Pandemia segue recrudescendo na Europa

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Foto: Jeroen Jumelet – 10.jul.21/AFP

“Tivemos um julgamento ruim, do qual nos arrependemos e pedimos desculpas”, afirmou o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, no começo da semana passada. Seu governo se arrependeu de ter relaxado as medidas de restrição contra a Covid, mas teve de recuar às pressas depois de uma forte alta de casos, que atingiu especialmente os jovens que gostam de ir a lugares como bares e baladas.

Em 26 de junho, o governo liberou restaurantes, cafés e casas noturnas a operarem de modo quase normal. Grandes eventos também foram autorizados. Naquele momento, a média móvel de casos era de 653 por dia. Três semanas depois, esse número atingiu 10 mil. Um festival música que reuniu 20 mil pessoas foi apontado como um dos focos de contaminação.

A forte alta de casos, no entanto, não foi acompanhada por elevação nas mortes. O avanço da vacinação ajuda nisso: quem tomou doses passa a ter menos risco de complicações se for contaminado.

Entre os atingidos, a maioria foi de pessoas que não tomaram vacina. Um estudo apontou que 60% dos infectados não tinham sido imunizados. O levantamento, feito pelo Instituto Nacional para Saúde Pública e Ambiente da Holanda (RIVM), conseguiu obter os dados de imunização de 72% dos contaminados no começo de julho.

A Holanda já alcançou uma boa taxa de vacinados com a primeira dose, de 82,4%, segundo dados oficiais. Os completamente imunizados, no entanto, ainda são 52,7%. Avançando por faixas de idade e diferentes condições de saúde desde 26 de janeiro, as doses ficaram disponíveis para pessoas com mais de 18 anos em 12 de junho.

Esta nova onda da doença tem atingido aos mais jovens com maior frequência. A taxa de casos entre holandeses com idade entre 20 e 29 anos passou de 13,2 por 100 mil, em 1º de julho, para 200,3 dez dias depois. Na população em geral, essa média alcançou 48,9, e agora está em 33.

É justamente esta a faixa etária que mais frequenta os lugares apontados como focos de contaminação. O RIVM conseguiu identificar os prováveis locais de infecção de 28% dos casos confirmados entre 7 e 13 de julho. Dentre eles, 37% foram em cafés, restaurantes e boates, à frente de situações como se contaminar em casa, em contato com moradores (28%), ao receber visitantes (16%), ir a festas (15%) e no trabalho (7%).

Com a alta, o premiê Rutte anunciou a volta das restrições até 14 de agosto, com redução do horário de funcionamento de estabelecimentos de comida, fechamento de boates e cancelamento de festivais e grandes eventos.

A população tanto culpa o governo quanto enxerga essas medidas como necessárias, segundo uma pesquisa do instituto I&O Research. A maior parte (54%) responsabiliza a gestão de Rutte por um relaxamento precoce. Já 41% avaliam que deveria haver um aperto adicional nas medidas e 37% as veem como suficientes. O levantamento ouviu mais de 2.000 moradores do país.

A flexibilização não é exclusividade da Holanda, e diferentes países caminham no mesmo sentido. A França, por exemplo, vem desde junho relaxando as restrições, e o mesmo acontece no Reino Unido, que planeja uma reabertura completa nesta segunda (19), mesmo em meio a uma forte alta de casos.

Já Israel, que largou na frente na imunização e abandonou mais cedo as medidas, voltou a apertar o cinto, com processos contra pacientes de Covid que violarem a quarentena e adoção de mais restrições para eventos e celebrações, especialmente casamentos.

O problema da liberação vista na Holanda, segundo Isaac Schrarstzhaupt, analista de dados e coordenador na Rede Análise Covid-19, que reúne pesquisadores da pandemia, é fazê-la antes de que a cobertura vacinal, com as duas doses, superasse 75% da população. O país mais perto disso é Malta, com 71% de totalmente imunizados, segundo dados do New York Times.

O avanço da variante delta, que é 50% mais contagiosa, também tirou o otimismo do governo holandês. Atualmente, a cepa já corresponde a 67% dos casos no país. “Quando uma variante chega num local que está nessa flexibilização e a população que tomou as duas doses não está em 75%, 80% ou mais, há essa explosão de casos, hospitalizações e até óbitos”, explica Schrarstzhaupt.

Ele usa como exemplo o Reino Unido, onde a variante delta estourou há mais tempo. A curva de hospitalizações e pacientes em UTI começa a apresentar uma alta gradual, e a de mortes também, apesar de ser mais baixa do que no auge da pandemia.

“Não é que os protocolos não funcionem, mas eles têm que ser pensados quando a pandemia está sob controle, com vacinação em massa para barrar contágios”, pontua Ana Arnt, professora do Instituto de Biologia da Unicamp. “Estamos vendo países com 40% da população vacinada abrindo mão de medidas coletivas.”

Sem essa cobertura, o vírus encontra bolsões onde há muita gente não vacinada. Estudos indicam que a aplicação da primeira dose não impede o contágio, mas protege o indivíduo de complicações da doença. E quanto mais gente infectada, maior o risco do surgimento de novas variantes, pois o coronavírus terá mais condições de se multiplicar. “Se não fossem os imunizantes, os países estariam enfrentando os mesmos desafios do ano passado, ou piores. Haveria uma onda de Covid de casos, mortes e hospitalizações como a gente já viu”, aponta Schrarstzhaup.

Folha de S. Paulo

 

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