Diretor da Saúde demitido alocou R$ 1,6 bi para Covaxin mesmo com inconsistências
Foto: Marcello Casal Jr – 8.abr.20/Agência Brasil
O diretor do Ministério da Saúde demitido após relato de que fez pedido de propina foi o responsável por aprovar e autorizar a reserva de R$ 1,61 bilhão para o pagamento pela vacina indiana Covaxin.
Roberto Ferreira Dias destravou o dinheiro em 22 de fevereiro deste ano, em um momento em que faltavam documentos básicos para o negócio, como contrato e regularidade fiscal na Índia.
Dias ocupou o cargo de diretor do Departamento de Logística em Saúde desde o início do governo Jair Bolsonaro (sem partido). Ele chegou à função em 8 de janeiro de 2019, por indicação atribuída ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. O congressista nega.
O representante de uma vendedora de vacinas afirmou em entrevista à Folha na última terça-feira (29) que recebeu pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que Dias cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.
Dias foi exonerado do cargo. A demissão foi publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (30).
Ele mesmo foi citado pelo servidor Luis Ricardo Miranda, chefe de importação no ministério, como um dos responsáveis pela pressão atípica para liberar a Covaxin.
Dias nega tanto ter pedido propina por vacinas quanto ter feito pressão indevida sobre o servidor da Saúde.
Irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou à Folha que era Dias que dava as cartas dentro do ministério. “Nada ali acontece se o Roberto não quiser”, disse.
Novos documentos obtidos pela reportagem mostram que foi o então diretor do Departamento de Logística o responsável por garantir a reserva de R$ 1,61 bilhão para pagar por 20 milhões de doses da vacina Covaxin, antes mesmo da assinatura do contrato e com pendências básicas no curso da negociação.
Um despacho de Dias, às 18h57 de 22 de fevereiro, confirmou a dispensa de licitação para a contratação da empresa indiana Bharat Biotech, com representação no Brasil feita pela Precisa Medicamentos, que assina o contrato.
O mesmo despacho autorizou a emissão da nota de empenho “em favor da Bharat Biotech, representada pela empresa Precisa”.
A nota de empenho é a autorização do gasto. O documento reservou o valor integral previsto em contrato, R$ 1,61 bilhão, dinheiro que não pode ser usado com outra finalidade.
Dias também assinou o documento com aprovação da nota de empenho, no mesmo dia 22 de fevereiro. O despacho referente à aprovação encaminhou a nota para assinatura pelo ordenador de despesas no Ministério da Saúde.
O Departamento de Logística em Saúde (a sigla é DLOG) aparece como emissor da nota de empenho, incluída no sistema às 17h41 de 22 de fevereiro. A favorecida, conforme o documento, é a Precisa Medicamentos.
Enquanto a reserva do dinheiro era providenciada, representantes da empresa eram comunicados sobre pendências básicas para a assinatura do contrato.
Não havia no processo, naquele momento, documento que comprovasse a regularidade fiscal da Bharat Biotech na Índia. Nem mesmo o documento equivalente ao CNPJ havia sido providenciado, segundo um aviso da área técnica do ministério à Precisa.
Outras pendências listadas, no começo da noite de 22 de fevereiro, eram a tradução juramentada desses documentos, o contrato social em vigor, o vínculo entre Bharat Biotech e Precisa Medicamentos, a procuração da Bharat para diretores da Precisa e a declaração de inexistência de fatos impeditivos.
O contrato foi assinado em 25 de fevereiro. Dias assinou como um dos representantes do Ministério da Saúde. Diante das suspeitas que recaem sobre a contratação, o governo Bolsonaro decidiu suspender o contrato. A decisão foi anunciada nesta terça.
No mesmo dia, após a Folha publicar a revelação de cobrança de propina, o ministério comunicou a demissão de Dias da direção do Departamento de Logística em Saúde. Depois da suspensão do contrato, o governo avalia anulá-lo, no momento em que avançam as investigações sobre possíveis irregularidades.
A CPI da Covid aprovou a convocação para depoimento de todos os atores envolvidos nessas suspeitas. Entre eles estão Dias, Barros e Dominguetti.
A oitiva do dono da Precisa, Francisco Emerson Maximiano, estava marcada para esta quinta-feira (1º), mas foi adiada e não tem nova data para ocorrer depois que o empresário obteve habeas corpus no STF (Supremo Tribunal Federal) para ficar em silêncio.
Em nota, a Precisa afirmou que foi transparente e seguiu a legislação ao negociar a Covaxin. Ela negou ter existido qualquer vantagem ou favorecimento.
“A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal.”
A Folha revelou no dia 18 de junho a existência e o teor do depoimento dado ao MPF (Ministério Público Federal) pelo servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda.
Ele apontou pressão para garantir a importação de doses, apesar da falta de documentos básicos e de erros em faturas, com previsão não contratual de pagamento antecipado de US$ 45 milhões.
O caso da Covaxin cresceu, passou a ser o foco principal da CPI da Covid no Senado e deixou acuado o governo Bolsonaro.
Miranda foi ouvido pela CPI uma semana depois, com seu irmão, Luis Miranda. O servidor confirmou os mesmos termos do depoimento ao MPF. O congressista afirmou ter levado ao presidente da República as informações sobre o que ocorria na contratação da Precisa Medicamentos.
Segundo o deputado, Bolsonaro disse que comunicaria a Polícia Federal sobre as suspeitas que havia escutado. Na mesma conversa, ainda segundo o congressista, o presidente disse que seu líder na Câmara, deputado Ricardo Barros, estaria por trás das suspeitas.
O presidente não acionou a PF, e a oposição acusou o chefe do Executivo, no Supremo, de prevaricação.
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