Jornal britânico teria prova de interferência da Rússia em eleição americana

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Foto: Chip Somodevilla/Getty Images

Que Donald Trump causou um rebuliço danado nos Estados Unidos não há dúvida. Fez coisas ruins, principalmente na esfera da polarização social e política, e também fez coisas boas, acima de tudo na economia pré-pandêmica.

O jornal The Guardian está publicando uma série de reportagens em que diz ter a prova de que a Rússia de Vladimir Putin analisou, corretamente, que a parte ruim faria de Trump um agente desestabilizador da sociedade americana. Por causa disso, três serviços secretos foram autorizados a montar campanhas de desinformação – a arte em que os russos são peritos – para promover a eleição do bilionário cheio de características psicológicas sujeitas a manipulação.

“Um indivíduo mentalmente instável”, impulsivo e desequilibrado, com complexo de inferioridade” são os traços do perfil que consta do documento original de uma reunião no Kremlin em 22 de janeiro de 2016. Estavam presentes Putin e a cúpula dos serviços de inteligência e das forças armadas.

Documentos assim são uma raridade no mundo da espionagem. Só aparecem quando algum envolvido do alto escalão muda de lado e se bandeia para os adversários.

Submetido a investigações rigorosas do FBI e do Congresso americano, incluindo dois processos de impeachment, Trump conseguiu se sair de forma relativamente positiva. Nunca foi encontrada a “prova do crime”, a evidência que indicaria uma conexão proposital ou involuntária com os serviços secretos russos,

O Guardian, um tradicional jornal de esquerda que publicou os vazamentos obtidos por Julian Assange e Edward Snowden, não dá nenhuma pista sobre quem seria o “vazador” russo, Só diz que fontes qualificadas atestaram o formato convincente dos documentos, que já seriam conhecidos de serviços de inteligência ocidentais há alguns meses – um indício de que viria daí a fonte do jornal.

Além dos traços psicológicos negativos, o suposto perfil também menciona “certos acontecimentos” registrados em visitas à Rússia feitas quando Trump era um empresário do ramo da hotelaria e do show business.

Obviamente, os tais “acontecimentos” estão sendo relacionados ao dossiê encomendado pelo Partido Democrata e feito por um ex-agente da espionagem britânica que menciona um encontro de Trump com prostitutas russas que praticaram uma modalidade erótica heterodoxa conhecida como “chuva dourada” na cama de uma suíte de hotel que tinha sido ocupada por Barack Obama.

O dossiê nunca foi comprovado, mas não há dúvida de que os “exércitos eletrônicos” russos plantaram desinformação durante a campanha eleitoral de 2016, amplificando características negativas de Hillary Clinton e promovendo teorias conspiratórias que favoreciam Trump.

O que a Rússia ganhou com isso? Trump certamente fez várias declarações positivas sobre Putin, algumas delas espantosas, mas não houve nenhuma mudança significativa, em especial no que se refere às sanções econômicas pela interferência russa na Ucrânia, o quesito que mais dói para a cúpula russa.

Foi este um dos motivos mencionados pelo ex-presidente, hoje numa semiaposentadoria algo melancólica na Flórida, para desqualificar como invenção – o termo foi fake news, claro – as reportagens do Guardian.

“Isso é ficção e ninguém foi mais duro com a Rússia do que eu”, reagiu ele.

Plantar boatos, desmoralizar adversários e manipular os sentimentos das massas são componentes básicos das campanhas de desinformação que estão no coração dos revolucionários russos desde o século XIX.

Posteriormente, a vitória das facções bolchevistas levou à criação de órgãos de inteligência cujo campo de atuação era nada menos do que o planeta inteiro, tendo como meta a vitória do comunismo. A seu serviço tinham fieis militantes em incontáveis países, prontos para cumprir seu papel na guerra da desinformação – às vezes até sem que soubessem como estavam sendo manipulados.

Teria sido Donald Trump atraído e manipulado, sem se dar conta, pela inteligência russa?

A resposta ainda está em aberto. Se a autenticidade dos documentos vistos pelo Guardian puder ser confirmada, será uma bomba histórica. É duvidoso que isso venha acontecer, mas reportagens assim nunca vêm sozinhas e novas revelações podem ser expostas.

Se Putin esperava ganhar vantagens concretas via enfraquecimento da sociedade americana – o que é ruim para os Estados Unidos, é bom para a Rússia, é a base de seu raciocínio – , o plano maligno não deu certo.

Os Estados Unidos passaram pelo teste de stress de um presidente como Trump e demonstraram a capacidade de autocorreção das democracias. Este um assunto que Putin e sua turma definitivamente não dominam.

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