Até onde vão investigações contra Bolsonaro
Foto: REUTERS
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reagiu aos ataques que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito contra o sistema de votação eletrônico abrindo na noite da segunda-feira (02/08) uma investigação administrativa que, potencialmente, pode impedi-lo de disputar a reeleição em 2022.
Além disso, a Corte solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que investigue criminalmente o presidente sob acusação de espalhar informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições brasileiras, dentro do chamado Inquérito das Fake News. Bolsonaro já admitiu publicamente não ter qualquer prova de irregularidades.
Ambas as investigações, porém, enfrentam limites para atingir o atual mandato do presidente. No caso do STF, ainda que a investigação traga elementos contra Bolsonaro, apenas o procurador-geral da República, Augusto Aras, poderia apresentar uma denúncia criminal contra ele.
Aras hoje é tido como aliado do presidente. Já no caso do TSE, a principal consequência que a investigação pode ter é tornar Bolsonaro inelegível por até oito anos.
Apesar do anúncio das investigações, Bolsonaro diz que não mudará sua postura. “Não aceitarei intimidações. Vou continuar exercendo meu direito de cidadão, de liberdade de expressão, de criticar, de ouvir, e atender, acima de tudo, a vontade popular”, afirmou nesta terça-feira (03/08).
Bolsonaro insiste, sem apresentar provas, que as eleições podem ser fraudadas – ele defende que a urna eletrônica passe a emitir um comprovante impresso do voto. Segundo ele, apenas isso permitiria a auditoria do resultado eletrônico.
O TSE afirma que a urna eletrônica permite a auditoria dos resultados por meio do Boletim de Urna que é impresso ao final da votação na seção eleitoral (o documento possibilita comparar os votos computados em cada urna no sistema eletrônico do TSE com os do respectivo boletim).
Críticos de Bolsonaro dizem que ele não está de fato preocupado com a segurança da votação e deseja lançar desconfianças sobre o sistema eletrônico para contestar o resultado do pleito de 2022 caso não consiga se reeleger.
Entenda melhor a seguir o que pode ocorrer nas duas investigações.
1. Investigação no STF
O presidente do TSE e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, encaminhou ao Supremo notícia-crime solicitando que Bolsonaro seja investigado por possíveis ilegalidades durante transmissão ao vivo realizada na quinta-feira (29/07), quando o presidente apresentou uma série de supostos “indícios graves” de fraudes nas eleições brasileiras.
As acusações eram baseadas em vídeos antigos que circulam na internet e já foram desmentidos pela Justiça Eleitoral. Na transmissão, Bolsonaro admite não ter provas das fraudes.
Na ocasião, ele fez também ataques diretos a Barroso e ao TSE, dizendo que a apuração das eleições seria feita em uma “sala secreta”, o que a Corte contesta, já que os boletins de urna impressos logo após o encerramento da votação dão transparência ao resultado da contagem eletrônica.
O caminho natural de uma notícia-crime contra o presidente da República é ser encaminhada à PGR, que decide se abre um inquérito ou não.
No entanto, a expectativa é que Bolsonaro será investigado mesmo sem consulta a Augusto Aras. O envio da notícia-crime sugerido por Barroso foi aprovado por unanimidade no TSE, recebendo inclusive o apoio do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do Inquérito das Fake News no STF.
Esse inquérito é alvo de controvérsia jurídica, já que foi aberto no início de 2019 por decisão direta do então presidente do STF, Dias Toffoli, à revelia da Procuradoria-Geral da República — ou seja, sem a participação do Ministério Público, que é a instituição responsável por investigar e denunciar criminalmente no país, segundo a Constituição Federal.
No entanto, julgamento do STF de junho de 2020 considerou o inquérito legal. A avaliação foi que o Supremo pode abrir investigação quando ataques criminosos foram cometidos contra a própria Corte e seus membros, representando ameaças contra os Poderes instituídos, o Estado de Direito e a democracia.
Para juristas ouvidos pela BBC News Brasil, é esse precedente que abre caminho para Bolsonaro ser investigado neste caso, mesmo sem haver um pedido da Procuradoria-Geral da República.
Na avaliação do ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, a “inação” de Augusto Aras cria hoje uma “situação anômala grave” que permite ao STF abrir essa investigação.
“Nessa excepcionalidade bem caracterizada, a Suprema Corte, que é a guardiã da própria Constituição, abre procedimento investigatório. A situação é anômala e grave porque a inação do procurador-geral da República está comprometendo a democracia”, argumentou.
