Publicidade do governo gastou 20 vezes mais com cloroquinas que com vacinas
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado
Dados da Secom, pasta do Palácio do Planalto responsável pela comunicação do governo federal, mostram que, até abril deste ano, ações publicitárias relacionadas à vacinação contra a covid-19 representavam apenas 6,2% do montante destinado para divulgar o que o governo chamou de “cuidados precoces”.
O documento, enviado à CPI da Covid no Senado, indica que, até outubro de 2020, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) havia autorizado o empenho de R$ 19.370.015,27 nas ações categorizadas como “cuidados precoces”. Os materiais foram veiculados ao longo do segundo semestre do ano passado e também no começo de 2021.
Por sua vez, as ações realizadas pela Secom para promover a vacinação no país custaram, de acordo com o relatório, R$ 1,2 milhão. O registro da autorização dos recursos é de março deste ano. A cifra não inclui campanhas que ocorreram no âmbito do Ministério da Saúde, com recursos e/ou meios próprios.
Procurado pela reportagem, o ministério não especificou qual foi o valor desembolsado com a divulgação do PNI (Plano Nacional de Imunização). De acordo com a pasta, foram realizadas 25 campanhas publicitárias “com os mais diversos temas” desde março de 2020, “como orientações sobre sintomas da doença, transmissão, recomendações para os grupos mais vulneráveis, medidas preventivas e reforço da importância da campanha de vacinação contra a doença”.
“Os conteúdos foram veiculados em canais de TV, rádio, internet e outras mídias, com mais de 1,2 bilhão de inserções e visualizações na internet, e o investimento de R$ 316,2 milhões”, informou o Ministério da Saúde, em nota.
Para fins de comparação, a Secom empenhou com a divulgação do programa “Wi-Fi Brasil” (criado para ampliar o acesso à internet em áreas pobres do país) o montante de R$ 10 milhões — quase dez vezes o investido na divulgação da imunização. Já o “Adote um Parque” teve orçamento de R$ 1 milhão.
O termo “cuidado precoce” é uma derivação do “atendimento precoce”, expressão adotada pelo governo na tentativa de driblar a polêmica relacionada ao incentivo do presidente da República ao uso da cloroquina e de outros remédios sem eficácia comprovada no tratamento da covid-19.
Entre as contratações feitas pela Secom, mais de R$ 1,3 milhão foram utilizados para custear serviços de marketing com influenciadores digitais. A informação foi revelada em reportagem da Agência Pública e publicada no UOL. Ao menos R$ 85,9 mil representaram o cachê pago a 19 pessoas apontadas como celebridades ou subcelebridades na internet. A missão era divulgar o “atendimento precoce”.
Durante o segundo semestre de 2020, o foco das orientações que o governo divulgava de forma ampla e sistemática era a adoção do chamado “kit covid”, ineficaz na prevenção do doença. A estratégia de comunicação também incluiu, em proporção mais modesta, incentivo às medidas não farmacológicas, como o uso de máscara e álcool gel.
No mesmo período marcado pela narrativa do “cuidado precoce”, entre agosto e novembro de 2020, Bolsonaro acelerava sua campanha pessoal em defesa da cloroquina e hidroxicloroquina, medicamentos que compõem o “kit covid” e que são recomendados até hoje por Bolsonaro.
Em depoimento à CPI, o ex-chefe da Secom Fábio Wajngarten confirma que a pasta realizou investimentos com o intuito de difundir o uso de remédios dos quais o presidente Bolsonaro é um entusiasta.
Segundo o publicitário, o “atendimento precoce” foi objeto de duas campanhas justamente no período entre outubro e novembro de 2020.
Na oitiva, Wajngarten também listou outras ações que, segundo ele, foram executadas pela Secom durante a sua gestão. O primeiro registro de atenção ao tema da vacinação se deu em dezembro do ano passado, em campanha educativa junto ao Ministério do Turismo para prestar “esclarecimentos” sobre vacinação e protocolos de segurança do turismo.
Somente em janeiro de 2021, de acordo com o relato de Wajngarten, a vacinação passou a ser assunto prioritário das ações deliberadas pela secretaria, com campanhas veiculadas junto ao Ministério da Saúde.
Em março, mês em que o Brasil trocava o ministro da Saúde pela terceira vez em 12 meses de pandemia (o general Eduardo Pazuello deu lugar ao médico Marcelo Queiroga), o governo brasileiro enfim concretizou o acordo para compra de vacinas da Pfizer.
O desfecho se deu depois de um longo período de negociações. Depoimentos à CPI indicam que o governo brasileiro ignorou a ofertas da farmacêutica ainda em agosto de 2020. As conversas só começaram a evoluir a partir de dezembro do ano passado.
O UOL enviou à Secom perguntas sobre as ações publicitárias realizadas durante a pandemia. A pasta foi indagada se houve alguma campanha realizada sob a sua ingerência após abril de 2021 —data limite do relatório enviado à CPI. Também foi questionado se houve, por parte da comunicação do governo, alguma restrição orçamentária e se existiria alguma justificativa institucional para os fatos que foram relatados. Não houve resposta até ontem (9).