EUA vão substituir embaixador reaça que serve no Brasil
Foto: Bel Pedrosa/Fórum Econômico Mundial/Divulgação
Num momento frágil da relação bilateral, o governo dos EUA quer enviar ao Brasil um embaixador que faça a ponte direta entre Casa Branca e Planalto, sem intermediários, e navegue com facilidade por assuntos que hoje são os principais pilares das tratativas entre os países: comércio e ambiente.
Em Washington, cristalizou-se a ideia de que o novo representante diplomático em Brasília deve ter perfil político, com experiência na América do Sul e respaldo do Partido Democrata. O indicado substituirá Todd Chapman, que anunciou aposentadoria no mês passado e deve deixar a representação nos próximos dias.
Um dos nomes que reúne essas credenciais e tem se destacado nas conversas recentes entre auxiliares do presidente Joe Biden é o de Kellie Meiman Hock, sócia-gerente da consultoria McLarty Associates, uma das mais importantes da capital americana. Economista e especialista em América Latina, Hock é responsável na empresa pelas práticas comerciais de Brasil e Cone Sul há mais de duas décadas.
Antes, de 1997 a 2000, atuou no USTR, representante de comércio dos EUA, e nas negociações dos americanos com Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
O USTR tem status ministerial e coordena a formulação e a negociação da política comercial dos EUA. Como as economias americana e brasileira são competidoras em muitos setores, o órgão acaba concentrando as disputas contenciosos entre os dois países.
Fluente em português, Hock já morou em Porto Alegre, São Paulo e Recife, no início dos anos 1990, quando serviu no Escritório de Serviço Exterior do Departamento de Estado, sob a gestão de Bill Clinton. A relação com o partido de Biden também tem força graças à atuação do marido, Jim Hock, doador de campanha dos democratas e ex-chefe de gabinete do Departamento de Comércio no governo de Barack Obama.
Pessoas com acesso às tratativas para a escolha do novo embaixador no Brasil afirmam que a campanha que elegeu Biden e levou a sigla à maioria no Congresso exigiu esforço hercúleo da base partidária —além de doações— e que a indicação para postos no exterior é uma forma de recompensar esses atores.
Se por um lado tem lastro político para se cacifar como a escolha presidencial, Kellie Meiman Hock reúne características similares às de outras indicações feitas por Biden para cargos-chave: conhecimento da área de atuação e familiaridade com o local da missão.
A economista é descrita por quem trabalhou com ela como apreciadora dos temas brasileiros e uma negociadora de visão liberal no comércio exterior, bastante crítica da guerra tarifária e do protecionismo que marcaram a era Trump. Sob a gestão do republicano, houve tensão entre Brasil e EUA quando o americano sobretaxou produtos como aço e alumínio, por exemplo.
Apesar da tendência por uma escolha política para a embaixada em Brasília, interlocutores disseram à Folha que nomes de diplomatas de carreira não podem ser descartados. Nas fileiras do Departamento de Estado, um dos mais lembrados é James Story, atual embaixador americano na Venezuela —devido ao rompimento dos EUA com o regime de Nicolás Maduro, ele despacha de Bogotá (Colômbia).
Story também tem forte conexão com o Brasil, foi cônsul-geral no Rio e chefe da área político-econômica no escritório americano em São Paulo. Ele aparece na lista por ter histórico voltado para temas ambientais. Já comandou o escritório regional de assuntos ambientais para América do Sul, em Brasília, e trabalhou no departamento de oceanos, ambiente e assuntos científicos do Departamento de Estado.
O avanço do desmatamento na Amazônia e a retórica anti-preservação de Jair Bolsonaro converteram-se no principal foco de atrito entre Brasil e EUA sob Biden. Assim, a eventual escolha de alguém com o perfil de Story seria um forte recado de que Washington pretende redobrar as pressões no flanco ambiental.
O processo de escolha do novo embaixador ainda deve demorar para ser concluído e, por isso, é possível que outros nomes despontem até a indicação final de Biden, mas as atenções seguem voltadas para o perfil e a experiência do novo servidor, que pode delimitar a latitude das relações entre os países.
A Casa Branca já deixou claro que os resultados sobre ambiente vão guiar as negociações com o Brasil e podem desanuviar outras áreas, inclusive o comércio. Nenhum dos lados espera grandes acordos entre os dois países nos próximos meses, mas há desejo das partes de que as conversas continuem.
Entre os brasileiros, é interessante seguir com a relação histórica com a maior potência mundial. Para os americanos, manter o Brasil à mesa de negociações ambientais é peça-chave para a liderança geopolítica de Biden —o país tem 60% da floresta amazônica em seu território. Oficialmente, o Departamento de Estado diz que perguntas sobre a escolha do novo embaixador devem ser feitas à Casa Branca.
Questionado pela Folha, o porta-voz da chancelaria americana, Ned Price, disse que não poderia fornecer nomes de cotados ou um prazo para a escolha do novo embaixador. Ele destacou que o Brasil é um “parceiro importante” e que o novo encarregado da relação bilateral “será alguém que tem a confiança do secretário de Estado, Antony Blinken, e do presidente Biden”. Pode parecer óbvio, mas foi por não contar com essa confiança que Chapman deixará o posto. Indicado por Trump para o cargo, o diplomata era alinhado ao republicano e criou laços próximos com o clã Bolsonaro, o que incomodou auxiliares de Biden.
Segundo diplomatas americanos, o atual embaixador não estava em sintonia com o novo governo, e a troca no posto passou a ser analisada em Washington desde o início do ano. Até que o escolhido de Biden seja confirmado, a representação americana em Brasília será comandada pelo diplomata Douglas Koneff.
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