Pezão diz que Witzel está sendo mais bem tratado que ele
Foto: Zo Guimarães/Folhapress
Condenado a 98 anos e 11 meses de reclusão, o ex-governador do Rio de Janeiro Luiz Fernando Pezão, 66, voltou à carga contra o coordenador da força-tarefa da Lava Jato fluminense, Eduardo El Hage, e o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, ao afirmar nesta quinta-feira (10) que os dois foram citados pelo advogado que o avisou de sua prisão com 15 dias de antecedência.
“Ele vendeu esse serviço. Ele vendeu essa informação. Ele falou que teria como me ajudar, que eu não seria preso, para eu não ser preso. Ele disse que Bretas e Al Hage estavam convencidos de que eu era sócio de uma empresa em Piraí. E que seria preso por esse motivo”, afirmou Pezão, seis dias depois de ser condenado por Bretas.
Como informou o jornal O Dia, Pezão diz ter sido alertado pelo advogado Nythalmar Dias Filho duas semanas antes de ser preso, no dia 29 de novembro de 2018.
À Folha Pezão conta ter recebido Nythalmar no Palácio Guanabara, sede do governo fluminense. Segundo ele, a conversa com o criminalista foi intermediada pelo empresário Fernando Cavendish, ex-dono da Delta Construções, que firmou acordo de delação premiada e indenização de R$ 21 milhões.
Pezão afirma que riu ao ouvir que a força-tarefa não tinha dúvidas de sua participação na empresa. Mas hoje percebe que Nythalmar tinha trânsito, “protagonismo”. “Não levei fé. Depois que começou a surgir o nome dele eu fui ver que era a mesma pessoa que eu tinha recebido”, diz.
Ele se refere ao fato de Nythalmar ser alvo de investigação por suposto tráfico de influência na Lava Jato do Rio e estar prestes a fechar acordo de delação premiada com a PGR (Procuradoria-Geral da República), como antecipou a coluna de Mônica Bergamo.
Questionado sobre o fato de a prisão ter sido decretada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), Pezão diz acreditar que a PGR se baseou em informações fornecidas pela força-tarefa do Rio para fazer o pedido de detenção.
Vinte e três quilos mais magro devido à Covid-19 —a ponto de sua tornozeleira ter sido ajustada—, Pezão fala, nesta entrevista, do um ano e 11 dias vividos na cadeia. Enquanto dissolvia requeijão no café preto, o ex-governador também contou sobre a rotina desde que passou a cumprir prisão domiciliar, no dia 11 de dezembro de 2019, em Piraí, no sul do Rio de Janeiro.
Ele chegou lá falando para mim assim: que queria me defender, que eu iria ser preso e que o dr. Bretas e o dr. El Hage não tinham dúvida que eu era sócio de uma construtora em Piraí.
Tive meu sigilo quebrado. Fui investigado três anos e foi arquivado por unanimidade pelo STJ. O que ocorreu de março de 2018 para novembro de 2018 para a dra. Raquel Dodge e o dr. Félix Fischer pedirem minha prisão, falando que tinha sinais de ter até R$ 39 milhões? O que me deixa mais revoltado e perplexo é como de março de 2018 a novembro de 2018 eu viro essa pessoa, se tinha sido arquivado.
Quando vou preso entram dez pessoas dentro do palácio, seis homens de fuzil e quatro mulheres de metralhadora apontados para Maria Lúcia e para mim na cama, dentro do palácio. E dr. El Hage gritando onde está o cofre. Eu: “Não tem cofre aqui, pô”.
Estava assumindo o governo, um tiroteio danado, o Sérgio com aquele “ocupa Cabral”, uma confusão danada. Eu não sabia. Não tinha tempo de ficar investigando, olhando para o retrovisor. Só falei “para com tudo”. Não queria saber daquilo.
Você pega sentença dele [Bretas] e ele fala oito vezes que eu era uma pessoa gananciosa e que vivia nababescamente. Acho que ele julgou uma outra pessoa.
Ele teve direito de ir para Assembleia, ficou dentro do Palácio Laranjeiras, ficou recebendo. Minha mulher é advogada também, vê se tem um cheque na conta dela, se ela era contratada de algum partido político. Por que o juiz teve esse tratamento e eu não? Porque ele era juiz, amigo do Bretas? E agora o Bretas se declara impedido de julgá-lo porque vivia com ele indo para Brasília e queria ser ministro do STF?
