Pacientes se ressentem da covid um ano depois

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Foto: Marcelo Casagrande / Agencia RBS

Um ano após a alta hospitalar por Covid-19, 60% dos pacientes ainda têm algum tipo de sequela, como fraqueza, fadiga, falta de ar e dificuldade de concentração e memória, mostra um estudo inédito do Hospital das Clínicas da USP que poderá servir de modelo para a implantação de políticas públicas de saúde pós-Covid.

Esses casos, conhecidos como Covid longa ou síndrome pós-Covid, têm sido objeto de preocupação em todo mundo devido à alta prevalência das queixas, ao impacto na qualidade de vida do paciente, à necessidade de múltiplas terapias e ao custo que isso representará aos sistemas de saúde.

O trabalho acompanha 750 pacientes que ficaram internados no primeiro semestre de 2020 no HC da USP. Um terço deles ainda tem alterações pulmonares importantes.

A ideia é que eles sejam seguidos por quatro anos. O estudo ainda está sendo finalizado para ser enviado para publicação em revista científica.

Além do diagnóstico das sequelas, os pacientes estão recebendo acompanhamento e tratamento em 15 diferentes áreas —cardiovascular, pulmonar, otorrinolaringologia, fisioterapia e saúde mental, entre outros.

Segundo Carlos de Carvalho, professor titular de pneumologia da USP e diretor da divisão de pneumologia do InCor (Instituto do Coração), depois da alta esses pacientes responderam questionários, passaram por teleconsulta e foram pessoalmente ao hospital para uma avaliação geral das queixas. As informações foram agregadas a um banco de dados do período de internação.

“Foi uma espécie de uma gincana. Um ia para o raio-X, o outro para a espirometria [exame que mede a função pulmonar], um falava com o neurologista, outro com a psiquiatria, um passava com o pneumologista, o outro com o fisiatra. Ficaram aqui por cerca de cinco horas”, conta Carvalho, coordenador do estudo.

A proposta é que todo esse conjunto de cuidados sirva para a criação de novos protocolos de tratamento para a Covid longa. A iniciativa chamou atenção da capital paulista, que fará um projeto-piloto em 18 UBS (Unidades Básicas de Saúde) em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo, usando o modelo de triagem adotado no estudo do HC.

O governo do estado, o Ministério da Saúde e o Conasems (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde) também manifestaram interesse em replicar o protocolo. A ideia é que os agentes de saúde da família sejam treinados para ajudar nesse trabalho de triagem.

Os pacientes farão exames clínicos nas UBS associados a eletrocardiograma, raio-X de tórax e teste de força muscular para ajudar a fechar um diagnóstico. “Com essas ferramentas seria possível criar um filtro e saber se o paciente precisa de assistência primária ou se há necessidade de algo mais sofisticado [como ambulatório de especialidades ou hospitais].”

Na avaliação feita após seis meses de acompanhamento, 58,7% dos pacientes relataram pelo menos um sintoma emocional ou cognitivo, como perda de memória (42%), insônia (33%), concentração prejudicada (31%), ansiedade (28%) e depressão (22%).

Agora, a equipe multidisciplinar estuda com mais profundidade as causas das limitações —por exemplo, se a fraqueza e a fadiga são provocadas por um problema cardiocirculatório, muscular ou respiratório. Ao mesmo tempo será avaliado o que aconteceu com esse paciente durante a internação que possa ter relação com as sequelas tardias.

Em paralelo, um grupo de pacientes internados em maio, junho e julho deste ano será comparado com outro grupo do mesmo período do ano passado para avaliação das variantes do Sars-Cov-2 que causaram as infecções e se há diferença na evolução dos casos.

“Além de pegar gente mais jovem, os sintomas parecem diferentes. Não temos visto mais a perda de paladar e olfato com tanta frequência como vimos no primeiro semestre de 2020. Vamos avaliar se tem alguma relação com a variante gama [P.1], que é a que ainda predomina em São Paulo.” Por enquanto, a avaliação da variante delta ainda não está nos planos do grupo.

