosso.
Hoje temos 160 mil quilômetros de linhas de transmissão, com uma média de expansão de 12 mil quilômetros a cada ano.
Se não existe o risco apontado pela Economia, qual é a margem de segurança?”Com o que fizemos até agora, a situação está supercontrolada.
Tomamos medidas preventivas, como o despacho das térmicas fora de mérito, autorizamos a importação de energia da Argentina e do Uruguai. O que não sabemos é como os reservatórios chegarão lá.
Por isso, temos metas estabelecidas para fazer o despacho [de contratação de energia por termelétricas]. Queremos chegar a outubro, na entrada do período úmido, com reserva de potência.
Assim, o ONS [Operador Nacional do Sistema] terá flexibilidade para evitar qualquer pico de carga, pois um pico é que leva ao apagão. É mais fácil ganhar na loteria do que afirmar hoje quanto teremos de reserva de potência em outubro.
Existe alguma medida prevista para deslocamento de consumo em horário de pico? Todas as medidas estão sendo analisadas. Não podemos ser surpreendidos.
Então, tudo está sendo considerado, inclusive deslocar o pico de demanda. Aí você dá muito mais segurança e consegue reduzir o custo [da energia]. Estamos conversando com os grandes consumidores e vamos trabalhar isso de forma transparente antes de tomarmos qualquer decisão.
Quando falta energia, começa uma disputa política pelo uso da água. Quem será o árbitro? Por isso, propus a criação de uma sala de situação. Nela temos os ministérios de Minas e Energia, Economia, Infraestrutura, Agricultura, Desenvolvimento Regional, a Casa Civil e a Advocacia-Geral da União. Os órgãos vinculados e agências também. O Ministério de Relações Exteriores também participa por causa das questões de importação de energia que já fizemos e que poderemos fazer no futuro.
É um ambiente de reunião online, permanente, para que as decisões sejam tomadas em conjunto e rapidamente. Porque, nessa crise, temos de preservar ao máximo possível o uso das águas. A água que passa não volta. Vai para o oceano.
É nessa sala que as decisões de usar mais água no transporte, na irrigação de lavouras ou no abastecimento de cidades vêm sendo tomadas? Isso. São discutidas online. Não sei em que contexto a Economia se referiu a esse descompasso [entre demanda e oferta de energia], mas o ministério faz parte dessa sala, cujo objetivo é, justamente, evitar que sejamos surpreendidos.
Na MP da capitalização da Eletrobras, os congressistas puseram mais 6 GW em contratação de energia a ser gerada por térmicas. Boa parte das usinas está indisponível, em manutenção ou paralisada. Foi uma ingerência no planejamento do ministério? Tivemos relação permanente com o relator da MP. A inclusão desses 6 GW está dentro do nosso Plano Decenal de Energia.
Afinal, a que se deve a crise hídrica? Pesou a política ambiental do governo, que levou ao aumento do desmatamento, especialmente na Amazônia? O mundo está percebendo uma mudança climática e daí vem a necessidade da transição energética [redução da dependência de hidrelétricas].
Mas é algo que começou lá atrás, quando decidimos construir Itaipu, quando lançamos o Próalcool. Hoje, as fontes eólica e solar já representam quase 14% da matriz. Entraram biomassa, gás natural, outras fontes. A nossa matriz em termos de renovabilidade é referência.
Agora, o Brasil é influenciado pela variação de temperatura das correntes do Pacífico, El Niño e La Niña.
A La Niña afeta mais o Centro-Oeste e o Sudeste e castigou muito neste ano. Maio foi o pior mês de afluência dos últimos 91 anos. E tudo indica que junho também será.
A culpa então foi do fenômeno La Niña? As políticas ambientais na Amazônia não tiveram impacto? Eu me atrevo a dizer que não. Porque não é assim, um problema pontual causar um problema dessa natureza [repentinamente].
Mas a mudança climática pode considerar diversos agentes causadores, como a não preservação do ambiente, a preservação de bacias hidrográficas.
A capitalização da Eletrobras prevê R$ 6 bilhões para recuperação, reflorestamento e desassoreamento dos rios [medidas que aumentam o leito e o volume de água]. Inicialmente, serão R$ 850 milhões por ano.
Também prevemos R$ 3 bilhões para eliminar ou praticamente zerar a geração termelétrica na Amazônia, tornando a geração na região efetivamente renovável.
Quanto será preciso investir para que cheguemos a 48% da matriz com hidrelétricas? Ao longo da década, R$ 360 bilhões.
Tudo privado? Sim. Estou sendo muito otimista? Não. Nos dois últimos anos, foram investidos US$ 30 bilhões no nosso setor de energia e mineração com capital estrangeiro, 26% de todo o capital estrangeiro entre 2019 e 2020. Ou seja, nosso ambiente de negócio é atrativo para investimentos tanto do exterior quanto nacional.
É só ver o deságio dos leilões no sistema de transmissão, da ordem de 60%. O ambiente é atrativo, daí meu otimismo.
Só nos últimos meses, entramos em bandeira vermelha, sistema que alerta o consumidor para a energia mais cara. Ela já estava elevada desde o ano passado. Por que a demora? A bandeira sinaliza que a geração está mais cara e que o consumidor vai pagar isso.
Ela é importante para ele tenha a noção de que deve economizar energia. Como estamos vivendo uma crise hídrica severa, que também use água de forma mais racional.
Demorou muito, ministro, passou uma percepção não tão dramática da crise ao consumidor. Isso aí é de acordo com a modelagem. Em abril de 2019, isso [distorção do modelo] me chamou a atenção e eu provoquei o CMSE [Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico]. Temos o Cepamp, Comissão Permanente para Análise de Modelos Computacionais, para o estabelecimento de tarifas e despachos [com base nos modelos computacionais]. Isso está sendo revisto.