Primo de Collor larga o osso no STF após 31 anos
Foto: Nelson Jr/STF
Se dependesse do ministro Marco Aurélio, o STF (Supremo Tribunal Federal) não teria criminalizado a homofobia, o inquérito das fake news não existiria e lactantes e gestantes poderiam trabalhar em local insalubre.
Além disso, as pessoas que estavam presas por condenação em segunda instância teriam sido liberadas no fim de 2018 e Renan Calheiros (MDB-AL) teria sido afastado da presidência do Senado em 2016.
Esses são apenas alguns exemplos de casos em que o ministro ficou vencido em julgamentos no STF nos 31 anos como integrante da corte.
Conhecido por discordar da maioria e, às vezes, ficar isolado no plenário, o magistrado acumulou diversas polêmicas nas mais de três décadas em que esteve na corte, período que irá acabar no próximo dia 12, quando terá que se aposentar.
A controvérsia mais recente, desencadeada após a soltura de André do Rap, um dos chefes do PCC (Primeiro Comando da Capital), também não foi novidade na trajetória de Marco Aurélio. Antes deste caso, ele já havia mandado soltar o goleiro Bruno Fernandes, acusado de matar a ex-namorada, e votou para libertar Suzane Von Richthofen, denunciada por matar os próprios pais.
Além disso, foi o responsável, em 2000, por liberar o banqueiro Salvatore Cacciola, que estava preso por fraude contra o sistema financeiro e, depois de ser solto, acabou fugindo e só foi preso novamente em 2007, em Mônaco, pela Interpol.
O ministro costuma afirmar que não vê a capa do processo, ou seja, que não oscila de posição de acordo com a opinião pública.
No caso de André do Rap, Marco Aurélio concedeu o habeas corpus por entender que a prisão preventiva do traficante tinha se tornado ilegal por não ter sido renovada depois de 90 dias, como determina o Código de Processo Penal.
“O que eu fiz? Cumpri a lei. Agora, se cumprir a lei é errado, nós estamos muito mal. Nós precisamos, quem sabe, fechar o Brasil para balanço”, afirma.
Se muitas vezes ficou vencido e não conseguiu impor sua visão sobre diversos temas, em outras viu o STF mudar de posição para aderir à tese que defendia e costumava ser minoritária.
Esse foi o caso, por exemplo, da discussão sobre a constitucionalidade de uma lei de 1990 que vetava a progressão de regime para quem cumpre pena por crime hediondo.
O STF julgou o tema pela primeira vez em 1992, e Marco Aurélio ficou vencido ao defender que a norma não era compatível com a Constituição.
Por 14 anos, o Supremo entendeu que a legislação não estava errada, até que, em 2006, o plenário da corte se rendeu à tese de Marco Aurélio e derrubou a lei.
Algo parecido ocorreu no debate sobre a possibilidade ou não de cumprimento de pena após decisão de segunda instância.
Em 1995, o Supremo afirmou que a execução da pena antes do trânsito em julgado do processo era, sim, possível. Marco Aurélio, porém, divergiu dessa decisão desde o primeiro momento. Também depois de 14 anos, ele conseguiu impor sua interpretação e o plenário da corte vetou a prisão após julgamento de segundo grau.
Em 2016, porém, a corte mudou novamente de jurisprudência, de novo com o voto vencido de Marco Aurélio.
No fim de 2018, o ministro deu uma decisão individual e mandou soltar todas as pessoas que estavam presas com base nesse entendimento do Supremo. O então presidente da corte, Dias Toffoli, revogou a decisão do colega.
Em setembro de 2019, porém, o plenário derrubou novamente a autorização para prisão em segunda instância e, hoje, vigora a posição defendida por Marco Aurélio ao menos desde 1995.
Na discussão sobre o aborto de fetos anencéfalos, Marco Aurélio teve que aguardar oito anos para ver sua posição prevalecer. O Código Penal criminaliza o aborto, com exceção aos casos de estupro e de risco à vida da mãe, e não cita a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.
Em 2004, o ministro determinou que o aborto nessas situações não configuraria crime. Meses depois, o plenário da corte derrubou a decisão do ministro.
Em 2012, contudo, o STF reviu a própria jurisprudência e descriminalizou a interrupção da gravidez de feto anencéfalo.
Além das divergências, a atuação de Marco Aurélio também ficou marcada pelo embate com colegas e por não poupar críticas a outros ministros.
Recentemente, ele classificou o presidente da corte, Luiz Fux, como autoritário e chamou Alexandre de Moraes de xerife.
Além disso, ele não faz questão de esconder os desentendimentos pessoais com o ministro Gilmar Mendes. Em 2019, Marco Aurélio chegou a se declarar impedido de julgar recurso contra decisão do colega por ter com ele “relação de inimizade”.
Dois anos antes, ele havia afirmado em entrevista à Rádio Guaíba que, se estivesse no século 18, o embate com o colega “acabaria em duelo” e que “escolheria uma arma de fogo, não uma arma branca” para o confronto.
Na sua última sessão como ministro, em 1º de julho, Marco Aurélio fez um discurso de agradecimento aos colegas e deixou claro os limites da relação com Gilmar.
“O Supremo é a composição atual, e aí devo agradecer a convivência com Vossa Excelência, presidente, ministro Luiz Fux. Com a convivência judicante com o ministro Gilmar Mendes —e apenas judicante”, afirmou.
Além do campo jurídico, a diferença de Marco Aurélio em relação aos atuais colegas também está na postura adotada no plenário. O ministro é um crítico dos votos longos e também da prática de o relator distribuir seu voto aos demais magistrados antes dos julgamentos.
Ele costuma afirmar que os votos foram ficando mais longos com o passar do tempo e que prefere manter a tradição da época em que chegou à corte, quando apenas o relator do processo apresentava uma posição mais demorada sobre o tema.
As decisões polêmicas de Marco Aurélio, porém, também lhe renderam reveses. Em 2016, quando determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado, a casa legislativa simplesmente não cumpriu a ordem do magistrado.
O ministro afirmou que, como o parlamentar havia se tornado réu perante o STF, não poderia ocupar um cargo que está na linha sucessória da Presidência da República. Dois dias depois e sem que a decisão tivesse sido cumprida, o plenário da corte manteve Renan à frente do Senado.
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