Isolado, Bolsonaro entrega seu governo ao Centrão
Foto: Marcos Corrêa
Em seu momento de maior fragilidade no governo, Jair Bolsonaro (sem partido) prepara uma reforma ministerial com a previsão de dar mais poder ao centrão, bloco político que era criticado no discurso do atual presidente e que se tornou sua base de sustentação no Congresso.
O mandatário disse nesta quarta-feira (21) que as mudanças ocorrerão até a próxima semana, mas a expectativa é a de que se concretizem até sexta (23).
Elas serão feitas em meio a uma série de pressões sobre Bolsonaro, incluindo mais de cem pedidos de impeachment na Câmara, perda de popularidade, desvantagem sobre Lula nas pesquisas eleitorais para 2022, investigação da CPI da Covid no Senado, instabilidades na base governista e negociações do fundo eleitoral bilionário.
O desenho definido por enquanto envolve trocas em três pastas: o senador Ciro Nogueira (PP-PI) vai para a Casa Civil no lugar do general Luiz Eduardo Ramos, que passa para a Secretaria-Geral, hoje ocupada por Onyx Lorenzoni (DEM-RS).
Já Onyx, pelos planos atuais, ocupará o Ministério do Trabalho e da Previdência, que será recriado com a publicação de medida provisória prevendo a divisão do Ministério da Economia, de Paulo Guedes.
A aliança de Bolsonaro com o centrão, buscada pelo presidente no ano passado diante de uma série de pedidos de impeachment que já se acumulavam na Câmara, enterrou de vez o discurso bolsonarista, explorado à exaustão durante a campanha de 2018, de que o presidente não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.
“Toda a imprensa pergunta pra mim: ‘Como você vai governar sem o ‘toma lá dá cá’?’ Eu devolveria a pergunta a vocês: existe outra forma de governar, ou é só essa? Se é só essa, eu tô fora!”
Jair Bolsonaro
Em 29 de novembro de 2017, durante entrevista à Band
Para atender o centrão, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e agora prepara até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.
Hoje o governo Bolsonaro tem 22 ministérios, 7 a mais do que os 15 prometidos na campanha eleitoral —sob a gestão de Michel Temer (MDB), seu antecessor, eram 29 ministérios. A administração atual chegou a ter 23 ministérios, mas o Banco Central perdeu este status com a aprovação de sua autonomia.
Um dos objetivos da troca é organizar a base do governo e dar mais visibilidade a ações de Bolsonaro que serão tomadas daqui em diante, como a reformulação do Bolsa Família, considerada peça-chave para a campanha à reeleição do mandatário em 2022.
Além disso, o presidente pretende se aproximar ainda mais do centrão. O senador Ciro Nogueira é presidente nacional do PP e um dos principais líderes do bloco de partidos que sustenta a base de apoio a Bolsonaro no Congresso.
“Estamos trabalhando, inclusive, uma pequena mudança ministerial, que deve ocorrer na segunda-feira, para ser mais preciso, para a gente continuar aqui administrando o Brasil”, disse Bolsonaro em entrevista à rádio Jovem Pan de Itapetininga, também transmitida por suas redes sociais.
“Um governo sem toma lá dá cá, sem acordos espúrios. Um governo formado por pessoas que tenham compromisso com o Brasil”
Jair Bolsonaro
Em 14 de agosto de 2018, em texto no qual divulgava o seu plano de governo
A troca na Casa Civil também contempla a insatisfação no Congresso com o atual ministro, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos. Como a Folha mostrou no mês passado, Bolsonaro estava sendo pressionado a trocar o general da Casa Civil e estudava fazer essa alteração.
Amigo de Bolsonaro que ganhou força ao coordenar a última dança das cadeiras no governo, em março, Ramos vinha sendo alvo de queixas de parlamentares, inclusive do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), correligionário e muito próximo a Ciro Nogueira.
Auxiliares de Bolsonaro relataram que Ramos demonstrou insatisfação com a mudança. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele se disse surpreendido.
“Eu não sabia, estou em choque. Fui atropelado por um trem, mas passo bem”, afirmou Ramos, que se disse “um soldado” que “não escolhe missão”, mas explicitou que a mudança é por “motivos políticos”. “Se eu estivesse sendo trocado por alguém formado em Oxford ou Harvard, tudo bem, poderiam dizer que falhei. Mas é por um político aliado do presidente, é assim que funciona”, disse.
Bolsonaro avalia que precisa melhorar sua articulação politica, especialmente no Senado, onde a CPI da Covid avança sobre o governo e onde tramitam duas significativas indicações do Palácio do Planalto —a do atual advogado-geral da União, André Mendonça, para uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal) e a da recondução de Augusto Aras ao comando da PGR (Procuradoria-Geral da República).
“Parlamentar experiente, com boa interlocução na Câmara e no Senado, Ciro Nogueira reúne as credenciais para ampliar o apoio ao governo, avançar com a agenda econômica e contribuir para a construção de políticas públicas. Excelente escolha do presidente Bolsonaro no sentido de aperfeiçoar a relação com o Congresso!”, escreveu em uma rede social o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
No Planalto, Ramos não era próximo da ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda (PL-DF), que, por sua vez, precisava de alguém com maior trânsito entre os senadores para ajudá-la na articulação política do Executivo.