Foi muito diferente, e essas coisas doem. O Witzel passou por um processo político com muito mais coisa contra ele do que comigo. Meu tem palavra de delatores, condenados. O Witzel, o cara não está nem condenado. E ele teve todo o tempo para se defender.
Não teve nada disso. Obedeci tudo lá dentro. Não tive nenhum problema. Acordava, jogava bola com eles lá, caminhava no presídio. Lia muito. Estudava. Fiz Enem lá dentro. Me tratavam muito bem. As famílias de presos, as crianças. Uma lição de vida. Mas, do processo da prisão, até hoje não consegui me recuperar. Você fica frágil.
Fizeram a vida na política. Tenho mais tempo do que ele na vida pública. Vê se tenho o patrimônio que essas pessoas têm. Tenho 36 anos na vida pública. Não tenho um patrimônio desse.
Tem nada. Campanha é campanha. Ganhei. Vou me arrepender de quê? De ter sido prefeito, governador? Não me beneficiei, não peguei dinheiro, não fiz fortuna para deixar para meus filhos e meus netos. Estão todos ralando aí. Estou com um filho desempregado, que é piloto de avião. Deveria ter é um avião para ele pilotar. Aquela pessoa que o Bretas julgou ali não sou eu.
Fiquei 20 dias internado. Quase morri. Foi pior do que meu câncer. Tive 75% do pulmão comprometido. Câncer foi brabo, mas Covid é muito pior. Falta ar. Você fica o tempo todo sem respirar. Meu pneumologista diz que nasci de novo. Estou com intercorrências. Estou fazendo fisioterapia três vezes por semana para recuperar o pulmão.
Fiquei com muito medo de morrer, ainda mais sem me defender. Sem ver essa reparação. Não vou conseguir mais limpar minha biografia. Acabaram com minha vida. Tenho minha mãe [de 88 anos]. Ela sofre muito. Quero mostrar que não tenho esse dinheiro. Fico triste por minha família.
Vou ficar questionando ele? Cada um tem sua vida. Duas semanas antes de ele ser preso fui na casa dele em Mangaratiba. Estava ouvindo falar que ele seria preso. Falei “Sérgio, você tem dinheiro no exterior? Faz repatriamento”. Ele me disse: “Pezão, você vem no sábado para ser piloto de trem fantasma”. Foi minha última conversa com ele.
A engenharia nacional foi liquidada.A arrecadação de impostos caiu. Em nome de quê? Será que não valeria a pena só punir os donos e deixar as empresas funcionando? Parar investimento em cima de quê? Fazer aquele fundo que a procuradoria queria fazer de R$ 2 bilhões? De eleger um procurador em cada estado como era a proposta do Dallagnol, de ter um fundo e lançar, de ter aqui o juiz Witzel bancado?
Hoje tenho certeza que teve caixa dois. O Sérgio falou que foi. Ele que tocou a campanha. Nunca poderia imaginar. Minha campanha custou R$ 75 milhões, já era dinheiro demais para mim. Você vai fazer o que com o mandato gastando dinheiro desse? Por isso, sou favorável ao financiamento público.
É um movimento orquestrado, um projeto político. Não dá para um juiz igual ao Moro ser ministro. Bolsonaro foi um instrumento político para atingir os objetivos dele.
Um absurdo. Quando vi aquele processo contra o Lula a gente começa a duvidar de tudo. Como você pode condenar uma pessoa se não tem escritura e o cara não morou ali? Ilações? Destroem o cara e colocam dois anos na cadeia?
Com essa Covid-19 até o bar do torresmo acabou. Estou ficando em casa, lendo. Acordo de madrugada, leio jornais. Leio os blogs, revista e jornal. Mas ando na cidade e recebo amigos.
Luiz Fernando Pezão, 66
Natual de Piraí (RJ), é formado em economia. Foi vereador (1982-1988 e 1993-1996) e prefeito da cidade por dois mandatos (1996-2004), vice-governador do Rio de Janeiro (2007-2014) e governador (2014-2018), sempre pelo MDB