Por que tantos evangélicos não querem se vacinar?
Foto: Egberto Nogueira/Ímãfotogaleria
Embora a vacina seja reconhecida pela ciência como a principal arma para conter a Covid-19, há alguns setores da população – no Brasil e no mundo – que resistem à imunização. Um dos grupos mais notáveis nesse sentido tem sido o de evangélicos pentecostais, que no caso brasileiro são movidos tanto por motivações religiosas quanto políticas.
Uma pesquisa do Datafolha feita em maio mostra, por exemplo, que apenas 20% dos evangélicos disseram ter sido vacinados contra a doença, percentual que fica abaixo do verificado entre católicos (31%) e a média da população (25%). Dos entrevistados, 10% disseram que não pretendem se vacinar, o dobro dos católicos (5%).
Um dos motivos religiosos, principalmente entre os pentecostais no Brasil e os cristãos conservadores dos Estados Unidos, é a interpretação que dão a um trecho bíblico do Apocalipse que afirma que, no final dos tempos, a “besta” (o demônio) terá uma marca nas pessoas – que alguns líderes difundem como sendo uma referência à vacina.
Há também uma certa adesão a discursos negacionistas, que minimizam a pandemia e os seus riscos. A mesma pesquisa Datafolha aponta que 77% dos evangélicos disseram que se sentem de alguma forma seguros para irem à igreja durante a pandemia. A pauta da reabertura dos templos foi bandeira de líderes evangélicos apoiados pelo presidente Jair Bolsonaro — que tem entre os pentecostais a sua principal base de apoiadores — e o caso chegou ao STF, que decidiu que municípios e estados podem sim impor restrições.
Um estudo conduzido pelas pesquisadoras Mariana Borges Martins da Silva, do departamento de ciência política da Universidade de Oxford, e Marina Pereira Novo, da Unicamp – e divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo nesta sexta-feira, 18 –, mostra que evangélicos pentecostais foram mais propensos a acreditar na eficácia do chamado “tratamento precoce” (uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença, como a cloroquina) do que o restante (36% a 19%) – a polêmica terapia é uma bandeira do bolsonarismo.
Nos Estados Unidos, durante o auge da pandemia, no governo do conservador Donald Trump, muitos líderes cristãos ajudaram a difundir mitos e conspirações de toda espécie sobre a vacina, como a de que ela era a marca da besta, ou que esterilizava mulheres, ou que introduzia um chip para controlar as pessoas – nessa última teoria, o líder da conspiração seria o magnata do setor de tecnologia Bill Gates, o que mostra que a estupidez antivacina não tem limites.
“Somos antimáscara, antidistanciamento social e antivacina”, disse à Deutsche Welle o pastor Tony Spell, da Igreja Tabernáculo da Vida. “Quando eles dizem que maneira de curar a Covid-19 é com uma vacina, sou extremamente cauteloso. Essa é a marca da besta”, ecoou o rapper americano Kanye West, cristão conservador e de direita, em entrevista à Forbes.
No Brasil, alguns líderes religiosos também espalharam fake news sobre a cura da Covid-19, como o pastor Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus, que foi processado pelo Ministério Público Federal e multado por comercializar grãos de feijão que teriam o poder de curar a Covid-19 – o vídeo foi retirado do ar pela Justiça.
Segundo relatório do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, evangélicos que atuam como missionários na Amazônia têm difundido teses conspiracionistas e fake news antivacina nas aldeias. De acordo com o Ministério da Saúde, em razão disso, alguns indígenas têm recusado a vacina – a taxa de mortalidade entre eles é sete vezes a da população em geral.
Alguns dos principais líderes evangélicos brasileiros, no entanto, adotam uma postura bem diferente. O bispo Edir Macedo (Igreja Universal do Reino de Deus) e os apóstolos Sônia e Estevam Hernandes, da Igreja Renascer, por exemplo, se vacinaram recentemente contra a doença nos Estados Unidos, onde possuem residência.