Brasil pode ter maior reforma eleitoral desde 1988

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Sob condução principalmente da Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional tentará emplacar nos próximos dois meses a maior reforma eleitoral e política desde a Constituição de 1988.

Atualmente há cinco frentes de debate já formalizadas e uma sexta em gestação, todas elas iniciadas em 2021, em meio à pandemia da Covid.

As mudanças pretendidas incluem temas como mudança do sistema de eleição de deputados e vereadores, exigência da impressão do voto eletrônico, simplificação de regras de transparência, amarras ao poder de regulação da Justiça Eleitoral, afrouxamento de punição pelo mau uso de verbas públicas e relaxamento das cotas criadas para incentivar a presença de mulheres e negros na política.

Um dos pontos de maior interesse dos parlamentares já saiu do papel, com a aprovação na quinta-feira (15) de proposta que triplica o Fundo Eleitoral —a verba para abastecer candidatos em 2022 pode saltar de R$ 2 bilhões para R$ 5,7 bilhões.

O aumento, incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ainda tem um caminho a percorrer para entrar em vigor. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que é crítico do fundão, tem prerrogativa de vetar o dispositivo na LDO ou, posteriormente, no Orçamento-2022, que será votado a partir de setembro.

A palavra final em ambos os casos, porém, cabe ao Congresso, que pode derrubar eventual veto.

Bolsonaro terá que optar entre desagradar sua base eleitoral e entrar em contradição com seu próprio discurso ou irritar sua base de apoio no Congresso. Em 2020, quando passou pela mesma situação, o presidente escolheu a primeira opção e sancionou o fundão de R$ 2 bilhões.

A iniciativa mais ousada no sentido de alterar a legislação eleitoral é capitaneada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Coube a ele criar um grupo de trabalho que pretende revogar toda a legislação eleitoral ordinária e substitui-la por um único código, além de duas comissões especiais para analisar a obrigatoriedade da impressão do voto eletrônico e outras mudanças na Constituição.

Entre as medidas mais polêmicas, está a substituição do sistema de eleição de deputados e vereadores pelo chamado “distritão”.

Hoje, vereadores e deputados —estaduais e federais— são eleitos pelo sistema proporcional. Os assentos nas Casas Legislativas são distribuídos de acordo com a votação total dos candidatos e do partido (voto na legenda). Os votos excedentes dos mais votados ajudam a puxar candidatos com menos votos.

No distritão, são eleitos os mais votados. Ou seja, toda a votação dada em excesso aos eleitos e a dada aos não eleitos não vale nada. Em vez de priorizar o apoio a partidos, o distritão fortalece o personalismo, com tendência de beneficiar políticos já bem colocados e celebridades.

Os três colegiados já estão prontos para votar os textos, com graus variados de possibilidade de aprovação.

Bandeira do bolsonarismo, o voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta-feira (16), mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.

O tema tem sido usado insistentemente por Bolsonaro para fazer ameaças golpistas contra as eleições de 2022. Ele já afirmou, várias vezes, que se a mudança não ocorrer não haverá eleições. Uma reação de 11 partidos, porém, virou o jogo e, até essa sexta, garantia uma maioria para rejeitar a proposta.

Já a comissão especial relatada pela deputa Renata Abreu (Podemos-SP) —onde é discutido o distritão— deve votar o relatório também na primeira semana de agosto.

Dirigentes partidários também se colocaram contra a implantação do distritão. Embora o tema já tenha sido derrotado duas vezes na Câmara, nos últimos anos, a avaliação atual é que há votos suficientes para aprovação no plenário (pelo menos 308 de 513 deputados).

Os contrários tentam barrar a medida na comissão. Se isso falhar, há ainda a expectativa de que o Senado não priorize o tema.

O texto da deputada também impõe amarras no poder do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal de interpretar a legislação eleitoral —resoluções aprovadas com menos de um ano de prazo não valeriam nas eleições.

Essa é uma antiga demanda da classe política, que reclamou especialmente nas últimas eleições da decisão do TSE e do STF de determinar a distribuição proporcional de recursos de campanha entre candidatos brancos e negros.

Já o relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI) —que visa instituir o código eleitoral único—, foi finalizado na quinta. Ela traz uma série de medidas que simplificam e tornam menos rígidas as regras de prestação de contas, além de afrouxar punição a políticos que incorram em irregularidades.

O texto de Margarete ainda pretende proibir a divulgação de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das disputas, além de criar um suposto “percentual de acerto” dos institutos.

As duas medidas são criticadas por especialistas sob o argumento de que representam censura a informações relevantes para os eleitores, além de desconsiderarem a natureza dos levantamentos, que apontam retratos do momento em que foram feitos, passíveis de mudanças até a hora exata do voto.

Já o Senado aprovou na terça (13) e quarta-feira (14) um pacote de projetos que estabelece, entre outros pontos, ampla anistia aos partidos que não cumpriram as cotas de gênero e racial nas eleições realizadas até agora.

Um dos textos prevê cota de cadeiras femininas nos Legislativos (18% em 2022, chegando a 30% em 2038), mas retira a exigência de que os partidos lancem ao menos 30% de candidatas, além de desobrigá-los de destinar recursos de campanha e tempo de propaganda proporcionais ao número de candidatas (desde que não seja inferior a 30%).

Em 2018, 15% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados foi conquistada por mulheres. Especialistas criticam o fim da exigência de cota de candidatas e de financiamento proporcional, afirmando que isso irá inibir a participação feminina.

Outra medida dificulta o acesso de partidos nanicos ao Legislativo (a disputa das chamadas “sobras”), medida que encontra grande apoio entre os congressistas. Esses projetos seguiram para votação na Câmara.

Para o líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões (AL), não há conflito de agenda entre deputados e senadores. “Não há nenhum tema que vá de encontro ao que está em debate na Câmara”, disse, se referindo aos projetos do Senado.

O deputado Fábio Trad (PSD-MS), entretanto, diz ver uma falta de sintonia entre as duas casas. “Demonstra uma falta de harmonia entre Câmara e Senado, o que pode prejudicar a normatização das eleições.”

Uma sexta frente ainda está se desenhando e não foi formalizada. Apoiada pelos ministros do STF Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, esse também presidente do TSE, e pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), o semipresidencialismo ganhou fôlego nos últimos dias ao receber o apoio de Lira, que defende discussão para implantação da medida em 2026.

O semipresidencialismo é uma espécie de parlamentarismo, mas com a manutenção de mais poder na mão do presidente.

O Presidente da República, eleito pelo voto direto, é o chefe de Estado, comandante Supremo das Forças Armadas e tem o poder de dissolver o Congresso Nacional em casos extremos, convocando novas eleições, entre outras funções. Ele é responsável por indicar o primeiro-ministro, que é quem governará, de fato, juntamente com o Conselho de Ministros.

Desde a Constituição de 1988, o país passou por alterações de maior monta na legislação política e eleitoral no final dos anos 90 —com a implementação da leis Eleitoral e dos Partidos Políticos, além da instituição da reeleição no Executivo— e entre 2015 e 2017.

Nesses anos, o STF proibiu o financiamento empresarial das campanhas. Com isso, o Congresso criou o Fundo Eleitoral. Houve também a decisão de acabar com as coligações nas eleições proporcionais e implantar a cláusula de desempenho, medidas que tendem a enxugar o quadro partidário (hoje são 33 siglas).

Folha  

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