Presidente do PDT e Ciro se isolam no partido por antilulismo
Foto: Gabriel Monteiro/Agência O Globo – 1/11/2020
Pressionado pelos movimentos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como a visita do petista ao Rio de Janeiro na semana passada, o presidente nacional do partido, Carlos Lupi, disse que o que Lula fala não se escreve, indicando um afastamento quase irreconciliável para 2022. Na passagem pelo Rio, Lula disse que “jamais vai tratar como inimigo” o PDT. “ É esperteza pura. O Lula, se você estiver tomando um copo d’água, depois de uma corrida de mil metros, ele pega a tua água, bebe e diz: ‘Viu o bem que eu lhe fiz em não deixar você se afogar?’ Isso é o Lula”, critica Lupi.
O dirigente cita como “puxada de tapete” o aval do ex-presidente à saída do deputado federal e pré-candidato ao governo do Rio Marcelo Freixo do Psol para o PSB, de modo a atrair os pessebistas para uma aliança nacional. O parlamentar era esperança de palanque para Ciro no Rio.
No PSB, o apoio a Freixo é contabilizado como uma das moedas de troca que a legenda exigirá da cúpula do PT para aderir a Lula. Mas Lupi aposta nas divergências estaduais e referenda as críticas de Ciro a Lula.
As peças têm sido produzidas pelo ex-marqueteiro do PT João Santana: “A cada cinco vídeos que ele [Ciro] grava de pancada no governo Bolsonaro, tem uma crítica substantiva que ele está fazendo contra o Lula. Vai ser mais ou menos essa proporção. Se não, vira adesismo”.
Integrantes do PDT, no entanto, consideram não apenas que o confronto com Lula é uma estratégia errada como também buscam aproximação com o petista. Pré-candidato a governador no Rio, o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves defende “a construção da unidade, a mais ampla possível, das forças democráticas”. Em sua opinião, em vez de ataques ao ex-presidente, a prioridade tem que ser “o combate ao negacionismo e à incompetência do governo Bolsonaro” e a apresentação de um projeto nacional de desenvolvimento.
Para Neves, a relação entre PT e PDT deveria se inspirar na eleição de 1989, quando a situação era difícil mas “menos dramática do que a que o Brasil sofre hoje”. Leonel Brizola, fundador do PDT, apoiou Lula no segundo turno contra Fernando Collor, que se elegeria presidente. “O comportamento do Brizola e do Lula indica caminhos”, afirma.
Em temporada como pesquisador convidado na Universidade de Coimbra, em Portugal, Neves enviou como emissário para encontro com Lula, na sexta-feira, o seu sucessor na Prefeitura de Niterói, Axel Grael (PDT), já que o petista também teve encontros com Freixo e com o pré-candidato do prefeito Eduardo Paes (PSD), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz.
“O Axel relatou que a conversa foi muito boa. O Lula falou que achava necessário manter o diálogo e se construir um entendimento no Rio de Janeiro, além de ter elogiado muito Niterói. Ele foi muito simpático”, relata Neves.
O ex-deputado federal Miro Teixeira (PDT), que retornou ao partido para participar da campanha de Ciro, afirma que “já estão falando” que 2022 se desenhará como uma “eleição camarão”, em que se aproveita o corpo e joga-se a cabeça (de chapa) fora. Ou seja, candidatos a deputado deverão abandonar candidatos a governador ou presidente que não decolarem.
É o que a política brasileira convencionou chamar de “cristianização”, em referência ao ocorrido em 1950, quando Cristiano Machado foi traído por correligionários do PSD que apoiaram Getúlio Vargas. “Foi o que também aconteceu com o Ulysses [Guimarães] em 1989”, diz. No último Datafolha, Ciro registrou 6% das preferências contra 41% de Lula e 23% de Bolsonaro. Miro, contudo, não crê que ele será cristianizado.
“Quando ele exibir essa identidade com as maiores faixas da população, essa tropa se alinha na convenção. Porque o candidato a deputado do PDT vai ter que aparecer no programa de televisão com a candidatura à Presidência do partido dele”, afirma Miro, ressalvando que “na rua, o papelzinho [da propaganda, o ‘santinho’] pode estar diferente”.
Do Nordeste, reduto eleitoral do PT, pedetistas mostram sinais de desconforto com o grau de beligerância entre os partidos. É o caso do senador e pré-candidato ao governo do Maranhão Weverton Rocha, que busca apoio de Lula.
“Tenho absoluta certeza de que o Weverton fará campanha para o Ciro. Pode ter um candidato a senador ou vice do PT que faça campanha para o PT? Pode”, sugere Lupi, abrindo a possibilidade de um palanque múltiplo.
Na terça-feira, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), defendeu uma união entre Ciro e Lula “para salvar o Brasil”. Apesar de petista, Camilo é aliado antigo do PDT. Em São Paulo, a divergência se expressa nas opiniões do presidente do diretório do PDT da capital, Antonio Neto, e do vice-presidente, Gabriel Cassiano. Para o primeiro, o PT é “muito hegemonista”, e cita como exemplo a sugestão de que Guilherme Boulos (Psol) abdique da pré-candidatura a governador para apoiar o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.
“Há pessoas tentando apaziguar. Mas é incompatível”, diz. Para Cassiano, num cenário de ameaça golpista no país – que ele avalia como muito provável – Ciro poderia ser vice de Lula e encabeçar uma chapa, com apoio do PT, em 2026.