Além disso, havia no Planalto o temor de que Ciro Nogueira se distanciasse do governo.
Ele já vinha aparecendo cada vez menos em defesa de Bolsonaro na CPI da Covid e, na semana passada, não escondia sua insatisfação com a liberação de recursos para o Governo do Piauí. O governador Wellington Dias (PT) é seu adversário político.
O senador aceitou o convite para assumir a Casa Civil ainda na terça. Ciro Nogueira seria candidato ao governo de seu estado, mas, com a decisão de virar ministro, já admite a pessoas próximas que deve abrir mão de entrar na disputa.
O plano de alterações no governo também se consolidou após Bolsonaro afirmar que vai vetar um fundo eleitoral turbinado de R$ 5,7 bilhões, promessa que tem potencial de desagradar parlamentares do centrão.
O presidente e seu governo vêm assistindo a uma escalada de impopularidade. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje seu principal adversário, ampliou vantagem nas intenções de voto para 2022 e cravou 58% a 31% no 2º turno, segundo pesquisa mais recente do Datafolha.
Diante deste cenário, a pressão sobre Bolsonaro cresceu no Congresso. Em entrevista à Folha, o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse que as ameaças de Bolsonaro sobre a não realização das eleições de 2022 são um “claro crime de responsabilidade”.
Ele afirmou que estuda a possibilidade de acatar um pedido de impeachment no exercício provisório da presidência. Recentemente, ele pediu para ter acesso aos pedidos protocolados na Câmara.
“Acho que os líderes têm que trabalhar para desvincular-se disso daí. Agora, a melhor maneira de demonstrar que eles não têm nada a ver com esse dito centrão, que foi satanizado esse nome, é ajudar a votar aquilo que interessa para o Brasil”
Jair Bolsonaro
Em 27 de maio de 2019, em entrevista à TV Record
Um dos ministérios mais importantes na Esplanada, a Casa Civil tem a função de organizar e coordenar as diferentes ações de governo. A pasta atua sempre que uma determinada medida necessita da articulação de dois ou mais ministérios.
O chefe da Casa Civil despacha a poucos passos do gabinete presidencial e costuma ser chamado a opinar antes das principais decisões do mandatário.
Por essas características, a Casa Civil tem um histórico de ex-ministros que atuaram como braço direito dos seus presidentes.
No início do governo Lula, por exemplo, o ministério ficou com José Dirceu, homem forte do PT que só deixou o posto na esteira do escândalo do mensalão. A substituta de Dirceu foi Dilma Rousseff, que acabou sucedendo o próprio Lula na Presidência.
Eleita, Dilma escolheu Antonio Palocci para a Casa Civil, que assumiu o cargo com status de superministro —ele durou poucos meses no Planalto e pediu demissão após revelações feitas pela Folha sobre o aumento de seu patrimônio.
Depois do impeachment de Dilma, o ex-presidente Michel Temer escalou um de seus aliados mais próximos para a Casa Civil. Como ministro, Eliseu Padilha também atuou como um articulador político do governo, envolvendo-se de perto nas negociações que levaram à aprovação do teto de gastos e à rejeição, na Câmara, de denúncias feitas pela PGR contra Temer.
Ao escolher Ciro Nogueira, Bolsonaro consolida ainda mais seu casamento com o centrão, bloco de partidos fisiológicos que reúne cerca de 150 parlamentares. Atualmente há representantes do grupo na Secretaria de Governo, com Flávia Arruda, nas Comunicações, com Fábio Faria (PSD-RN, mas que deverá se filiar ao PP), e na Cidadania, com João Roma (Republicanos-BA).
O centrão já foi alvo de críticas tanto de Bolsonaro como de seus auxiliares mais próximos. Ainda antes de assumir o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno cantou num ato partidário: “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”.
Por uma questão de sobrevivência, o discurso eleitoral de Bolsonaro deu lugar ao pragmatismo. No início da aproximação com o bloco, o mandatário se justificou como necessidade de governabilidade.
A mudança também representa um afastamento dos militares do núcleo decisório do governo. General da reserva, Ramos sai de um cargo estratégico para um ministério de menor importância.
Sob o guarda-chuva da Secretaria-Geral está a SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), estrutura que tem despachos diários com o presidente. Mas seu titular, Pedro Cesar Sousa, hoje reporta-se diretamente a Bolsonaro.
O rearranjo no Palácio do Planalto também pode ter um componente eleitoral, uma vez que Bolsonaro teve seus planos de ingresso no nanico Patriota dificultados por problemas internos da legenda.
Diante disso, o mandatário voltou a considerar filiação ao PP.
Por um lado, a parceria garantiria ao presidente apoio político e mais recursos para a campanha de reeleição em 2022, enquanto que o partido passaria a ter perspectiva de eleger uma bancada ainda maior de deputados federais.
Por outro lado, Ciro Nogueira é um presidente partidário forte, o que dificulta a intenção original de Bolsonaro de controlar a legenda que o abrigará para o pleito do ano que vem.
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