A empreitada imoral dos evangélicos na política

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Foto: Alan Santos/PR

Os evangélicos começaram a se envolver na política brasileira na década de 1960, por meio da denominação O Brasil para Cristo, que à época, elegeu um deputado federal em 1961 e um estadual em 1966. Entretanto, as igrejas evangélicas só passaram a ter presença efetiva em nosso sistema político na década de 1980, com uma maior inclusão de parlamentares cristãos em 1986, com o fim do Regime Militar e início da Constituinte.

Naquele período, a Igreja Assembleia de Deus foi a força propulsora da organização política dos evangélicos, se organizando desde a cúpula para lançar um deputado em cada unidade da federação. Emplacando o slogan “Irmão vota em irmão”, as igrejas evangélicas (em sua maioria pentecostais), entraram de “corpo e alma” no jogo político. A formação de uma Bancada Evangélica só viria a ter preeminência no cenário político nacional no início da década de 1990, quando a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) formulou um plano político estruturado fazendo uma interface entre a Igreja e a Política por meio da aquisição (1989) da Rede Record de Televisão e Rádio e de sua utilização como ponte de comunicação com as massas. Por meio dos programas da TV Record os pastores midiáticos representantes da IURD e de outros grupos pentecostais e neopentecostais (como Silas Malafaia), começaram a abordar mais fortemente pautas políticas.

A partir de 2003, esse processo se intensificou com a fundação da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional – FPE (popularmente conhecida como Bancada Evangélica), que segundo levantamentos da Câmara dos Deputados, em 2019, possuía o expressivo número de 203 parlamentares vinculados a sua base. Personagens como Marcelo Crivella (eleito prefeito do Rio do de Janeiro com 1,7 milhão de votos e hoje em prisão domiciliar por suspeita de corrupção), Eduardo Cunha e Kim Kataguiri (peças-chave na articulação que derrubou a ex-presidenta Dilma Rousseff), Bia Kicis e Eduardo Bolsonaro (deputados federais considerados líderes importantes do bolsonarismo), e Flordelis (deputada suspeita do assassinato do próprio marido), eram à época integradas à Frente Parlamentar Evangélica.

Ancorada no projeto de poder político idealizado pelo bispo Edir Macedo – que em seu livro O plano de poder: Deus, os cristãos e a política, discorre sobre a importância de haver evangélicos na política e os conclama a se envolverem na vida pública como paladinos do bem -, a Frente Parlamentar Evangélica emerge defendendo seus principais interesses: a manutenção de seus privilégios – isenção tributária e concessões de TVs e rádios e o avanço de pautas conservadoras, como a proibição do aborto (mesmo para os casos legalmente previstos pela Constituição), a proibição da discussão sobre gênero, prevenção da homofobia nas escolas e o retrocesso de direitos de grupos vulneráveis, como os travestis e transexuais. Conforme a professora Bruna Suruagy, autora da tese de doutorado “Religião e política: ideologia e ação da ‘Bancada Evangélica’ na Câmara Federal”, a atuação dos parlamentares evangélicos se associa mais à preservação de um status quo do que à criação de novas leis. Ou seja, é uma representação muito mais combativa do que propositiva.

A Bancada Evangélica articula e alicerça seu projeto de poder por meio de dois pilares de sustentação do neopentecostalismo brasileiro: a Teologia da Prosperidade (TP) e a Teologia do Domínio (TD). A teologia da Prosperidade, que é alvo de críticas tanto por parte de não-cristãos como de cristãos, em linhas gerais ensina que os fiéis têm direito a saúde, bem-estar e boa situação financeira para desfrutarem na Terra os privilégios de serem “filhos do Rei”. Segundo essa teologia, a bênção de Deus na vida de um crente é autenticada pela prosperidade material.

Já a Teologia do Domínio (Dominion Theology), inicialmente desenvolvida nos Estados Unidos e rapidamente proliferada nos seguimentos evangélicos brasileiros, em especial no Neopentecostalismo, se refere à concepção teológica de que a realidade – tanto física quanto espiritual -, se restringe à luta do cristão contra o Diabo. Conforme essa interpretação a batalha do crente é travada contra demônios específicos, espíritos territoriais e hereditários, e, no caso do Brasil, contra os espíritos malignos identificados com os santos católicos e com os guias das religiões de matriz africana. De acordo com a jornalista investigativa Andrea Dip, autora de Em nome de quem? A bancada Evangélica e seu projeto de poder, a fusão dessas duas teologias é a grande responsável tanto pela ação política dos parlamentares da FPE (que intentam angariar cada vez mais privilégios e poder políticos e controlar os corpos e a sexualidade dos outros), quanto por seus comportamentos belicosos, persecutórios, hostis, violentos e inquisitoriais.

A influência da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é tema que merece um olhar atento de toda a sociedade, porquanto, é um processo político e social que apresenta, em seu cerne, a aproximação de uma extrema direita reacionária com um projeto de poder que se desenha por uma parcela significativa das Igrejas Evangélicas, cujo número de fiéis e de parlamentares no Congresso vem crescendo a cada nova legislatura.

Em vista disso, o maior perigo oferecido pela FPE é a homogeneização dos sujeitos políticos por meio da obstrução e da destruição da multiplicidade de pensamentos. Hanna Arendt já alertara em seu ensaio O que é política? que a verdadeira política é um lugar de aparecimento de rostos, diferenças e intervalos no qual explode singularidades. Portanto, a Frente Parlamentar Evangélica com seu projeto de poder é uma ameaça a nossa democracia, visto que conspurca a arte da política e prossegue em instrumentalizar a fé cristã para fins políticos.

Se os brasileiros continuarem a eleger representantes identificados com esse nefasto projeto de poder, o país amargará cada vez mais a degradação da religião cristã, bem como o enfraquecimento da democracia. Infelizmente, temos experimentado ambas as coisas – oxalá não se perpetuem.

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