Cepa indiana requer vacinação, testes e isolamento
Foto: Peter Linforth/Pixabay
Especialistas afirmam que intensificação da vacinação, melhora da testagem para identificar casos de Covid-19 e isolamento social são necessários para frear o avanço da variante delta do coronavírus, que, segundo estudos, tem uma transmissão mais rápida.
O médico sanitarista e professor de saúde pública da USP Gonzalo Vecina Neto aponta a intensificação da testagem nos aeroportos para impedir a entrada de infectados como medida que já deveria ter sido adotada no país.
O mesmo deve ser feito para todos que apresentarem sintomas da doença e para aqueles que tiveram contato com eles há pelo menos três dias. Além de testar, é preciso fazer o sequenciamento para saber o tipo de vírus e isolar os casos positivos.
“O jeito mais tradicional na saúde pública de conter uma doença infectocontagiosa é o isolamento social. Nós não isolamos. Você identifica quem está com a doença e não deixa sair. Alguns países adotaram essa estratégia, seja como uma sanfona, no vaivém, ou radicalmente”, diz Neto.
A outra forma de prevenir mais casos da cepa identificada originalmente na Índia é a vacinação. “Tem duas possibilidades: aumentar o número de dose 1 e manter a 2 para noventa dias ou diminuir a D1 e adiantar a D2 para que mais pessoas estejam imunizadas. A lógica é a mesma. Dependendo do tipo de comportamento do vírus, como a D1 já dá algum tipo de proteção contra casos graves de Covid, talvez a estratégia adequada seja aumentá-la.”
“Quanto mais se acelerar a vacinação, melhor será. Temos que aumentar muito a cobertura e com mais rapidez. Uma forma seria expandir os horários de atendimento e vacinar aos domingos para que cada vez mais tenha gente com a primeira dose”, diz o epidemiologista Paulo Lotufo, professor titular de clínica médica da USP.
Contra o avanço da delta, o governo de São Paulo estuda antecipar a aplicação da segunda dose da vacina contra a Covid-19. A ideia é reduzir de 90 para 60 dias o intervalo entre as doses dos imunizantes da AstraZeneca e Pfizer.
Questionado sobre o estado de São Paulo, Neto discorda de qualquer tipo de flexibilização de medidas contra a Covid-19. “Nem em sonho! Manteria do jeito que está com possibilidade de fechar se houver avanço da variante. As mortes estão caindo, mas de um patamar muito elevado”, afirma.
Nesta quarta, o governador João Doria (PSDB) anunciou a ampliação do funcionamento do comércio em São Paulo a partir desta sexta (9). Os estabelecimentos poderão funcionar com até 60% da capacidade e até as 23h. Além disso, as aulas presenciais no ensino superior poderão ser retomadas a partir de 2 de agosto, sem a limitação anterior de atendimento a 35% dos alunos, nas escolas particulares e públicas.
São Paulo, a cidade mais populosa do país, já vive a ameaça do espalhamento da variante delta, primeiramente identificada na Índia em outubro de 2020. Pelo menos 30 pessoas que tiveram contato com a esposa do paulistano de 45 anos, primeiro caso confirmado na cidade de infecção pela cepa, estão sendo monitoradas. Há indícios de que a infecção tenha ocorrido por transmissão comunitária, quando a infecção acontece entre pessoas que não viajaram.
Em entrevista coletiva nesta quarta (7), o coordenador do Centro de Contingência do Covid-19, Paulo Menezes, disse que a variante delta é motivo para que a população mantenha as normas sanitárias, porque o comportamento da cepa ainda é desconhecido.
“Nós sabemos que na Europa e em Israel essa variante tem provocado um aumento no número de casos, inclusive com uma pequena redução na efetividade das vacinas utilizadas nos países, mas eu diria que aqui ainda precisamos de mais tempo e informação, até porque essa variante delta concorre com outra que já enfrentamos desde o início do ano, que é a gama (P.1). Talvez não seja observado aqui o mesmo efeito e a mesma evolução observados nesses outros países”, disse Menezes.
Segundo o Ministério da Saúde, há 16 casos da variante delta identificados e notificados no Brasil, sendo 6 no navio que esteve na costa do Maranhão, 3 no Rio de Janeiro, 1 em Minas Gerais, 3 no Paraná, 2 em Goiás e 1 em São Paulo. Até o momento, entre esses casos, dois óbitos foram confirmados entre pessoas que foram infectadas com a variante, no Maranhão e no Paraná.
Nesta quarta, a Secretaria de Saúde do Paraná confirmou o quarto caso e a segunda morte no estado —ocorrida no dia 17 de maio— pela variante delta. Não há confirmação de transmissão comunitária, mas há uma investigação epidemiológica e laboratorial com 235 amostras enviadas à Fiocruz para sequenciamento genômico.
A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro afirma que as vigilâncias municipais, com apoio da vigilância estadual, estão realizando a investigação epidemiológica para esclarecer as circunstâncias da infecção e se as transmissões foram autóctones.
De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, os contatos diretos e indiretos relacionados ao caso confirmado no estado foram monitorados. A pasta ampliou as ações de vigilância genômica do coronavírus e realiza amostragem de casos em diferentes municípios para investigação laboratorial.
Goiás mantém a rotina de monitoramento e rastreio dos contatos para identificação de casos suspeitos e de possíveis casos secundários da variante.
No Maranhão, segundo a secretaria de Saúde, os casos de infecção pela variante delta ficaram restritos ao navio MV Shandong, da ZHI. Ainda assim, a rede estadual de saúde mantém a investigação dos casos confirmados. No momento, prevalece no estado a variante gama.
Marcia Castro, cientista, professora de demografia da Faculdade de Saúde Pública de Harvard e membro do Observatório Covid-19 BR, acredita que a pressão do governo federal dificulta que os estados retrocedam nas flexibilizações, porque os números de casos, óbitos e internações por Covid-19 estão em queda. Ela defende que é preciso melhorar a vigilância e a testagem.
“Em São Paulo, por exemplo, você pega toda a rede de laboratórios privados, os públicos e os de universidades. Por que o governo não estimula uma rede, pega todos os testes que estão sendo feitos e faz um sequenciamento disso? É uma forma muito melhor do que 250 amostras, pois você sabe onde a delta está aparecendo”, explica Castro.
Para a especialista, os agentes comunitários de saúde podem ter uma ação mais ativa na identificação de pessoas infectadas. Outro ponto que ela cita é a distribuição de máscaras de boa qualidade para todos os motoristas de ônibus. “Isso deveria ter sido feito desde o ano passado. Se realmente a delta se espalhar, vão esperar o sistema de saúde colapsar de novo para poder fechar”, completa.
“Nós temos uma flexibilização geral que não é embasada nos dados. Neste momento, especialmente com os casos de delta pouco numerosos, o que fazer? Aprofundar a vigilância genômica —São Paulo até faz, mas não em todos os locais— e ao encontrar os casos, quarentenar, atender adequadamente as pessoas, rastrear contatos, isolar os infectados, tomar medidas de enfrentamento real caso a caso, com o esforço dos serviços de saúde”, afirma Fernando Rosado Spilki, coordenador da Rede Corona-ômica BR-MCTI e professor do mestrado em virologia da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS).
Para o pesquisador, os gestores públicos devem pensar em políticas de vacinação mais rápidas e em implementar a segunda dose assim que possível, dentro do limite das vacinas.
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