Fonteles ressalta, porém, que continua sendo Aras o único a poder apresentar uma denúncia criminal contra Bolsonaro ao STF. Ou seja, o presidente não pode ser processado criminalmente a partir dessa investigação por iniciativa apenas de Alexandre de Moraes ou do plenário da Corte.
Para o ex-procurador-geral, isso não deve ocorrer porque o atual PGR tem agido como aliado de Bolsonaro por interesses pessoais, como o desejo de ser indicado ao STF — acusação que Aras refuta.
Ele acabou sendo preterido com a decisão de Bolsonaro de apontar o Advogado-Geral da União, André Mendonça, para a vaga aberta com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio. Aras, porém, ainda pode ser indicado caso Mendonça seja rejeitado para a vaga pelo Senado.
Por enquanto, a perspectiva é que ele continue no comando da PGR por mais dois anos. Seu mandato atual acaba em setembro, mas Bolsonaro já apoiou sua recondução — essa indicação também depende ainda da aprovação do Senado.
A subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, que havia ficado em primeiro lugar na lista tríplice de indicados eleita pela categoria para ocupar o comando da PGR, tem avaliação semelhante à de Fonteles sobre o futuro da notícia-crime apresentada pelo TSE.
“Em tempos normais, a notícia-crime seria encaminhada ao PGR, mas a situação entrou no campo da defesa da Constituição”, disse à BBC News Brasil sobre a tendência do STF atender o pedido e investigar Bolsonaro.
Se Aras surpreender e decidir apresentar uma denúncia contra o presidente, há ainda outra etapa a ser cumprida para que ele possa ser processado no Supremo: a Câmara dos Deputados precisaria autorizar a ação penal, com ao menos 342 votos dos 513 deputados.
2. Investigação no TSE
Por outro lado, a investigação aberta no TSE, por ser uma apuração administrativa, pode avançar independentemente da Procuradoria-Geral Eleitoral, que é o braço da PGR na Justiça Eleitoral. Foi o que explicou à BBC News Brasil o ex-ministro da Corte Henrique Neves.
Quem tocará a investigação é o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão. O objetivo será apurar se as alegações de fraude nas eleições e os ataques ao TSE configuram “abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea (antecipada)”.
“O corregedor funciona com uma espécie de xerife (da integridade das eleições). Ao ver possíveis abusos, ele pode abrir uma investigação, colher provas, quebrar sigilo, fazer busca e apreensão e tomar todas as medidas possíveis e cabíveis para fazer cessar os abusos”, explicou Neves.
Caso a investigação levante elementos concretos contra Bolsonaro, poderá ser aberta uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) para tentar impedir que o presidente seja candidato à reeleição em 2022.
Essa ação pode ser proposta pela Procuradoria-Geral Eleitoral ou por qualquer candidato ou partido político. A decisão final cabe ao plenário do TSE.
Essa investigação, porém, não pode afetar o atual mandato do presidente. Há outras ações em tramitação no TSE que apuram possível abuso na campanha de Bolsonaro em 2018 e poderiam resultar na cassação do presidente, mas elas têm caminhado lentamente e não está claro se há provas suficientes de alguma ilegalidade que tenha impactado o resultado do pleito.
Essas ações investigam, por exemplo, a suspeita de contratação do serviço de disparos em massa de mensagens pelo aplicativo WhatsApp durante a campanha eleitoral.
Para Neves, também é impossível prever qual será o desfecho da investigação aberta agora pela corregedoria.
“A investigação deve durar um tempo razoável para a apuração de todos os fatos. E essa investigação é influenciada pelos fatos que vão acontecendo. Muitas vezes eu abro uma investigação para apurar uma coisa e no meio ocorrem outras até mais graves que aquela primeira”, ressaltou.
Contrário à adoção do voto impresso, o ex-ministro do TSE lembra que essa questão será decidida pelo Congresso, já que a mudança do sistema de votação dependeria de uma alteração da Constituição.
Na quinta-feira (05/08), está previsto que uma comissão especial da Câmara de Deputados vote a proposta. A tendência é que ela seja rejeitada, já que a maioria dos grandes partidos se posicionou contra a mudança.
“O voto eletrônico é o que a Constituição e a lei determinam hoje. O voto impresso é tentar auditar a eleição por um meio menos seguro”, afirma Neves. “E não há tempo de adotar essa mudança para 2022. Precisaria comprar as novas urnas, fazer testes, treinar pessoal. É uma tarefa materialmente inviável de ser realizada.”
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