ONG francesa denuncia Bolsonaro por ataques à imprensa
Foto: Isac Nóbrega/PR
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) intensifica sua ofensiva contra a imprensa e, no primeiro semestre de 2021, aumenta os ataques em 74% em comparação ao seu próprio comportamento no segundo semestre de 2020. Os dados fazem parte de um levantamento publicado nesta quarta-feira pela entidade Repórteres sem Fronteiras (RSF), que destaca humilhações contra jornalistas, os ataques contra mulheres e a fabricação de desinformação.
De uma forma geral, autoridades públicas do alto escalão do governo brasileiro realizaram 331 ataques contra a imprensa neste período, “um aumento de 5,4% comparado ao semestre anterior.
76 ataques foram dirigidos contra o Grupo Globo, 44 contra o Grupo Folha, além de 11 contra o Grupo Estadão e 8 contra o UOL.
Com 87 incidentes, Jair Bolsonaro foi quem mais disparou contra a imprensa”. Desse total, 49 episódios estavam relacionados com ataques direcionados contra um jornalista ou meio específico.
Os dados são publicados num momento em que, na ONU e na OEA, o governo brasileiro passou a ser alvo de denúncias por violações contra o trabalho dos jornalistas.
Hoje, o Brasil ocupa a 111a colocação no Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa 2021 elaborado pela Repórteres Sem Fronteiras, tendo entrado para a zona vermelha do Índice pela primeira vez.
Em 2 de julho de 2021, a RSF incluiu o presidente Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.
Se o presidente é “o principal predador”, seus filhos também têm lugar de destaque. “No mesmo período, Carlos Bolsonaro, vereador da cidade do Rio de Janeiro, foi autor de 83 ataques à imprensa (um aumento de 84,4% em relação ao segundo semestre de 2020), enquanto Eduardo Bolsonaro, deputado federal, atacou a mídia nacional 85 vezes – total elevado, embora apresente queda de 41,37% em relação ao final do ano de 2020, quando havia cometido 145 ataques”, apontou o levantamento.
Na lista dos principais nomes do governo a lançar ataques contra os jornalistas também estão Onyx Lorenzoni, Damares Alves e o ex-ministro Ricardo Salles.
Segundo a entidade, se os números são graves, a natureza dos ataques é ainda mais preocupante.
“Enquanto a crise sanitária continua a devastar o país, devido sobretudo à gestão desastrosa do governo federal, os ataques do presidente e seus apoiadores contra jornalistas se intensificaram e diversificaram, atingindo às vezes um nível inimaginável de vulgaridade e violência”, apontam.
Os episódios incluem atos como as seguintes frases do presidente contra os jornalistas:
“Enfiar as latas de leite condensado no rabo”.
Bolsonaro, naquele momento, foi ovacionado e aplaudido, e sobretudo por seu ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo.
“Cala a boca (…) a Globo é imprensa de merda, imprensa podre”
.
“Volta para a universidade, depois para o ensino médio, depois para o jardim de infância, então você pode renascer!”.
A entidade RSF também conclui que as jornalistas mulheres, assim como em 2020, permanecem em 2021 como as vítimas preferenciais do “machismo primário e grosseiro da família Bolsonaro”. Elas concentram 6,1% dos ataques do presidente e seus três filhos.
“Em 2 de junho, o presidente qualificou Daniela Lima, apresentadora da CNN Brasil e alvo preferencial de seus ataques, de quadrúpede, causando uma avalanche de ataques misóginos e abjetos contra a jornalista nas redes sociais”, apontou o informe.
“Em 31 de março, a jornalista Marla Bermuda, da TV Vitória, foi alvo de uma campanha de difamação e recebeu ameaças de morte depois que a deputada federal Carla Zambelli, fiel apoiadora de Jair Bolsonaro, a acusou de “manipulação” e de “transformar
cemitérios em estúdios de gravação” em um vídeo”, diz.
Já Patrícia Campos Mello, alvo regular de ataques desde as eleições de 2018, venceu dois processos condenando, respectivamente, Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro a indenizá-la por danos morais devido a comentários machistas e degradantes contra ela.
A RSF ainda apontou como os jornalistas responsáveis pela cobertura presidencial em Brasília são vítimas “de ataques violentos e humilhações públicas por apoiadores do governo” e hostilizados por Bolsonaro.
“Atendendo a uma queixa registrada em 2020 pela RSF e parceiros no Brasil denunciando a vulnerabilidade desses jornalistas, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu parecer em 3 de maio determinando a adoção de medidas para fortalecer a segurança desses jornalistas”, explica o documento.
De acordo com o estudo, 80% dos ataques ocorrem no Twitter. Mas o presidente consegue limitar sua própria exposição a críticas na plataforma, bloqueando a maioria das contas incômodas que o seguem no Twitter, incluindo a da RSF em português.
“Trata-se de um hábito de Jair Bolsonaro. De acordo com estudo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), ele é a autoridade pública brasileira que mais bloqueia contas de jornalistas no Twitter; em média, 240 vezes mais que um deputado federal”, aponta.
A RSF destaca como ele já foi punido várias vezes pelo Twitter em 2020, sobretudo por ter desrespeitado a política da plataforma sobre medidas de isolamento durante a Covid-19. Assim, em 2021, o presidente privilegiou outra plataforma para insultar e agredir jornalistas.
A escolha foi concentrar sua ofensiva em suas falas ao vivo no canal do Facebook da presidência. “Essa ‘live’, transmitida ao vivo no Youtube, permite-lhe, sem ser incomodado ou contrariado, falar diretamente ao seu público, propagar sua retórica anti-imprensa e atacar ferozmente os meios de comunicação, que ele acredita que “mentem e desinformam” permanentemente, principalmente sobre a situação sanitária do país”, diz a RSF.
Das 24 lives semanais do primeiro semestre de 2021, Jair Bolsonaro atacou frontalmente a mídia em 19 delas. A live do presidente, portanto, concentra 58,62% dos ataques de Jair Bolsonaro a jornalistas.
“Nesse espaço, Jair Bolsonaro constrói novas narrativas sobre temas polêmicos. Desavergonhadamente, brinca com os fatos, afirma “suas verdades” e fabrica desinformação para servir aos seus próprios interesses e aos de seu governo, responsabilizando sistematicamente a imprensa por todos os males do país, pelas medidas de isolamento social, pela organização da vacinação”, afirma o levantamento.
As lives de 14 de janeiro e 12 de fevereiro foram apagadas e bloqueadas pelo Youtube, que classificou seus comentários como desinformação. Em 21 de julho, pelos mesmos motivos, o Youtube decidiu excluir 14 dessas lives de sua plataforma, transmitidas entre 2020 e 2021.
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