Sem privataria da Eletrobras, energia teria tarifaço ano que vem

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Foto: Reprodução

Com a aprovação da capitalização da Eletrobras pelo Congresso, o governo avalia antecipar o uso de R$ 30 bilhões que virão da venda das ações da estatal ao mercado para amortizar o reajuste tarifário do próximo ano, que deverá ser muito acima do esperado devido ao acionamento de termelétricas.

Os recursos estão previstos na medida provisória da privatização da estatal aprovada pelo Congresso nesta segunda-feira (21), mas só devem entrar no caixa do Tesouro daqui a três anos.

Por isso, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou à Folha que está avaliando uma operação que prevê a antecipação desses créditos para que possam ser usados no abatimento das tarifas a partir de 2022. O Tesouro destinaria o dinheiro imediatamente para a CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e seria ressarcido posteriormente.

O ministro disse ainda que os R$ 30 bilhões previstos à CDE ao longo da concessão terão ainda um reforço de 75% do excedente de Itaipu ao longo dos próximos 10 anos, que equivalem a R$ 12,3 bilhões.

“Juntos, esses recursos propiciarão uma redução na tarifa de 1,1%”, afirmou.

Segundo ele, mesmo se o governo não fizer a antecipação dos R$ 30 bilhões neste momento, o consumidor perceberá futuramente redução tarifária quando esse dinheiro for destinado à CDE.

Movimentos similares foram feitos em governos passados. Em 2014, o Tesouro repassou recursos às distribuidoras para compensar preços elevados da energia. No ano seguinte, houve empréstimos viabilizados por um consórcio de bancos tendo a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) como intermediária.

O governo prevê que a venda de suas ações da Eletrobras ocorra em fevereiro do próximo ano. O valor dos papéis ainda será definido porque depende da modelagem dessa transação a ser realizada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) nos próximos meses.

Estima-se que o negócio será de ao menos R$ 60 bilhões, sendo R$ 30 bilhões destinados à CDE, R$ 20 bilhões de outorga ao Tesouro e R$ 10 bilhões para investimentos da Eletrobras. Na avaliação do Ministério da Economia, o total pode chegar a R$ 100 bilhões.

Vencida essa etapa, o conselho de administração da Eletrobras terá de aprovar a modelagem. Somente após esse procedimento, o negócio poderá ser efetivado. A ideia é que a companhia lance ações com direito a voto (ordinárias) no mercado, diminuindo para cerca de 45% a fatia que a União tem hoje na elétrica.

A lei também permite que a União faça uma oferta secundária de ações, vendendo sua própria participação na empresa.

Embora não seja um processo tão longo, o governo quer antecipar esses recursos que serão destinados ao abatimento das tarifas por meio da CDE, um processo que só começaria três anos após a capitalização.

Essa medida evitará um reajuste tarifário muito elevado em 2022, às vésperas da campanha pela reeleição. Em 2021, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) autorizou reajustes tarifários para as distribuidoras que variam entre 5% e 8%, enquanto os custos já ultrapassaram os 20%, segundo as empresas.

Auditores do TCU (Tribunal de Contas da União) já monitoram esse movimento apelidado de “pedalada na conta de luz” —uma referência às operações de crédito no governo da ex-presidente Dilma Rousseff que retardaram os repasses do Tesouro aos bancos públicos responsáveis pelo pagamento de programas e políticas públicas.

A comparação se restringe às postergações de reajustes integrais nas tarifas e também a uma operação de socorro às empresas que, na prática, impedirá altas muito mais elevadas nas contas dos brasileiros no momento em que podem estar sem emprego ou com redução de receita.

Essa operação, no entanto, foi montada sem dinheiro público por um consórcio de bancos privados liderados pelo BNDES.

Segundo a Aneel, o financiamento foi organizado pelo governo para evitar reajuste maior das tarifas de energia elétrica devido à pressão de custos.

Com esse sistema, conhecido como Conta-Covid, esses valores foram diluídos em 60 meses, reduzindo os índices dos reajustes a serem aprovados desde o ano passado.

Os auditores do TCU não apontam ilegalidades nesse movimento. A preocupação reside no tamanho do reajuste que será necessário em 2022, especialmente devido ao acionamento de usinas térmicas, que produzem a energia por R$ 1.500 o MWh (megawatt-hora), como saída para o governo enfrentar a pior crise hídrica dos últimos 91 anos e, assim, evitar racionamento.

Segundo o TCU, até o final de abril deste ano, essa “pedalada” já somava cerca de R$ 18 bilhões. Somente o acionamento das térmicas pressionou em quase R$ 9 bilhões o custo da energia.

A própria privatização da Eletrobras previu o uso desse parque, que deverá produzir até 8 GW (Gigawatt) de energia para ser adicionado ao sistema. A medida foi um dos “jabutis” inseridos no texto em discussão no Congresso e ajudou empresários que hoje têm licenças para construção de gasodutos ou usinas, como o empresário Carlos Suarez.

O governo, no entanto, saiu em defesa afirmando que o uso pleno de todas as térmicas, inclusive aquelas que operam no curto prazo, sem contratos, será necessário para evitar um racionamento de energia e que estava previsto no planejamento energético dos próximos anos.

Dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) indicam que, em muitos casos, essas usinas ficam indisponíveis até 53% do tempo devido a problemas técnicos.

O TCU fez repetidas recomendações ao Ministério de Minas e Energia sobre os problemas da utilização dessas usinas. Segundo os auditores da Secretaria de Fiscalização em Energia Elétrica do tribunal, somente 74% da capacidade instalada desse parque produz energia efetivamente. O restante fica comprometido diante da indisponibilidade de boa parte dessas térmicas.

Diversas associações setoriais fizeram críticas ao governo por ter criado uma reserva de mercado com a contratação de usinas caras e ineficientes, especialmente aquelas movidas a gás, no momento em que o Ministério de Minas e Energia propõe a livre concorrência no Novo Mercado de Gás.

Também afirmam que essa conta custará muito caro para os consumidores nos próximos anos. Os cálculos variam entre R$ 40 bilhões e R$ 84 bilhões. Apesar disso, o governo avalia que saiu vitorioso por ter conseguido aprovar a privatização da Eletrobras.

Ela representa uma vitória da agenda liberal do ministro Paulo Guedes (Economia), que ainda não conseguiu destravar seu plano de vender empresas públicas.

Folha de S. Paulo