Deputados bolsonaristas querem 5% das urnas com voto impresso
Foto: Elio Rizzo/Esp. CB/D.A Press – 31/10/10
O cabo de guerra sobre o voto impresso para as eleições de 2022 — de um lado, o presidente Jair Bolsonaro ameaça não reconhecer o resultado das urnas e, de outro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e lideranças políticas e sociais defendem a manutenção do formato atual por jamais ter sido detectado um único indício de fraude eleitoral em 25 anos de utilização de urnas eletrônicas — pode levar a uma solução híbrida que contemple os dois lados. Um importante grupo de deputados defende uma implantação escalonada do voto impresso, começando por 5% das urnas em 2022 e chegando a 100% delas em 2030, ao custo total de R$ 2,5 bilhões.
A comissão especial da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso deve se reunir hoje para que seja apresentado o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR), favorável à impressão do voto. No entanto, juristas defendem que a proposta teria dificuldades para ser chancelada na Justiça, além dos desafios logísticos e financeiros de implantar a ideia — apesar de Bolsonaro ter afirmado que existe uma solução no orçamento para custear a mudança.
No Supremo, ministros avaliam a proposta como imotivada. E preveem risco de mais uma crise institucional com o Poder Executivo caso a PEC de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF) seja aprovada pelo Parlamento e termine barrada pela Justiça em razão do potencial de fragilizar o sigilo do voto, pois as cédulas poderiam ser alvo de vazamentos.
No último dia 26, líderes de 11 partidos — inclusive alguns da base do governo, como PL, Progressistas, PSL e Republicanos — fecharam acordo para não votar a implantação do voto impresso. Entre os deputados, mesmo quem é a favor do novo formato sabe das dificuldades e acredita ser impossível adotá-lo em 100% das urnas para as eleições gerais de 2022. Desde a eleição passada, antes de ser alçado ao cargo, Bolsonaro ataca as urnas eletrônicas, diz que o pleito foi fraudado — segundo ele, teria sido ganhado a disputa contra Fernando Haddad (PT) no primeiro turno —, mas nunca apresentou provas disso. Aliás, encerra-se hoje, à meia-noite, o prazo dado pelo TSE para que comprove a irregularidade que disse ter havido, mas o presidente já afirmou que “apresenta provas se quiser”.
Nos bastidores, ministros do Supremo que também ocupam cadeiras no Tribunal Superior Eleitoral tentam persuadir os deputados da ideia do voto impresso. De acordo com fontes no Judiciário e no Legislativo, a articulação contrária à PEC começa a surtir efeito, mas o atual presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, afirmou que se a proposta de emenda constitucional for chancelada pelo Congresso, a Justiça Eleitoral fará o possível para que a mudança seja implantada já no próximo ano. A última vez que houve um registro em papel da votação foi em 2002: um teste com 7,1 milhões de eleitores, que envolveu todas as sessões do Distrito Federal e de Sergipe. Além das filas nos locais de votação, não se constatou nenhuma vantagem que pudesse levar à adoção do formato.
O deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) não vê motivos para que o sistema de votação passe por mudanças sem que nenhuma irregularidade ou fragilidade insanável tenha sido identificada. Para ele, essa discussão é mais uma cortina de fumaça para tirar o foco do alto desgaste do governo com a má condução do enfrentamento à pandemia de covid-19.
“Sou contrário ao voto impresso. O debate pode acontecer, mas isso é uma forma de fugir dos problemas mais sérios que temos que resolver. Temos aspectos do desemprego, das ações sociais para tratar. Isso é uma forma de desviar o assunto. As urnas eletrônicas podem ser auditadas. Estou no sétimo mandado e nunca vi nenhum questionamento das eleições de que participei”, assegurou.
Para o deputado Hildo Rocha (MDB-MA), não existe necessidade de implantar o voto impresso agora. Mas, diante das alegações de fraudes e desconfianças levantadas por alguns setores, ele defende que se faça um esforço para adotar a medida.
“Vou votar de acordo com a orientação do partido, mas, pessoalmente, sou a favor do voto impresso. Acredito que a urna eletrônica é segura, sim, mas defendo que aqueles que não acreditam venham a acreditar. Fui eleito cinco vezes com essa urna e deixei de vencer duas vezes. Mas não é porque deixei de ganhar que vou questionar a validade da eleição”, observou, para acrescentar: “Não tem condição de fazer eleição com 100% (de impressão) das urnas em 2022. Tem que adaptar, as empresas têm que desenvolver uma tecnologia. Não tem tempo hábil para isso”.
Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a impressão do voto é inconstitucional, porque viola o sigilo da escolha do eleitor. A maioria dos magistrados seguiu o entendimento do relator de uma ação sobre o tema, ministro Gilmar Mendes. De acordo com a decisão, algumas situações colocariam em risco a confidencialidade do sufrágio — como no caso de pessoas com deficiência visual, que precisam de ajuda para conferir a cédula que foi impressa.
O risco é que, se o Congresso aprovar o retorno da impressão do voto, decisões judiciais barrem a iniciativa por conta da inconstitucionalidade. Para Raphael Sodré Cittadino, presidente do Instituto de Estudos Legislativos e Políticas Públicas (IELP), a impressão seria, na verdade, uma porta de entrada para fraudes eleitorais.
“Sem dúvida, traz risco à garantia do sigilo. Qual a utilidade da impressão individual do voto se o voto é sigiloso? E em que medida isso coibiria fraudes? É muito mais simples a fraude contra um recibo impresso do que contra um sistema eletrônico com forte estrutura de segurança, como o da nossa Justiça Eleitoral. Além do mais, a auditoria é possível de ser feita com os boletins de urna, que trazem o extrato sem identificação do votante — assim como um voto impresso individualizado faria —, mas sem o risco da manipulação de cada eleitor no momento da votação”, explica.
Para a constitucionalista Vera Chemim, a judicialização da questão é líquida e certa. “O Poder Legislativo é competente para criar e editar leis, além de emendas constitucionais. Contudo, isso não impede que haja demandas junto ao STF argumentando uma suposta inconstitucionalidade de um texto de lei correspondente ao tema ou de um ou mais de seus dispositivos. Retornar ao voto impresso onera as finanças públicas e é um retrocesso político e cultural”, explica. (RS)
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