PGR se mexe e pede informações a Bolsonaro sobre Orçamento Secreto

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Foto: Antonio Augusto/Secom/PGR

A Procuradoria-Geral da República (PGR) requisitou a seis ministérios do governo de Jair Bolsonaro informações sobre o escândalo do “tratoraço”. Em busca de dados sobre o esquema do orçamento secreto montado pelo Palácio do Planalto para obter apoio político no Congresso, o órgão solicitou também ao Tribunal de Contas da União (TCU) que compartilhe documentos das apurações internas em andamento na corte.

Os pedidos fazem parte de uma investigação preliminar da Procuradoria, aberta a partir de representações de parlamentares oposicionistas que cobram a apuração de possível prática de crimes por parte de autoridades federais, incluindo o presidente e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

Os partidos apontam violações à Constituição e sustentam que a série de reportagens do Estadão sobre o orçamento secreto mostra a compra de apoio político por meio da liberação das chamadas emendas de relator-geral do orçamento (RP 9). No pedido à PGR, as siglas cobram uma investigação abrangente para apurar possível superfaturamento na compra de máquinas e equipamentos agrícolas pela pasta do Desenvolvimento Regional e pela empresa pública Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). O jornal mostrou que o governo deu aval para a compra de máquinas até 259% acima do preço de referência estabelecido pelo próprio ministério.

As legendas da oposição pediram ainda que a PGR investigue se houve crimes de prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

No despacho de sete páginas em que atendeu aos pedidos das siglas, a Procuradoria afirmou que é “imperioso colher maiores informações, no intuito de direcionar as diligências a serem realizadas na presente apuração preliminar”. A PGR requisitou as informações a Marinho e aos também ministros da Agricultura Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina; da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas; da Cidadania, João Roma; da Saúde, Marcelo Queiroga; e do Turismo, Gilson Machado Neto. O pedido é para que eles “prestem as informações que julgarem pertinentes acerca dos fatos noticiados, no prazo de 15 (quinze) dias, instruindo-as, se for o caso, com os documentos correlatos”.

O órgão solicitou informações também dos diretores-presidentes da Codevasf; do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs); da Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco); do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), estabelecendo o mesmo prazo de 15 dias, “se possível, com os documentos correspondentes”. Por fim, a Procuradoria solicitou à presidente do TCU, ministra Ana Arraes, que remeta à Procuradoria cópias dos processos abertos pelo tribunal para apurar os fatos.

Há pelo menos cinco apurações em andamento na Corte de Contas referentes ao orçamento secreto. No principal deles até aqui, após um despacho do ministro Walton Alencar Rodrigues, o TCU requisitou ao governo cópias de todos os ofícios utilizados por deputados e senadores para indicar a aplicação de verbas de emendas de relator-geral, além das explicações detalhadas do governo sobre a distribuição do orçamento feita pelo governo para sua base de parlamentares. Uma primeira resposta do governo já foi enviada ao TCU, que mantém sob reserva o teor da manifestação.

A apuração no TCU não se restringe ao Ministério do Desenvolvimento Regional, mas busca apurar irregularidades na execução de valores de emenda de relator-geral em outras pastas. Os valores empenhados de RP 9 em 2020 foram R$ 20 bilhões. Para 2021, há mais R$ 18,5 bilhões do orçamento reservado para uso por meio de RP 9, que, na prática, tem sido o mecanismo utilizado pelo governo para agraciar os parlamentares da sua base, por meio da destinação de milhões de reais em cotas individuais definidas em conversas de gabinete entre os principais líderes do Congresso.

Enquanto a requisição do TCU foi assertiva, a da PGR não exigiu que os ministros apresentem os documentos relacionados ao uso do orçamento, deixando as autoridades à vontade para decidir o que enviar. O despacho que fundamenta as requisições da PGR foi assinado por Carina Costa Oliveira Leite, que é auxiliar do procurador-geral Augusto Aras e originalmente é promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Os ofícios aos ministros, contudo, foram assinados pelo procurador-geral e enviados, na noite desta terça-feira,8, aos ministérios, aos órgãos do governo e ao TCU. A partir das informações recebidas, a PGR irá decidir se abre inquéritos criminais e se encaminha os fatos para apuração também na esfera cível, na primeira instância.

Apesar de não ter sido alvo dos pedidos de Aras, os partidos querem que o presidente Jair Bolsonaro seja investigado. Os pedidos de apuração do caso têm como autores, entre outros, a Liderança da Minoria na Câmara, a Liderança do PSOL na Câmara, e o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). As representações enviadas à PGR apontam que é ilegal o uso de verba pública para influenciar votações no Legislativo, de acordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias. “No Estado Democrático de Direito, a integridade da votação do Parlamento depende de convicções e convencimento, nunca de liberação de recursos – de forma ilegal – para bases parlamentares, mormente no meio de uma crise pandêmica, em que milhões de brasileiros e brasileiras dependem de recursos públicos para sobreviver”, destacou a Liderança do PSOL em uma das representações.

Em seu pedido, Randolfe destaca que a “existência desse orçamento secreto, ou orçamento extra, gera um claro desequilíbrio democrático e republicano, na medida em que, de um lado, há nefasta e indevida diferenciação entre aqueles parlamentares apadrinhados e os renegados a uma espécie de escória de importância orçamentária, e, de outro lado, esse grande toma lá, dá cá acaba implicando enormes prejuízos ao fiel cumprimento do interesse público, já que se confundem os interesses pessoais patrimonialistas de gestores públicos e seus apoiadores políticos e as reais necessidades da população brasileira. (…) Pode-se dizer que os Representados, sem prejuízo de se apurar que outros também concorreram para as condutas ora denunciadas, praticaram, em tese, crime de prevaricação e de advocacia administrativa”.

Os partidos cobram também investigação sobre desvio de finalidade e abuso de poder no uso do orçamento. Eles ressaltam que a Constituição exige transparência e publicidade na administração e estabelece princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade da administração pública. Apontam ainda o descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) quanto à exigência de critérios para repasses de recursos da União para municípios e quanto à necessidade de transparência das informações, conforme revelou o Estadão.

Estadão