Afastamento de coronel golpista em SP estimula adesão da PM
Foto: Alan Santos/PR
Coronel Tadeu é um deputado do PSL de São Paulo que não vê mal algum na política entrar nos quartéis. Ele quer ter mais do que o direito de representar seus colegas: quer entrar nas casernas e, com a tropa em forma, discursar, contra o governador João Doria (PSDB) e a favor do presidente Jair Bolsonaro. Acha normal discutir política nos pátios e refeitórios e não vê balbúrdia ou quebra de disciplina ao tratar desses temas nos quartéis da PM de São Paulo. “Acho errado a frase que diz que se a polícia entra por uma porta do quartel a disciplina sai pela outra.”, diz.
Tadeu acredita que tudo pode acontecer ser desrespeitar o Regulamento Disciplinar. Diz que a Constituição garante a liberdade de expressão. Aí está o nó que o bolsonarismo procura desatar. É que a lei e os regulamentos disciplinares vedam a possibilidade de os pátios dos quartéis serem transformados em palanques eleitorais. Não se deve elogiar ou criticar. Muito menos discursar contra o governador com a tropa em forma. Foi o que aconteceu em maio, quando o Major Mecca, deputado estadual e colega de partido de Tadeu, estava diante dos homens da Rota Vespertina em forma no quartel do Batalhão Tobias de Aguiar.
Para o Comando da PM, tratava-se de uma solenidade menor, e a etiqueta permitiria ao deputado fazer o “uso da palavra”. No passado, deputados que desejavam fazer esse tipo de manifestação contra o governador ou o comando eram até mesmo impedidos de entrar nos quartéis. Candidatos esquerdistas não podiam fazer proselitismo nas casernas. Há associações de policiais que dizem que a proibição de comparecimento à manifestação do 7 vale só para quem está armado ou de serviço. Para o Ministério Público do Tribunal de Justiça Militar isso é falso. Diz o parágrafo 3º do artigo 8º do Regulamento Disciplinar da PM:
“Aos militares do Estado da ativa são proibidas manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e de cunho político-partidário, sujeitando-se as manifestações de caráter individual aos preceitos deste Regulamento.”. Mais. O parágrafo 4.º é claro: “É assegurado ao militar do Estado inativo o direito de opinar sobre assunto político e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo a matéria pertinente ao interesse público”. Ou seja: se a lei assegurou ao inativo esse direito é porque ele não existe para o PM da ativa.
Certo. Nada é simples e cristalino quando se trata da balbúrdia do bolsonarismo e suas confusões que vão cupinizando o Estado e as as instituições. Como disse o coronel Glauco Carvalho, ex-comandante do Policiamento da Capital (CPC), as autoridades da segurança Pública no Estado têm o desafio de mostrar à tropa “que o bumbo bate no pé direito”. Disciplina não é um capricho que se aprendia na Academia do Barro Branco durante o comando do coronel Valdir Suzano.
Diz o artigo 9 do Regulamento: “A disciplina policial-militar é o exato cumprimento dos deveres, traduzindo-se na rigorosa observância e acatamento integral das leis, regulamentos, normas e ordens, por parte de todos e de cada integrante da Polícia Militar”. Chegou-se ao ponto neste País em que promotores terão de dar lições de disciplina a militares? É certo que ainda estamos distantes disso em relação à maioria silenciosa que permanece combatendo o crime e protegendo a população de São Paulo.
Mas não se pode ser militar apenas quando interessa – na Reforma da Previdência – e, ao mesmo tempo, gozar dos direitos dos civis de fazer política. Aos insatisfeitos, deve-se lembrar que o Ministério Público recebeu informações da Corregedoria da PM de que todo o efetivo do órgão foi convocado para trabalhar no dia 7, inclusive com o reforço das rondas disciplinares por meio do uso do pessoal administrativo e dos que estaria de folga. Haverá filmagens e o transgressor disciplinar poderá sofrer as consequências de seus atos.
Há um agravante na presença de PMs da ativa no ato bolsonarista da Avenida Paulista. E quem tornou essa situação clara foram os próprios deputados aliados do presidente que afirmaram em entrevistas, durante a semana, que a adesão à manifestação de apoio a Jair Bolsonaro cresceu entre os PMs após a decisão do comandante-geral, coronel Fernando Alencar, e do governador João Doria de afastar o coronel Aleksander Lacerda do comando do policiamento da região de Sorocaba.
É que o ato do afastamento publicado no Diário Oficial do Estado é assinado pelo coronel Alencar. Assim, qualquer policial da ativa que for à Paulista pode ser suspeito de estar manifestando-se coletivamente contra ato do comandante. E poderá ser enquadrado com base no artigo 166 do Código Penal Militar, que diz ser crime “publicar o militar ou assemelhado, sem licença, ato ou documento oficial, ou criticar publicamente ato de seu superior ou assunto atinente à disciplina militar, ou a qualquer resolução do governo”. Esse é um delito punido com 2 meses a um 1 ano de detenção.
Os instrumentos legais estão à disposição do comando da PM e do órgão corregedor. Os fatos que se planejam são graves. Nos tempos em que o coronel Luiz Perine comandava a Corregedoria tentou-se um motim. Dezenas foram expulsos. Perine priorizava operações e não pilhas de papéis. Prendeu uma vez todo o batalhão do Guarujá, com o apoio do coronel Francisco Profício, então comandante-geral. Corregedores eram capazes de ficar um mês sem voltar para casa, se fosse necessário, a fim de prender um policial bandido. Foi assim quando participaram da captura do ex-policial Florisvaldo de Oliveira, o Cabo Bruno, em 1991.
Todo policial sabe que os que tentam usá-los para fins políticos não estarão à disposição para pagar os advogados que terão de contratar para se defender em eventuais processos. Muitos o fazem porque as imunidades parlamentares assim o permitem. O governo Bolsonaro parece caminhar para seu fim. Mas as consequências para quem romper a lei não terminarão tão cedo. É fácil apagar postagens do WhatsApp e do Facebook. O que não é fácil é lidar com Inquéritos Policiais-Militares.
O coronel Aleksander pensou na manhã do domingo, dia 22, que bastava fechar sua conta para esconder as 397 manifestações públicas de críticas e ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal e a políticos de oposição a Bolsonaro, como o governador João Doria, chamado de “cepa indiana”. Uma semana depois, além de perder o comando estava à procura de um advogado para defendê-lo no IPM aberto pela Corregedoria em razão da requisição da promotoria.
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