O InCor já realizou transplantes de pulmão em dois pacientes de Covid —uma mulher de 40 anos e um homem de 43. Eles tinham se recuperado de todos os outros sintomas, mas não dos danos ao pulmão.

“A cabeça, o coração e os rins estavam bonitos, mas o pulmão não funcionava mais. Um estava há 90 dias em Ecmo [oxigenação por membrana extracorporal] e outro, mais de 60 dias. Esse bichinho [coronavírus] é do mal”, diz Carvalho. Há outros dois pacientes na fila de espera do transplante, aguardando a prioridade e os órgãos compatíveis.

Um outro estudo que está sendo realizado no Brasil e que envolve mais de 50 centros de pesquisa e mais de mil pacientes que estiveram internados por Covid mostrou que, seis meses após a alta, a taxa de mortalidade geral foi de 6,9%, e a de reinternação, de 16%. Entre os que foram intubados, um quarto morreu.

Para Linamara Rizzo Battistella, professora titular de fisiatria da USP e idealizadora da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, se os gestores de saúde não organizarem protocolos para as diferentes etapas do tratamento da Covid longa no tempo adequado, essas fragilidades dos pacientes poderão se acentuar.

“Se o paciente pós-Covid está com uma dor localizada, eu preciso saber se é um fenômeno neuropático, uma trombose ou uma dor miofascial. O tratamento é completamente diferente [para cada situação]”, explica a fisiatra, que também colabora com o estudo do HC.

Para Battistella, as equipes de reabilitação precisam ensinar os centros de menor complexidade, como as UBS, como proceder, para que esses serviços possam acompanhar o paciente mais perto da sua casa.

Uma vez feito o diagnóstico correto e acertadas as terapias necessárias, muitos pacientes podem até fazer a reabilitação em casa acompanhados por monitoramento remoto. “Mas isso exige uma expertise e um reconhecimento do que essa pessoa é capaz de fazer a distância.”

A Rede de Reabilitação Lucy Montoro é a referência do governo paulista na reabilitação de pacientes que tiveram Covid. Com cinco unidades na capital, a rede atende hoje 300 pacientes de forma ambulatorial. Outros 93 já passaram por internações no Lucy para uma reabilitação mais intensiva.

É o caso de Jasson de Carvalho Pinto, 58. Ele teve Covid em março, ficou três meses internado no HC e se recupera de tetraplegia no Lucy Montoro desde 30 de junho. “Cheguei aqui sem movimento nenhum nas pernas, nos braços. Tive quer reaprender a comer”, conta. Com a reabilitação, ele já consegue ficar de pé, dobrar as pernas, segurar objetos e comer sozinho. Mas segue sem previsão de alta.

Segundo Battistella, é preciso fazer intervenções rápidas para que fadiga e fraqueza muscular não sejam fatores adicionais de dificuldade para o paciente realizar o tratamento.

Dos pacientes atendidos na rede, 37% conseguiam realizar atividades após dez meses, mas permaneciam com dor, ansiedade, distúrbio do sono e fadiga. Outros 27% tinham limitações menores da funcionalidade, mas se queixavam de muito cansaço. E 6% continuavam com limitações graves, como Jasson Pinto.

O caminho para cuidar desses pacientes, segundo a médica, tem sido fazer uma verdadeira revolução dentro do centro de reabilitação com terapias que envolvem diferentes técnicas, como realidade virtual e robótica. “Condensar essas terapias de uma forma organizada e atrativa para que haja aderência ao tratamento foi um desafio, mas os pacientes estão se recuperando, melhorando”, afirma Battistella.

A questão, segundo ela, é que muitos deles ainda vão precisar de um tratamento de longo prazo. Os pacientes internados na rede conseguem bons resultados em até quatro semanas. Depois precisam seguir em tratamento no ambulatório ou por teleatendimento. Os demais vão necessitar de dois meses ou mais de reabilitação.

Folha  

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