Mourão já é visto como “solução” para derretimento de Bolsonaro
Foto: WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Nos últimos dois meses, o capitão “eleito” de modo fraudulento tem colecionado derrotas acachapantes que tornam cada vez mais insustentável sua presença no poder.
Só para citar algumas: a economia não sai do lugar; 14 milhões de desempregados oficiais (na verdade, o número é quase três vezes maior); um PIB estacionado –essa história de 5% é balela, como reconhece gente como Pérsio Arida, insuspeito no caso: “ao descontar a retração anterior, no máximo o Brasil terá de 1% a 1,5% de crescimento”. Ou seja, o mesmo nível de antes da pandemia.
A inflação do IBGE anda pela casa dos 6% —os reajustes de salários, quando ainda existem, não chegam à metade disto. Mais grave: produtos que impactam as classes menos favorecidas já subiram mais de 30%, isso sem considera os novos aumentos da luz, dos combustíveis e seu efeito cascata.
Um único botijão de gás custa até R$ 160,00, praticamente acima da média do “auxilio esmola” de R$ 250 reais ao mês. Isso sem falar do desmonte da educação, saúde, habitação, cultura.
A vacinação contra a pandemia —quando há vacina nos postos— segue a passo de tartaruga. O número de brasileiros verdadeiramente imunizados não chega a 15% (duas doses). Quantidade insuficiente para diminuir drasticamente o volume de mortes na casa das 1.500/1.700 diárias, fora as subnotificações.
A quantidade de novas denúncias é avassaladora. O país se vê diante de um sindicato de ladrões, que agora envolve, além dos filhos e milicianos apaniguados, o próprio Bolsonaro, ex-mulher, cunhada, cunhado. Inclui até o caçula cujo nome é uma ironia: Jair Renan.
No Judiciário, Bolsonaro não emplaca praticamente mais nada, exceto ações que envolvem sua família. Rosa Weber derrubou a tentativa de impedir a investigação sobre crimes de Bolsonaro. Alexandre Moraes abriu novo inquérito contra as organizações que espalham fake news.
Até o procurador Aras, guarda-costas do capitão, ensaia um discreto afastamento após ter sido preterido para uma vaga no STF. Considerou inconstitucional a privatização dos Correios por projeto de lei como queria o governo.
Sinal do descontrole generalizado, a suposta maioria conquistada com verbas de um orçamento paralelo (!) não impediu que a oposição, com o apoio de bolsonaristas de antanho, instalasse uma CPI que corrói a cada dia a reputação presidencial.
Como já disse alguém, a cada pena que se puxa aparece não uma galinha, mas uma granja de roubalheiras. A tese do voto impresso não passa de balela: a maioria do Congresso, e ele mesmo, foram eleitos por urnas eletrônicas.
A prisão do ex-funcionário da saúde Roberto Dias em plena sessão da comissão coroou (até o momento) o grau de isolamento do governo.
Para as Forças Armadas a desmoralização avança sem parar. O esquema na saúde envolve militares de várias patentes interessados muito mais em propinas do que na vida dos brasileiros, cotada a US$ 1 por cabeça.
Nesta maionese azeda de punguistas oficiais há lugar para o líder do governo Ricardo Barros e até para “chefes” evangélicos.
Bolsonaro está cada vez mais isolado. Suas “motociatas” esvaziam-se a olhos vistos. Antigos colaboradores de primeira hora já começaram a operação de desembarque: PSDB, MBL e daí por diante.
A política negacionista mostrou seu fracasso retumbante: as mortes só vem diminuindo graças à vacinação dispersa à qual o governo diz aderir em tímidas campanhas após mais de um ano e meio de pandemia.
O capitão “imbrochável” está pendurado na broxa. Seus grandes fiadores internacionais viraram pó –Trump, Netanyahu.
Já a China pinta e borda diante do milico do Planalto. Bolsonaro tentou então se aproximar da Índia para comprar vacinas superfaturadas e de eficácia duvidosa. Aqui dentro, Bolsonaro busca o apoio de uma casta militar de baixa extração mediante notas esteréis.
Num ato desesperado, quer abrir os cofres para ganhar o apoio das camadas mais pobres. Só que não há dinheiro respeitados os infames limites do teto de gastos e a necessidade de agradar sua base de militares de baixa e alta patente. Não à toa Paulo Guedes virou um “walking dead”.
Guedes entope-se de palestras para o capital gordo fazendo previsões tão factíveis quanto os 40 milhões de testes prometidos por um “amigo inglês”.
A propósito: quantas vezes Guedes e seu chefe se reuniram com representantes de movimentos sociais, sindicais, populares desde que esse governo tomou posse? Dize-me com quem andas…
Enquanto isso, a cada processo aberto contra Bolsonaro e sua gangue, outro é anulado contra Lula. As pesquisas eleitorais são expressão disso. Mais dos que elas: as manifestações pelo fim do governo Bolsonaro acumulam-se. Só em 35 dias foram 3, reunindo centenas de milhares de pessoas. A esperança voltou a vencer o medo.
Neste momento, a Bolsonaro só interessa salvar a família da cadeia. Este é o ponto. Reeleição virou uma miragem. Um sujeito responsável por mais de 500 mil mortes e que tenta negociar a vida dos brasileiros por uns trocados de propina não sairá da memória de ninguém.
Uma saída à la Nixon não é totalmente descartada. Este trocou a renúncia pela anistia de seus crimes pelo sucessor Gerald Ford em setembro de 1974 –aliás, mesmo no cenário americano, delitos muito mais suaves que os do Bolsonaro.
Para preservar o clã, Bolsonaro está disposto a tudo. Vender pratarias como Eletrobras, Correios e completar o desmantelamento da Petrobras a qualquer preço e assim juntar dinheiro para iludir o povo. No Brasil, tudo é possível. Mas também tem limites. O tal centrão inclusive.
Então voltando ao início. A direita não tem candidato, projeto, unidade. Apenas medo de ver seus privilégios seculares colocados em questão. Trabalha nos bastidores à procura de uma alternativa. Tentar capturar Lula para uma transição a frio é uma delas. Mas o vice Mourão não está fora do radar.
Tem a confiança desta gente por fazer apologia da ditadura militar. É general de Exército, embora na reserva, mas vários graus acima de um capitão desterrado. Tem procurado fingir ponderação diante dos disparates do chefe, embora todos conheçam sua trajetória tenebrosa.
Hoje Mourão mantém um afastamento sintomático de Bolsonaro, e vice-versa, tanto que nem sequer é convidado para reuniões com o presidente e auxiliares mais próximos. Saudado em colóquios empresariais, como vice daria ares “constitucionais” que tanto preocupam os acadêmicos.
Vindo deste Congresso servil e da elite corrompida, nada surpreenderia. Mas o fator Bolsonaro continua de pé. Desequilibrado, não se descarta que ele tente organizar e armar suas milícias para resistir.
O certo é que para as famílias desempregadas, famintas, isto nada resolveria. Sem uma mudança radical nas políticas sociais, econômicas e do desenho do Brasil, apenas se estaria adiando um próximo golpe.
Apenas uma ruptura radical, o que inclui descartar Bolsonaro e Mourão e montar instituições higienizadas, faz vislumbrar um futuro com alguma dignidade. Isso só se alcança com a luta nas ruas reunindo numa frente única de todos os que defendem a democracia.
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