Voto impresso é choro de perdedor, diz advogado de Bolsonaro

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Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

Advogado eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Admar Gonzaga foi questionado em 2018, quando era ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sobre a segurança das urnas eletrônicas. A posição dele foi abertamente contra o voto impresso, que é um dos principais símbolos do bolsonarismo.

Como ministro da corte eleitoral, ele disse que a medida seria um retrocesso; relacionou a impressão do voto a lobby de empresas do setor; afirmou que declarações de que o sistema eleitoral seja corruptível são “uma falsa verdade” e reforçou a tese do STF (Supremo Tribunal Federal) de que o voto impresso se opõe ao direito de sigilo do voto.

“Então, quando perder a eleição, respeite o resultado democrático. Não fique arrumando desculpas para a falta de votos que se demonstrou”, disse Gonzaga em um debate na Câmara sobre as eleições em junho de 2018. Ele deixou o TSE em abril de 2019.

Poucos dias antes da afirmação do ex-ministro, o STF havia suspendido a impressão dos votos no pleito de 2018. A medida foi aprovada pelo Congresso em 2015, por uma emenda de Bolsonaro, que era deputado federal.

Nas últimas semanas, diante da queda de popularidade, Bolsonaro elevou o tom e, sem provas, tem contestado a segurança das urnas eletrônicas. O presidente enfrenta forte resistência no Congresso para aprovar uma proposta que prevê a impressão em papel de comprovante do voto dado na urna eletrônica.

Em uma das ameaças em relação ao pleito do ano que vem, Bolsonaro afirmou a apoiadores no início de julho: “Eleições no ano que vem serão limpas. Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse na porta do Palácio da Alvorada.

Questionado pela reportagem sobre as recentes declarações do presidente, Gonzaga disse que as indagações estão descontextualizadas e, por isso, não quis se manifestar.

Bolsonaro quer disputar a reeleição ao Palácio do Planalto em 2022. Gonzaga integra a equipe jurídica na busca por um partido para que o presidente possa se lançar candidato.

A empreitada começou no fim de 2019, quando Bolsonaro rompeu com o PSL, pelo qual foi eleitor, e planejou criar um novo partido, o Aliança pelo Brasil. A estratégia falhou para a eleição do próximo ano.

O presidente então começou a negociar sua filiação a siglas já existentes. O Patriota, que filiou o filho do presidente e senador Flávio Bolsonaro (RJ), é uma dessas legendas. Gonzaga chegou a participar de convenção partidária e também de reunião entre Bolsonaro e deputados da sigla.

Em maio de 2018, quando ocupava uma cadeira no TSE, o advogado gravou um vídeo ao site Migalhas sobre os principais desafios para as eleições daquele ano.

Fake news foi o primeiro item citado por ele. “Temos também o problema da urna eletrônica com módulo de impressão. Isso é um atraso para a democracia”, disse Gonzaga.

Para ele, o gasto de aproximadamente R$ 2 bilhões, estimado para implementação da medida, retira dinheiro da saúde e educação “para sustentar uma falsa verdade de que nosso sistema é corrompível —e não é”.

Para defender a medida, Bolsonaro declara que o Orçamento comporta um aumento de R$ 2 bilhões para a mudança nas urnas. O presidente tem pressionado o Ministério da Economia a encontrar a verba, apesar do aperto nos gastos públicos.

Bolsonaro tem feito recorrentes afirmações falsas sobre as eleições no Brasil, com acusações infundadas de que pleitos passados foram fraudados e que ele só será derrotado em 2022 caso haja irregularidade semelhante.

Pesquisas recentes apontam o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O mais recente Datafolha mostrou a ampliação da vantagem do petista sobre Bolsonaro. Lula marca 58% e o presidente, 31% no segundo turno.

Após seguidos ataques, Bolsonaro se reuniu com o presidente do STF, Luiz Fux, na segunda-feira (12). Na saída do encontro, voltou a defender o voto impresso. “Não é o retorno do voto em papel. É uma maquininha que imprime o voto”, afirmou.

Na Câmara, em debate em junho de 2018, Gonzaga, como ministro do TSE, falou sobre a segurança do sistema eleitoral. Citando a decisão do STF, ele se posicionou contra a medida, que chamou de retrocesso ao “voto contado” e ao “mapismo”, por ofender o princípio democrático de sigilo do voto.

E então ele passou a questionar os interesses no voto impresso.

