Bolsonarismo barra bolsonarismo no STF
Foto: Pablo Jacob Agência O Globo
A resistência do Senado em aprovar a indicação de André Mendonça para o STF (Supremo Tribunal Federal), como forma de retaliar o presidente Jair Bolsonaro pelas ameaças golpistas que tem feito à democracia, reduz as chances de pautas bolsonaristas prosperarem na corte.
A ausência de mais um nomeado pelo chefe do Executivo no Supremo diminui a probabilidade, por exemplo, de integrantes do governo investigados na CPI da Covid terem sucesso em derrubar medidas aprovadas pela comissão, como tem feito o ministro Kassio Nunes Marques.
Decisões que acenam à base eleitoral do presidente, como a que liberou as missas e cultos e a que autorizou a pesca de arrasto no Rio Grande do Sul, também se tornam mais difíceis de se repetir.
Isso porque, atualmente, quando um processo desta natureza chega à corte, a relatoria do caso é sorteada entre todos e apenas 1 dos 10 ministros foi escolhido por Bolsonaro e é mais alinhado a ele —com mais um, a probabilidade quase dobraria, pois seriam 2 em 11.
Outro efeito da demora do Parlamento em chancelar a indicação do chefe do Executivo é o isolamento interno cada vez maior de Kassio Nunes.
O primeiro indicado do presidente ao tribunal tem sido excluído de todas as articulações que definem as reações às ofensivas do Palácio do Planalto, como ocorreu na carta em apoio à urna eletrônica e na nota de apoio ao ministro Alexandre de Moraes, alvo de um pedido de impeachment apresentado por Bolsonaro.
A resistência do Senado em aprovar Mendonça, porém, também pode curiosamente ser positiva para o chefe do Executivo. Está marcado para a próxima terça-feira (31) o julgamento que decidirá se o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) tem direito a foro especial perante o TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).
Se a corte der uma decisão contrária ao parlamentar, a investigação contra ele no caso da “rachadinha” terá que voltar à primeira instância, para as mãos do juiz Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras nessa investigação, como na prisão preventiva de Fabrício Queiroz, acusado de ser o operador do esquema de arrecadação de salários de assessores de Flávio quando era deputado estadual.
Como o tema será analisado pela Segunda Turma, a ausência de um ministro no colegiado pode ajudar o senador. Isso porque, por se tratar de questão criminal, se o placar ficar empatado, a decisão é dada em benefício do investigado.
Portanto, se o resultado do julgamento for 2 a 2, será o suficiente para que a tese da defesa de Flávio prevaleça.
Independentemente deste julgamento, porém, a retomada da investigação depende da derrubada da decisão do ministro João Otávio de Noronha, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), de suspender a tramitação da ação penal.
Além de tornar mais fácil ocorrer decisões em favor dos réus, a presença de apenas dez ministros na corte também tem impacto no plenário da corte.
É possível que haja empate de 5 a 5 e não haja maioria nem para aprovar nem para rejeitar ações constitucionais, por exemplo.
Nesses casos, a corte costuma suspender o processo para que o novo ministro desempate o julgamento.
Para que isso não ocorra e gere insegurança jurídica, o presidente da corte, Luiz Fux, interrompeu a discussão no plenário virtual sobre a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins.
O placar estava 4 a 4 quando o magistrado decidiu pedir destaque para levar o tema ao plenário físico.
Segundo a assessoria do STF, “com o placar apertado e diante do impacto financeiro elevado”, estimado em R$ 40 bilhões, “o presidente decidiu levar o caso para julgamento presencial quando a composição estiver completa”.
Na análise da ação que contestava a autonomia do Banco Central, houve maioria para declarar a constitucionalidade da medida, mas o placar ficou em 5 a 5 sobre a competência para apresentar projeto desta natureza.
Metade entendeu que a legislação do tema só pode ser alterada por iniciativa do Executivo, enquanto outra metade afirmou que o Congresso também teria esse poder.
Como houve maioria no mérito para autorizar a autonomia da instituição financeira, a corte acabou sem dar uma palavra definitiva em relação à questão da competência para propor esse tipo de matéria.
Em relação à atuação individual dos ministros, a demora do Senado também deixa paralisados os processos que estavam sob relatoria do ministro Marco Aurélio e que serão herdados pelo próximo membro do tribunal.
O recurso de um advogado contra decisão que arquivou pedido de investigação da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, por ter recebido depósitos de Fabrício Queiroz é um desses litígios parados.
Uma ação em que o partido Podemos questiona o valor do fundo eleitoral é outro exemplo de caso que aguarda o novo ministro para ter andamento.
São mais de 2.000 processos que estavam no gabinete de Marco Aurélio e que irão para o novo magistrado. Nesses casos, porém, quando há pedido de decisão urgente a ser tomada, o presidente da corte redistribui a ação para que o recurso tenha uma resposta.
Apesar dos problemas gerados pelo fato de a corte contar com um número par de integrantes, a decisão dos ministros é tocar os trabalhos normalmente em vez de aguardar o próximo para se debruçar sobre casos sensíveis.
Nos bastidores, a maioria dos magistrados não tem resistência ao nome de Mendonça, como tem sido visto no Senado, mas a avaliação é de que é difícil prever quando os parlamentares irão destravar a análise da indicação feita por Bolsonaro.
Além disso, não é inédito o Supremo trabalhar com apenas dez ministros. Quando Joaquim Barbosa se aposentou voluntariamente do STF em 2013, antes da idade que o obrigaria a deixar a corte, a então presidente Dilma Rousseff (PT) levou quase nove meses para indicar seu sucessor, Edson Fachin.
Para atual conjuntura política, a ausência de um indicado de Bolsonaro no STF também interessa à corte. O Supremo tem protagonizado duros embates com o chefe do Executivo e, para reagir, tem tentado demonstrar união a fim de conter a ofensiva bolsonarista.
Até ministros que já trocaram farpas públicas, como Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, passaram a conversar nos bastidores sobre formas de reagir aos ataques do presidente da República.
Os magistrados têm conversado com frequência sobre a tensão entre os Poderes. Kassio, porém, geralmente é excluído dessas conversas.
Esse foi o caso, por exemplo, da articulação para divulgação de uma carta em defesa da urna eletrônica e contra a implementação do voto impresso defendido pelo chefe do Executivo.
Kassio foi o único ministro a não assinar o texto. A justificativa foi de que apenas os ministros que já integraram o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) subscreveram a carta.
Horas depois da divulgação do texto, o ministro emitiu uma nota para comentar o fato de não ter sido convidado a assinar a carta, mas a justificativa ampliou a percepção interna no tribunal de que sua atuação é muito próxima aos interesses do Palácio do Planalto.
Ele disse que “não foi consultado previamente em nenhum momento a fim de que pudesse concordar, ou não, com o teor da nota publicada pelo TSE”.
Kassio também afirmou que “considera legítimo o posicionamento externado” pelos colegas, mas disse que “o debate acerca do voto impresso auditável se insere no contexto nacional como uma preocupação legítima do povo brasileiro”.
Parte do incômodo gerado no STF ocorreu pela expressão “voto impresso auditável” adotada por Kassio e que é amplamente usada por Bolsonaro.
Isso porque o TSE tem feito um esforço para explicar à população que a urna eletrônica já é passível de auditoria e que não é a impressão do voto que tornará o sistema auditável.
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