Ministros do STF têm tomado decisões divergentes sobre temas idênticos

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Foto: Senado Federal

O STF (Supremo Tribunal Federal) tem dado decisões divergentes sobre temas similares em relação aos trabalhos da CPI da Covid no Senado, o que tem gerado insegurança à comissão na aprovação de medidas para avançar nas investigações.

A falta de um julgamento no plenário para uniformizar a atuação do tribunal e o fato de os pedidos de investigados e testemunhas estarem sob a relatoria de diferentes ministros levaram o STF a adotar interpretações conflitantes em situações parecidas.

É o caso, por exemplo, das quebras de sigilo e do direito de cada convocado de permanecer ou não em silêncio em depoimento na comissão.

Em relação aos depoimentos, só após o tribunal sortear o responsável por cada recurso é que se torna possível prever qual vai ser o destino do processo, expondo uma situação de insegurança jurídica promovida pela corte responsável por uniformizar as jurisprudências do país.

Sobre esse tema, Rosa Weber afirmou que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), não precisava nem comparecer à CPI, assim como fez Kassio Nunes Marques em relação ao ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, obrigou o empresário Carlos Wizard, aliado do presidente Jair Bolsonaro e suspeito de integrar o gabinete paralelo do governo no combate à Covid-19, a comparecer à comissão, mas o autorizou a se manter em silêncio sobre fatos que poderiam levar à própria incriminação.

Já o ministro Ricardo Lewandowski permitiu o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a ficar calado em seu depoimento, mas fez uma ressalva significativa: deixou claro que ele deveria responder a perguntas que não o envolvessem e a falar a verdade sobre terceiros.

Em relação às quebras de sigilo, também houve divergência entre os magistrados e, a depender do sorteio da relatoria, os envolvidos podem ou não garantir no STF o direito de terem suas informações privadas resguardadas.

Nesse caso, Barroso e Kassio foram na contramão dos demais e suspenderam decisões da CPI nesse sentido.

O primeiro invalidou a quebra dos sigilos telefônico e telemático de Camile Giaretta Sachetti, ex-diretora do departamento de Ciência e Tecnologia, e de Flávio Werneck, ex-assessor de relações internacionais, ambos do Ministério da Saúde.

Barroso afirmou que a comissão não apontou as situações “concretas” que justificariam a medida e não deixou claro como o acesso ao conteúdo seria útil nas investigações

Já Kassio suspendeu a quebra dos sigilos de Elcio Franco, ex-número dois de Pazuello no Ministério da Saúde, e de Hélio Angotti, que foi secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos da pasta.

O magistrado disse que a CPI não expôs devidamente qual crime eles teriam cometido.

Na decisão, o primeiro indicado do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo usou uma argumentação que vai ao encontro do que governistas têm afirmado na comissão.

Segundo ele, um discurso político é “totalmente diferente” de uma CPI determinar quebras de sigilo “tentando estabelecer uma relação de causalidade penal remotíssima, como seja aquela que tenta correlacionar entrevistas e opiniões políticas com a morte de centenas de milhares de pessoas contaminadas pelo novo coronavírus”.

Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, por sua vez, mantiveram decisões similares da comissão sob o argumento de que uma revogação das medidas aprovadas pela comissão do Senado representaria uma intromissão do Judiciário nos trabalhos do Legislativo.

Rosa, por exemplo, manteve as quebras de sigilo de Wizard e de Filipe Martins, assessor internacional da Presidência, e afirmou que ações investigativas desta natureza estabelecidas por comissão parlamentar de inquérito não devem exigir “o mesmo nível de fundamentação típico de decisões judiciais”.

Um dos principais motivos para o Supremo dar tratamento diferente para pessoas em situações parecidas ocorreu pela decisão do presidente, Luiz Fux, de determinar o sorteio entre todos os ministros dos recursos que chegam à corte.

Em conversas reservadas, Lewandowski e Gilmar criticaram a decisão do chefe do tribunal.

A divergência foi exposta por Gilmar após ser sorteado para relatar habeas corpus de Alexandre Marques, auditor do TCU suspeito de inserir no sistema do órgão um documento com dados falsos sobre as mortes da pandemia.

O ministro devolveu o processo para a presidência para “verificar eventual prevenção” de Lewandowski, ou seja, para averiguar se o colega não deveria ser o responsável pelo caso porque teria sido o primeiro ministro a tratar de questões similares relativas à CPI.

“Ressalto que a reunião, sob a mesma relatoria, dos feitos que versam sobre os atos praticados pela Comissão Parlamentar de Inquérito pode afastar o risco de prolação de decisões contraditórias atinentes a situações fáticas bastante semelhantes”, afirmou Gilmar.

Fux, porém, manteve a ação com Gilmar e tem afirmado que não pretende mudar a decisão de sortear todos os processos.

A maioria dos colegas, aliás, compartilha do seu entendimento, uma vez que Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Rosa, Cármen Lúcia, Barroso e Kassio receberam casos da CPI e não questionaram se deveriam ir para o gabinete de Lewandowski.

Por meio de nota, Fux afirmou que a livre distribuição de temas relacionados à comissão parlamentar em curso no Congresso segue a regra adotada pelo Supremo em outras CPIs.

O ministro afirmou que o envio de todos os pedidos para o mesmo gabinete é uma “medida excepcional para casos relacionados por conexão probatória ou instrumental”. “O regimento interno do STF, convém reiterar, não estipula prevenção por temas gerais (exemplos: CPI, pandemia, Copa)”, disse.

Juliana Cesario Alvim, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutora em direito, diz acreditar que as decisões conflitantes “prejudicam a legitimidade” do STF e expõem um fenômeno que acontece na corte.

“A CPI transparece como os ministros não estão sintonizados. Ainda que na técnica possa haver justificativa para cada decisão, fica difícil discutir essa justificativa em um contexto que talvez já seja esse, de que o STF não fala a uma só voz”, diz.

Ela afirma que as divergências internas são naturais e fazem parte do colegiado, mas que elas devem surgir no local adequado, ou seja, no plenário.

“Quando vemos divergência fora do lugar, por exemplo, em declarações para mídia ou em decisões monocráticas —algumas até, digamos assim, oportunistas—, isso soa muito mal. É essa divergência que prejudica a legitimidade do tribunal. E aí as divergências podem ser mais legítimas vão para o mesmo saco”, afirma.

Folha