Bolsonaro chamou de “provas” teorias fajutas da internet
Foto: Reprodução
Após três anos denunciando supostas fraudes nas eleições brasileiras, o presidente Jair Bolsonaro realizou uma live nas redes sociais nesta quinta-feira (29) para apresentar o que ele chamava de provas das suas alegações, mas trouxe apenas teorias que circulam há anos na internet e que já foram desmentidas anteriormente.
Ao longo de sua fala, Bolsonaro mudou o discurso e admitiu que não pode comprovar se as eleições foram ou não fraudadas.
“Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas. São indícios. Crime se desvenda com vários indícios”, declarou. Ao final da exposição, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se havia mostrado suspeitas ou provas. Respondeu: “Suspeitas, fortíssimas. As provas você consegue com a somatória de indícios. Apresentamos um montão de indícios aqui”.
Durante a apresentação, foram veiculados vídeos divulgados na internet que buscam transmitir a mensagem de que é possível fraudar o código-fonte para computar o voto de um candidato para o outro.
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), reportagens jornalísticas e checadores já mostraram, diversas vezes, que esse tipo de fraude não é possível e que os vídeos que circulam na internet não indicam qualquer tipo de irregularidade ou que alguma urna tenha sido corrompida.
A apresentação ocorreu no Palácio da Alvorada e foi transmitida pela TV Brasil, rede pública do governo. O presidente mudou o formato tradicional de sua live semanal e convidou 25 jornalistas selecionados, que no entanto não puderam questionar o mandatário. Bolsonaro também usou a transmissão para defender que a população vá a atos marcados para o próximo domingo (1º) em defesa do voto impresso.
Estavam presentes os ministros Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral da Presidência), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), além do senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
O responsável pela exibição dos indícios foi um homem inicialmente identificado apenas como Eduardo, que, segundo Bolsonaro, é analista de inteligência. Após ser questionado no fim da transmissão, o presidente disse que se tratava de Eduardo Gomes, um coronel da reserva e atualmente assessor da Casa Civil. O verdadeiro “especialista”, segundo o mandatário, ficou com medo de se expor e por isso passou as informações para o militar, que acabou fazendo a apresentação.
Bolsonaro abriu o evento com um discurso de cerca de 40 minutos, sem abordar especificamente as provas que havia prometido. Tratou de remédios sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19, novamente criticou governadores e prefeitos que promoveram isolamento social e mencionou políticas de seu governo.
Bolsonaro também criticou, por diversas vezes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu provável adversário no pleito de 2022. De acordo com a última pesquisa Datafolha, o petista venceria Bolsonaro no segundo turno por 58% a 31% das intenções de voto.
O presidente também atacou o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e defendeu sua tese do voto impresso —chamado por Bolsonaro de “auditável” e democrático.
“Por que o presidente do TSE quer manter suspeição das eleições? Quem ele é? Por que ele fica interferindo por aí, com que poder? Não quero acusá-lo de nada, mas algo muito esquisito acontece”, questionou Bolsonaro.
“Onde quer chegar esse homem que atualmente preside o TSE? Quer a inquietação do povo? Quer que movimentos surjam no futuro que não condizem com a democracia?”
Bolsonaro afirmou ainda, erroneamente, que a contagem dos votos seria feita em uma sala escura no TSE pelo mesmo homem que determinou a soltura de Lula.
O presidente repetiu a mentira de que a contagem das eleições hoje seria secreta e de que quer uma apuração pública, algo que não faz sentido, pois atualmente o processo de totalização dos votos já pode ser auditado, inclusive com um registro impresso, que é o boletim da urna.
Os boletins são distribuídos aos partidos políticos e afixados nos locais de votação em cada seção eleitoral. A impressão e publicidade dada aos boletins de urna impressos ao fim da votação, às 17h, em cada seção eleitoral garantem a auditoria e impedem fraudes na totalização, pois uma diferença entre os números impressos e os totais podem ser identificados.
A proposta do voto impresso em debate no Congresso e defendida por Bolsonaro não provocaria alterações na contagem dos votos.
