Ministro da Saúde diz que não tem autonomia e que cloroquina é uma farsa
Foto:Jefferson Rudy/Agência Senado
Em seu segundo depoimento à CPI da Covid no Senado, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, mudou seu posicionamento em relação à hidroxicloroquina e afirmou nesta terça-feira (8) que o medicamento não tem eficácia científica comprovada para o tratamento da Covid-19, em um contraponto às ações do presidente Jair Bolsonaro desde o início da pandemia.
Foco da comissão, o governo Bolsonaro gastou recursos públicos e mobilizou a estrutura do Estado para incentivar o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada contra o coronavírus. São remédios listados em nota informativa do Ministério da Saúde para o chamado tratamento precoce. Tamiflu (fosfato de oseltamivir), cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina compõem o “kit Covid”.
Nesta terça, Queiroga também se absteve mais uma vez de comentar à CPI as ações do presidente, ao não usar máscaras e promover aglomerações, mas externou sua insatisfação com essa postura em alguns momentos. Afirmou que não “é censor” do chefe do Executivo e que as “imagens falam por si”.
Embora tenha reiterado sua autonomia para tomar decisões à frente do ministério, o próprio Queiroga relativizou essa condição ao afirmar que isso não significa “carta branca para fazer tudo o que quer”.
Queiroga prestou depoimento pela segunda vez à CPI da Covid. Há um mês, quando sentou no banco da comissão pela primeira vez, o ministro havia afirmado que não iria se posicionar sobre a eficácia de medicamentos como a cloroquina.
Afirmou na ocasião que a instância adequada para analisar essa questão seria a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), da qual faz parte, que está elaborando um protocolo.
“Segundo o decreto-lei que regulamenta a Conitec, eu sou instância final decisória. Então, eu posso ter que dar um posicionamento acerca desse protocolo, de tal sorte que eu gostaria de manter o meu posicionamento final acerca do mérito do protocolo quando o protocolo for elaborado”, disse durante a sessão de 6 de maio.
Já na oitiva desta terça o ministro foi explícito ao afirmar que, na sua opinião, esses medicamentos não têm eficácia comprovada. “Essas medicações não têm eficácia comprovada. Esse assunto é motivo de discussão na Conitec”, afirmou. “Se eu ficar discutindo a discussão do ano passado, eu não vou em frente.”
Queiroga também disse que considera essa discussão “lateral” e que “não contribui” para o enfrentamento da pandemia. O ministro afirmou que as discussões em torno desses medicamentos têm provocado grande divisão entre a classe médica e que seu papel à frente do ministério é “harmonizar esse contexto”.
“Como médico, eu entendo que essas discussões são laterais e nada contribuem para pôr fim ao caráter pandêmico dessa doença. O que vai pôr fim ao caráter pandêmico dessa doença é ampliar a campanha de vacinação”, disse.
O governo federal gastou R$ 126,5 milhões com esses remédios para destiná-los a pessoas infectadas. Foram distribuídos 31 milhões de comprimidos aos estados. Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu ser ilegal usar verba do SUS para a distribuição de cloroquina a pacientes com Covid.
O ministro da Saúde também reconheceu que não há médicos infectologistas no primeiro escalão da pasta, em plena fase de enfrentamento da pandemia.
“O Ministério da Saúde, ao longo do tempo, tem perdido quadros. Nós não temos, no Ministério da Saúde, médicos infectologistas”, afirmou Queiroga. “Temos a dra. Carolina, que é médica infectologista, mas ela é servidora da CGU [Controladoria-Geral da União], ela não está ali na função de médica infectologista.”
Segundo o ministro, a pasta recorre a médicos consultores, como o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, que tem atuado num núcleo de técnicos auxilia a Saúde na formulação de diretrizes de combate à Covid.
Senadores governistas, no entanto, depois contrariaram o próprio ministro, argumentando que há sete infectologistas na pasta. Queiroga então falou que iria buscar a relação dos nomes.
Durante o depoimento, o ministro manteve uma postura diferente quando comparado com sua primeira participação. Queiroga estava visivelmente mais irritado e se contrapôs em diversos momentos ao relator, senador Renan Calheiros (MDB-AL), e chegou a se alterar em uma discussão com Otto Alencar (PSD-BA).
Um dos principais pontos explorados pelos senadores foi a autonomia de Queiroga. O ministro havia dito na primeira oitiva que tinha total liberdade para nomear seus auxiliares e para estabelecer as políticas públicas que julgasse melhor.
No entanto, o depoimento da médica Luana Araújo (ex-secretária extraordinária para enfrentamento da pandemia) colocou em xeque essa versão.
Luana, que tem posição crítica em relação ao uso da hidroxicloroquina, relatou na semana passada aos senadores que ouviu de Queiroga que não seria efetivada no cargo pois seu “nome não passaria na Casa Civil”.
