Legislativo e Judiciário querem militares longe da política

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Foto: Marcos Corrêa/PR

O apoio do voto impresso feito publicamente nesta quinta-feira (22) pelo ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, fez crescer em alas do Judiciário e do Congresso a avaliação de que é necessário afastar militares de decisões políticas.

A constatação já era compartilhada por líderes partidários que atuavam para ejetar fardados de núcleos de articulação do governo. Agora ganhou novos contornos após militares passarem a defender uma bandeira bolsonarista.

Em recentes declarações golpistas, Jair Bolsonaro ameaçou interditar a eleição de 2022 caso o país não adotasse o modelo de voto impresso.

A crise institucional provocada pelas falas do presidente foi agravada após reportagem do jornal O Estado de S. Paulo afirmar nesta quinta-feira que Braga Netto enviou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), um recado, por meio de um interlocutor, condicionando a eleição no ano que vem à aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) que trata da implementação do voto impresso.

O ministro da Defesa negou a versão de plano golpista, repudiado por autoridades dos Três Poderes, que se manifestaram para reafirmar a garantia do pleito em 2022.

No entanto o general fez coro com Bolsonaro ao dizer que “todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes” e que “a discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema”.

Diante da investida de militares na política, que se consolidou com a atuação de Braga Netto encampando conduta bolsonarista no cargo, a ideia de congressistas, sobretudo do centrão, é passar as rédeas do governo à política tradicional —ou, como criticava o presidente, à velha política.

Bandeira de Bolsonaro, o voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta-feira (16) em uma comissão especial da Câmara, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar, que vai de 18 a 31 de julho.

O sepultamento dessa proposta seria uma forma de sinalizar à ala militar mais próxima da política sobre os limites de suas atribuições, assim como a PEC que barra a participação de militares da ativa em cargos da administração pública e que foi apresentada na Câmara neste mês.

A nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI), do centrão, ao comando da Casa Civil, conforme previsto em reforma ministerial de Bolsonaro, também é vista como estratégica nesse plano de restringir a influência dos fardados.

De acordo com essa reportagem de O Estado de S. Paulo, um interlocutor teria passado a Arthur Lira o recado de Braga Netto em reunião realizada em 8 de julho, mesmo dia em que Bolsonaro disse que ou as eleições de 2022 seriam limpas “ou não temos eleições”.

Ao negar a ameaça nesta quinta e dizer que compete ao Parlamento decidir sobre voto impresso, Braga Netto mandou um recado indireto a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), que articularam com 11 partidos um movimento contra a mudança na urna eletrônica e botaram em xeque a maioria que Bolsonaro tinha em relação ao tema na Câmara.

Na mesma nota em que trata do voto impresso, Braga Netto disse que existe no país uma tentativa de criar “uma narrativa sobre ameaças feitas por interlocutores a presidente de outro Poder” e afirmou não se comunicar com presidentes de outros Poderes por interlocutores.

“O Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição”, disse o comunicado.

“A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro.”

Apesar de Braga Netto ter negado o envio do recado a Lira, políticos experimentados afirmam ver na postura do ministro e no discurso desta quinta-feira uma tentativa de influenciar ações que não competem à pasta da Defesa.

Em último caso, leem no episódio uma ameaça de golpe, que já foi externada pelo próprio presidente da República.

O caminho para manter o equilíbrio entre os Poderes, dizem ministros e líderes do centrão, é a política. Um ministro do STF disse à Folha em tom de ironia que o ideal era o Exército voltar a cuidar de fronteiras.

Como mostrou a Folha na semana passada, em meio a essa crise, Braga Netto virou o “provocador-chefe da República”, na opinião de ministros do Supremo e mesmo de alguns de seus subordinados na cúpula militar.

Na visão dessas autoridades, o general tem sido tão bolsonarista quanto o chefe, estimulando o clima de conflito institucional que o próprio presidente tentou abafar após ter sido admoestado pelos chefes do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do TSE, ministro Luís Roberto Barroso.

Isso tem incomodado diversos oficiais-generais. Integrantes da cúpula do Exército e da Marinha afirmaram que a polêmica nota em resposta ao senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid que falara sobre o “lado podre” das Forças Armadas, foi uma imposição de Braga Netto aos comandantes militares.

Agora, a declaração de Braga Netto, ao ler a nota oficial da Defesa para negar a ameaça de golpe, o colocou na mira do centrão e reforçou a tese nesse grupo de que militares precisam ter freios, sobretudo porque são armados e têm quartéis nas mãos.

A articulação de políticos para avançar sobre os fardados já vem provocando efeitos nos últimos meses. Foi em grande parte por pressão do centrão que o general Eduardo Pazuello deixou o Ministério da Saúde em março.

Da mesma forma ocorreu a queda do general Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil e a ida para a Secretaria Geral, pasta de menor expressão política. A saída de Ramos era uma demanda antiga do centrão.

Outros congressistas, porém, identificaram na manifestação de Braga Netto um movimento cíclico, como já visto em outros momentos no governo, em que falas mais exaltadas são seguidas por uma moderação no tom.

Eles também demonstram ceticismo com a possibilidade de o presidente sacar os militares, uma forte base de sustentação do bolsonarismo, de seu governo.

O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) ressaltou que Braga Netto negou ter enviado recados a Lira. “É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos república de banana”, disse.

“Lógico [que] não [tem espaço para um regime autoritário]. Que regime autoritário? O Brasil é um país, a sociedade brasileira é complexa. Acontece que tem muita gente ainda na sociedade brasileira que está olhando pelo retrovisor; olha 50, 60 anos atrás sem entender o processo histórico que nós estamos vivendo.”

O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, disse ter conversado com Braga Netto e com Lira e afirmou que ambos “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”.

“Temos uma Constituição em vigor, instituições funcionando, imprensa livre e sociedade consciente e mobilizada em favor da democracia”, afirmou.

Questionado pela Folha sobre o teor da reportagem, Lira respondeu “MENTIRA”, em letras maiúsculas. Ao tratar do assunto em uma rede social, o presidente da Câmara, no entanto, não desmentiu as ameaças.

“A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano”, escreveu.

“As últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o país avançar.”

O deputado se referia justamente à decisão de Bolsonaro de convidar o presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), para ser ministro da Casa Civil, em substituição a Ramos. Com o movimento, Bolsonaro dá mais poder ao centrão, bloco do qual Lira faz parte e que era criticado em discurso pelo presidente.

Apesar da tensão, Bolsonaro voltou a tentar desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Ele afirmou que não se pode admitir que “meia dúzia [de] pessoas, de forma secreta” contabilizem os votos no TSE.

​”Eu não estou acusando servidores do TSE. Eu não posso admitir que meia dúzia de pessoas tenham a chave criptográfica de tudo, e essa meia dúzia pessoas, de forma secreta, conte os votos numa sala lá do TSE. Isso não é admissível”, disse Bolsonaro em entrevista à rádio Banda B, de Curitiba.

À noite, em live, Bolsonaro disse que “eleições são uma questão de segurança nacional”.

Já o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), publicou no Twitter uma mensagem na qual afirmou que as decisões sobre o sistema político-eleitoral cabem ao Congresso e que as eleições são inegociáveis.

“Seja qual for o modelo, a realização de eleições periódicas, inclusive em 2022, não está em discussão. Isso é inegociável. Elas irão acontecer, pois são a expressão mais pura da soberania do povo​”, escreveu.​

Folha de S. Paulo

 

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