O mandatário também acrescentou que levou alguns dos indícios apresentados para o ministro Anderson Torres, para que a Polícia Federal os investigue. Torres participou por poucos minutos da transmissão. Em determinado momento, leu algumas recomendações que afirma terem sido levadas pela PF para o TSE, a pedido do tribunal, sobre as eleições.
Disse que essas análises começaram em 2016. Dentre as recomendações, segundo o ministro, a Polícia Federal teria recomendado o voto impresso, “para fins de auditoria”.
Embora tenha prometido provas, em determinado momento da transmissão, o presidente transferiu a quem defende o sistema eletrônico a responsabilidade de mostrar fatos concretos.
“Será que esse modo de se fazer eleições é seguro, é blindado? Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo a acusação. Me apresente provas [de que] não é fraudável”, desafiou.
Como indícios de fraude, Bolsonaro exibiu vídeos de analistas e jornalistas acompanhando a apuração do primeiro turno de 2018.
Naquele pleito, Bolsonaro chegou a marcar 49% dos votos quando as parciais começaram a ser divulgadas. A primeira divulgação de resultados parciais, pouco depois das 19h, realmente mostrava Bolsonaro com 49,02% dos votos, e um total de 53,49% das urnas apuradas.
Naquele momento o status da apuração por região divulgado pela televisão e mostrado na live de Bolsonaro era o seguinte: Norte (48,02%), Nordeste (43,93%), Centro-Oeste (73,51%), Sudeste (10,99%) e Sul (85,38%).
Ele aponta que o fato de o Nordeste estar mais adiantado e o Sudeste mais atrasado seria indício de fraude. No entanto, se houvesse alguma adulteração dos resultados durante a apuração, como o vídeo indica, isso poderia ser comprovado por meio de auditoria com os boletins de urna.
A variação das porcentagens ao longo da apuração depende tão somente da ordem em que as urnas são apuradas. O resultado das seções eleitorais são transmitidos ao TSE por meio de uma rede exclusiva da Justiça Eleitoral, o que impediria qualquer tentativa de interceptação por hackers por não estarem conectadas à internet.
Na live, o presidente criticou Márcia Cavallari, então presidente do Ibope, que aparece no vídeo da apuração de 2018.
Procurado pela Folha, o Ipec, instituto de pesquisas hoje comandado por Cavallari, se manifestou em nota.
“Com relação à live do presidente Jair Bolsonaro transmitida no dia 29/07, esclarecemos que foram utilizados fragmentos de análises feitas por comentaristas políticos da GloboNews, que contava com a participação de Márcia Cavallari, à época representando o Ibope. As análises feitas pelos comentaristas baseavam-se nas informações disponíveis naquele momento e naturalmente estavam sujeitas ao avanço da apuração dos resultados oficiais, e que em nenhum momento faziam referência, debatiam ou colocavam em dúvida a lisura do sistema eleitoral e seus mecanismos de apuração. Além disso, cabe esclarecer que diferentemente das informações divulgadas na live, as tendências observadas nas pesquisas de véspera e de boca de urna apresentaram-se em linha com os resultados oficiais.”
Bolsonaro também mostrou como indício de fraude uma teoria já desmentida em 2018, após publicação de um vídeo de uma candidata a deputada federal pelo PSL.
Bolsonaro alega que haveria um padrão na apuração minuto a minuto do segundo turno das eleições de 2014, disputado por Dilma Rousseff (PT) e por Aécio Neves (PSDB). O presidente afirma que Aécio venceu aquele pleito, tese rechaçada pelo próprio tucano.
Como “prova” para sua afirmação, Bolsonaro argumentou que, na apuração do segundo turno, Aécio e Dilma apareceram intercalados na liderança de votos recebidos por mais de 200 minutos. Na teoria propagada pelo presidente, esse tipo de padrão matemático não poderia ocorrer de forma espontânea.
A alegada alternância entre Dilma e Aécio não aconteceu. Mesmo se considerada a questionável metodologia do vídeo, ao efetuar os cálculos corretamente, o suposto padrão desaparece.
