Politóloga de Yale prega redução do número de partidos no Brasil
Foto: Fabio Braga/Folhapress
Reformas para reduzir o número de partidos com representação no Congresso e tornar mais transparente o financiamento de campanhas políticas ajudariam a enfrentar a corrupção no Brasil, diz a pesquisadora americana Susan Rose-Ackerman, referência nos estudos sobre o tema.
Professora de direito e ciência política da Universidade Yale, ela chegou a sugerir num trabalho recente a adoção do parlamentarismo no Brasil para evitar a pulverização do sistema político —na sua opinião, um dos fatores que contribuíram para os desvios revelados pela Operação Lava Jato.
Rose-Ackerman acha que a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma decisão correta, mas diz que os erros cometidos no caso dele não servem para desqualificar os resultados obtidos pelos investigadores com a descoberta do esquema de corrupção na Petrobras.
A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa a correção de uma injustiça ou um retrocesso? Foi uma boa decisão. Sempre me pareceu que o caso de Lula não se encaixava bem no padrão do que foi revelado nos casos mais complexos da Lava Jato. O apartamento cuja propriedade foi atribuída a ele não parecia ter conexão com os desvios na Petrobras e as grandes transferências de riqueza detectadas pelos investigadores.
As decisões favoráveis a Lula podem minar a confiança da sociedade no sistema judicial? Não tanto pelo destino de Lula, mas principalmente por causa das alegações sobre o comportamento dos procuradores e do ex-juiz Sergio Moro. Seria uma pena se erros cometidos no caso particular de Lula fossem usados para desqualificar tudo o que foi feito.
Houve um trabalho sério de investigação, que revelou relações impróprias e corrupção em grande escala, e que não me parece ter sido conduzido com viés político inicialmente. Surgiram dúvidas quando eles se voltaram na direção de Lula, mas isso não enfraquece o excelente trabalho feito antes.
Considerando as revelações da Lava Jato, o que distingue o Brasil de outros países? A corrupção em grandes compras governamentais é comum no mundo inteiro, infelizmente. Não há nada de especial aí. O que parece mais específico no caso do Brasil é o grande número de partidos políticos.
Ele torna mais difícil para os presidentes formar coalizões simplesmente com base em políticas públicas, e um jeito de resolver isso é pagar as pessoas. Ainda que boa parte do dinheiro dos subornos pagos pelas empresas tenha sido transferida para os bolsos de indivíduos, parece claro que muitos recursos tiveram a finalidade de financiar campanhas dos partidos integrantes dessas coalizões.
A sra. sugeriu recentemente que a adoção de um regime parlamentarista ajudaria a resolver esse problema. Como? Sistemas parlamentaristas oferecem estímulos para organizar o sistema eleitoral em torno de um número menor de partidos e formar coalizões mais estáveis. É óbvio que também há corrupção em regimes parlamentaristas. Eles não são uma bala de prata, mas reduzem o poder do Executivo em relação ao do Legislativo e obrigam os dois Poderes a trabalhar juntos.
Há mudanças menos dramáticas que poderiam ser feitas sem alterar o sistema de governo. Incentivos para fusão de partidos e limites mais rigorosos para os que terão direito a representação no Congresso também poderiam reduzir o número de siglas com as quais um presidente precisa negociar.
Doações de empresas para partidos políticos foram proibidas após as revelações da Lava Jato. Foi uma boa ideia? A proibição pode criar outros riscos ao empurrar essas doações para a clandestinidade. Elas podem continuar sendo feitas de qualquer forma, agora sem que as pessoas saibam. Parece melhor regulamentá-las, adotar limites bem definidos e impor transparência, de forma que se possa ver de onde vem o dinheiro.
Se o fato de a proibição ter sido decidida pelo Supremo Tribunal Federal dificultar mudanças, uma alternativa seria destinar mais recursos públicos para o financiamento dos partidos. Mas um sistema em que é possível criar um partido político e ter recursos garantidos automaticamente também não é bom.
O esvaziamento da Lava Jato cria um ambiente propício para discussão de medidas preventivas e reformas que poderiam ajudar a controlar a corrupção? Se você estiver realmente interessado em reduzir a corrupção no Brasil, não pode depender apenas da legislação penal. Punições são importantes, e espera-se que inibam corruptos no futuro, mas não bastam.
Você precisa examinar os processos de compras governamentais, inclusive em áreas que não são tão glamurosas, como saúde e educação. Pode-se reduzir o excesso de discricionariedade nas mãos de funcionários públicos e aumentar a transparência nas relações dos governos com cidadãos e empresas. As descobertas da Lava Jato poderiam servir como guia para essas reformas.
O fato de que o presidente Bolsonaro e sua família são alvo de acusações reduz o espaço político para discutir esses assuntos agora, mas talvez seja possível identificar setores da burocracia em que reformas enfrentariam resistências menores, onde mesmo pequenas mudanças fariam diferença.
Regulamentar a atividade de lobby seria útil? O lobby é um instrumento para informar as pessoas no Legislativo sobre o que está acontecendo. Movimentos sociais, ambientalistas e grupos que representam minorias também podem fazer lobby, mesmo que não disponham de tantos recursos como as empresas. E tudo bem.
O problema é quando a atividade dos lobistas se mistura com corrupção, favores pessoais e conflitos de interesse. É preciso ter um sistema de registro para saber quem exerce esse tipo de atividade, com transparência para que a sociedade saiba com quem estão falando e de quem recebem pagamento. Não há regulação perfeita, mas é essencial que se tenha informação para examinar essas interações.
Como no caso das doações políticas das empresas, não faz sentido proibir o lobby. Se a lei restringir completamente o acesso dessas pessoas, você irá empurrar todas para a criminalidade. E algumas trocas de informação são essenciais para a operação do Legislativo. A questão chave é assegurar um grau de transparência que permita saber o que acontece, fornecendo informações que poderão ser examinadas por jornalistas, adversários políticos e quem mais estiver interessado.
O ex-ministro Sergio Moro defendeu recentemente a criação de um tribunal internacional para processar casos de corrupção ocorridos em países de instituições frágeis. O que acha da proposta? Para haver um tribunal internacional, seria necessário um tratado para estabelecer as regras, ao qual os países só poderiam aderir voluntariamente. Não há como impor um tribunal desses a um país que discorde da ideia. Se você é um cleptocrata, por que iria ratificar o tratado?
Então, os países que assinariam seriam apenas aqueles que nunca teriam uma ação contra eles no tribunal. Talvez ele permitisse exercer alguma pressão sobre regimes considerados muito corruptos, mas não seria realista imaginar que teria condições de investigar, buscar provas e processar culpados.
SUSAN ROSE-ACKERMAN, 79
PhD em economia pela Universidade Yale, é professora de direito e ciência política da instituição. Publicou nove livros e dezenas de artigos sobre corrupção e direito público. “Corrupção e Governo: Causas, Consequências e Reforma”, escrito com a economista Bonnie Palifka, do Instituto Tecnológico de Monterrey, no México, foi publicado no Brasil pela editora da Fundação Getúlio Vargas no ano passado.