“Naturalmente verificamos que algumas pessoas estão ligadas a empresas interessadas a implementar e vender esse tipo de equipamento; outras pessoas vivem de dar palestras para acusar a democracia e outras pessoas não se sentem felizes em reconhecer e não querem reconhecer que simplesmente não tiveram voto para ganhar a eleição. E aí ficam arrumando desculpas”.

Para Gonzaga, o Poder Judiciário não deve “ficar aplaudindo quem não teve reconhecimento na urna”.

O TSE, naquele ano, contestava a decisão do Congresso de aprovar o voto impresso.

Apesar dos protestos, chegou a decidir pela implementação da impressora em cerca de 30 mil das mais de 550 mil urnas que seriam usadas na eleição de 2018. A licitação foi cancelada após o STF suspender o dispositivo em junho do mesmo ano.

O apoio à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do voto impresso que hoje é debatida na Câmara vem principalmente de aliados ideológicos de Bolsonaro.

A ideia é rejeitada por líderes do centrão, grupo de partidos que se alinhou a Bolsonaro após a liberação de cargos para indicação política e mais verba para emendas parlamentares.

No final de junho, 11 partidos discutiram o sistema eleitoral e se colocaram contra a proposta de mudança para voto impresso. Estiveram presentes os presidentes do PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante. Ou seja, há na lista siglas que são da base do governo, como PP e PL.

Legendas como PSDB e DEM defenderam a aprovação do voto impresso em 2015. Na época, eles eram de oposição ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

Mas agora não há interesse desses partidos em apoiar a bandeira bolsonarista. Membros dessas legendas dizem que a mudança de postura se deve aos ataques do presidente ao sistema sem apresentar provas. Portanto, não querem dar impulso ao discurso de Bolsonaro e tentam enterrar a PEC o quanto antes.

A principal estratégia do presidente tem sido questionar a segurança das urnas eletrônicas, sistema usado desde 1996 e considerado eficiente e confiável por autoridades e especialistas no país.

O próprio Bolsonaro foi eleito para o Legislativo usando o sistema em diferentes ocasiões, assim como venceu o pleito para o Palácio do Planalto em 2018 da mesma forma.

A proposta em debate, a PEC 135/2019, foi apresentada pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) em 2019. Aliada de Bolsonaro, ela propõe que cédulas físicas conferíveis pelo eleitor deverão ser expedidas “independentemente do meio empregado” para o registro do voto.

O texto portanto não propõe abolir a urna eletrônica e substituí-la pelo voto impresso, como por vezes é divulgado em redes sociais. A proposta s determina que elas seriam “depositadas, de forma automática e sem contato manual, em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”. Ou seja, os eleitores não teriam contato com elas.

O debate sobre comprovante impresso do voto junto ao uso da urna eletrônica é antigo. Ele já chegou, inclusive, a ser empregado pontualmente em 2002, devido a uma lei com tal determinação.

Na ocasião, 150 municípios em diferentes estados, abarcando pouco mais de 6% do eleitorado, tiveram seus votos eletrônicos também impressos por impressora externa à urna.

Depois da experiência, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) fez um relatório com um balanço negativo da medida e, em 2003, foi sancionada pelo então presidente Lula (PT) uma lei que instituiu o Registro Digital do Voto (RDV) e que revogou os trechos da legislação que determinavam a impressão de comprovante.

De lá para cá, outras duas propostas foram apresentadas nesse sentido, uma de 2009 e outra de 2015.
Ambas foram barradas após decisões do Supremo, que as considerou inconstitucionais.

Um dos principais pontos levantados por grupos que criticam o sistema atual é a questão da auditabilidade dos votos, ou seja, como um terceiro pode conferir que o resultado das eleições divulgado pelo TSE de fato corresponde aos votos dos eleitores. Na justificativa, Kicis afirma que “o voto impresso, conferível pelo eleitor, é essencial para dar segurança e confiabilidade a um sistema eleitoral eletrônico”.

A urna eletrônica possui variadas medidas de segurança e de auditoria, em diferentes etapas, inclusive com participação de instituições e grupos externos ao tribunal. Até hoje não há evidências de que tenham ocorrido fraudes em eleições com uso da urna eletrônica.

Para garantir que não haja manipulação no momento da transmissão dos votos da urna para o TSE, por exemplo, existem os boletins de urna, que são comprovantes em papel emitidos em cada urna com informações como a quantidade de votos para cada candidato.

Entre os problemas elencados por críticos à proposta está que pessoas analfabetas ou cegas não teriam como conferir o comprovante impresso, apenas com a interferência de uma terceira pessoa. Para resolver a questão seria preciso desenvolver uma adaptação do mecanismo pensando nesses eleitores.

Folha  

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