Ao abordar a questão nesta terça-feira, o ministro afirmou que a decisão de não nomear Luana foi exclusivamente sua e que a médica tinha sido aprovada pela Secretaria de Governo e pela Casa Civil. “A Casa Civil aprovou o nome dela”, afirmou.
“Só que nesse ínterim, o nome da Luana, apesar da qualificação técnica, começou a sofrer muitas resistências, em face dos temas que são tratados aqui, onde há uma divergência muito grande na classe médica, isso é patente, divergência de grupo de médico A, de grupo de médico B”, disse.
“Eu entendi que, naquele momento, a despeito da qualificação dela, não seria importante a presença dela para contribuir para a harmonização desse contexto. Então num ato discricionário desse ministro decidi não efetivar a sua nomeação.”
Queiroga afirmou que a substituta de Luana será nomeada até a próxima sexta-feira (11).
O próprio ministro levantou dúvidas sobre sua autonomia ao afirmar que isso “não significa carta branca” no cargo.
“O presidente me deu autonomia para eu conduzir o Ministério da Saúde; isso não significa uma carta branca pra fazer tudo que quer, não existe isso. O regime é presidencialista. Até o momento, não houve nenhum ponto que me fizesse sentir desprestigiado à frente do Ministério da Saúde.”
Queiroga aparentou irritação ao ser questionado sobre as ações de Bolsonaro, que promove aglomerações e questiona o distanciamento social e o uso da máscara. Em sua primeira participação na comissão, há um mês, o ministro apenas respondia que não faria “juízo de valor”.
Nesta terça-feira, no entanto, ele deixou transparecer que o assunto o incomodava e chegou a deixar escapar críticas diretas ao presidente. “O presidente da República não conversou comigo acerca da atitude dele. Eu sou ministro da Saúde. Eu não sou um censor do presidente da República”, afirmou.
Renan insistiu na pergunta, questionando Queiroga se o presidente não ouvia as orientações do ministro. “Mas isso é um ato individual, senador. As imagens, elas falam por si só. Eu estou aqui como ministro da Saúde para ajudar o meu país”, afirmou, irritado.
Queiroga em seguida disse que, “na grande maioria das vezes”, o presidente usa máscara no encontro entre os dois.
Posteriormente, senadores perguntaram ao ministro se ele tem insistido com Bolsonaro para que o presidente cumpra medidas não farmacológicas de enfrentamento da Covid. Queiroga respondeu que sim.
“Perfeitamente. Certo? O compromisso é individual; o benefício é de todos. Reitero aqui perante os senhores. O médico tem obrigação de meios, não tem obrigação de resultados. E o meu meio é a minha voz e usarei. Isso não quer dizer que eu vou conseguir, senador Renan”, continuou Queiroga.
O ministro afirmou ainda que “quer conseguir” e trabalhará fortemente por isso, indicando se tratar de uma mudança de comportamento de Bolsonaro.
Questionado, o ministro também afirmou que a realização da Copa América no Brasil não vai acarretar em aumento no número de casos de Covid. Queiroga argumentou que o torneio de futebol é pequeno, “não é uma Olimpíada”.
Explicou que seu papel como ministro era analisar os protocolos de segurança apresentados pelas confederações de futebol organizadoras do evento e que os considerou satisfatórios. Também argumentou que outros campeonatos estão em andamento no Brasil, de futebol e de outros esportes.
“O esporte está liberado no Brasil e não existe provas de que essa prática aumenta o nível de contaminação dos atletas. O [teste] RT-PCR ocorre normalmente independente de futebol. Qualquer cidadão da Argentina, independente da Copa América, entra no Brasil com um exame de RT-PCR”, afirmou.
“Não vejo do ponto de vista epidemiológico uma justificativa contrária à realização do evento. O risco de a pessoa contrair a Covid-19 será o mesmo com o jogo ou sem o jogo”, completou.
A princípio, estava previsto que os senadores votariam 24 requerimentos nesta terça.
Estavam na pauta pedidos para convocar o médico Paolo Zanotto e também um convite ao deputado federal Osmar Terra (MDB-RS). Ambos viraram figuras centrais na estrutura do chamado gabinete paralelo após voltar à tona um vídeo de evento no Palácio do Planalto, em que se discutiram formas heterodoxas de combate à pandemia.
Os pontos mais polêmicos, no entanto, eram os requerimentos de quebra de sigilo, entre eles o do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente da República. Essa quebra provocou uma divisão no grupo majoritário da CPI, formado por independentes e oposicionistas.
A questão seria decidida na noite desta terça-feira, em reunião na residência do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). A previsão é que os requerimentos sejam votados até o fim desta semana.