No vídeo que serve como base para a teoria de Bolsonaro, um homem anônimo diz ter encontrado um padrão nos dados divulgados minuto a minuto que indicariam fraude, pois tal alternância entre Aécio e Dilma no recebimento da maioria dos votos a cada parcial só seria possível por meio do uso de um algoritmo.
Ao observar o gráfico com os votos apurados a cada minuto pelo TSE, é possível ver que não há um padrão, tampouco que Dilma e Aécio aparecem continuamente intercalados por mais de 200 minutos.
O que o gráfico mostra é que, no início da apuração, Aécio recebe sempre mais votos do que Dilma e que, a partir das 18h25, Dilma registra quase sempre um ganho maior de votos.
De acordo com o TSE, esse comportamento é explicado pela distribuição geográfica da apuração das urnas.
No início da contagem dos votos, a apuração ocorreu predominantemente nas regiões Sul e Sudeste, onde Aécio venceu. Com isso, o tucano manteve a dianteira na apuração parcial. Mas a situação se inverteu com a computação dos votos do Norte e Nordeste, onde Dilma atingiu ampla vantagem. Isso consolidou a vitória da petista, que foi reeleita com 51,6% dos votos, conta 48,3% de Aécio.
Uma auditoria independente promovida pelo PSDB entre 2014 e 2015 concluiu que não foi possível identificar fraudes na votação de 2014. No entanto, os autores fizeram várias sugestões de mudanças e sustentaram que não era possível fazer uma auditoria externa independente e efetiva do sistema. O TSE contesta essas conclusões e sustenta que o sistema já é completamente auditável.
Em 2018, antes de ser eleito, Bolsonaro já dizia que acreditava que só poderia perder na fraude. Apesar de levantar suspeitas sobre a urna, ele assumiu o cargo. Durante seu mandato, seguiu fazendo alegações infundadas.
Em março de 2020, Bolsonaro chegou a prometer mostrar provas “brevemente” de fraude na eleição de 2018 —ele disse que deveria ter sido eleito no primeiro turno, e não no segundo.
“Eu acredito, pelas provas que eu tenho nas minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito em primeiro turno”, afirmou Bolsonaro na ocasião. “Nós temos não apenas uma palavra, nós temos comprovado. Nós temos de aprovar no Brasil um sistema seguro de apuração de votos.”
Naquele pleito, ele venceu Fernando Haddad (PT), no segundo turno, por 55,13% a 44,87% dos votos válidos.
“Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse Bolsonaro no último dia 8 de julho.
Já no dia seguinte, afirmou: “Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”, disse a apoiadores.
Bolsonaro também sugeriu na live desta quinta que há interesses estrangeiros por trás das supostas tentativas de fraudes nas eleições brasileiras. Ele não indicou nenhum país em específico, mas sua fala dá indícios de que se trata da China.
“O que está em jogo? Está na cara que é o poder absoluto. Será que tem interesse de outros países dentro do Brasil? Será que querem que nós realmente sejamos o fazendão do mundo? Os outros só vem tirar o que nós temos de bom aqui dentro. Certas pessoas tem paixões por certos países, que têm interesses aqui dentro por ser um país rico. Vamos deixar isso cair nas mãos de pessoas que não reconhecem que a cor de sua bandeira”, disse o presidente.
Em outro ponto da transmissão, o presidente também atacou duramente a prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), em fevereiro, após vídeo atacando ministros do Supremo.
“Eu tenho vergonha não do deputado que está preso, mas de quem prendeu o deputado. Se fosse um deputado de esquerda, teriam incendiado o Parlamento brasileiro. Nós somos parlamentares invioláveis por qualquer palavra, opiniões e votos. Isso que é ato antidemocrático e não o coitado que levantou a faixa [pedindo o AI-5]”, afirmou.
“O parlamentar pode pedir o que quiser. O deputado pode apresentar o projeto mais absurdo possível, que remonte práticas do Império ou do tempo de Adão e Eva. Ele tem liberdade para isso, representa uma parcela da população, precisa ser respeitado e, obviamente, no futuro, que não se vote mais nele. Mas prender um deputado federal por ter falado, isso é inadmissível no Estado democrático de Direito”, completou o presidente.
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