Bolsonaro instaurou caça às bruxas na PF
Foto: Isac Nóbrega/PR
O método de “gestão direta” adotado pelo presidente Jair Bolsonaro para lidar com a Polícia Federal (PF), com três trocas de comando em menos de dois anos, estabeleceu incerteza, desconfiança e divisão dentro do órgão, na avaliação de delegados e policiais ouvidos sob reserva pela reportagem, por temerem retaliações, entre os quais cinco ex-diretores gerais. Um desses ex-diretores frisou que há “um clima de caça às bruxas” na PF.
O clima de perseguição relatado pelas fontes ouvidas pelo Valor também foi reportado pelo delegado Alexandre Saraiva em uma peça de defesa apresentada pelo policial à direção da PF. A manifestação ocorreu em procedimento disciplinar instaurado pelo diretor-geral do órgão, Paulo Maiurino, depois que Saraiva participou como entrevistado de edição de maio do programa “Roda Viva” da TV Cultura. A alegação de Maiurino é que não houve autorização da PF para a entrevista.
Na defesa, Saraiva mencionou a existência de uma “sanha para calar policiais que, no cumprimento do seu dever funcional, atingem os grandes criminosos do nosso país”. O delegado disse ainda que “vários destes policiais têm sido atingidos por sucessivas ‘coincidências’, pelas quais perdem cargos de chefia e deixam de ser promovidos [coincidentemente todos os que tinham relação com as investigações contra o ex-ministro Ricardo Salles]”, registrou Saraiva em sua defesa. Parte da manifestação de Saraiva foi publicada pelo jornal “Folha de S. Paulo”.
Saraiva conduziu a Operação Handroanthus, apontada pela PF como a maior apreensão de madeira ilegal da história do país, deflagrada em dezembro do ano passado e que atingiu o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O delegado, que estava à frente da superintendência regional da PF no Amazonas, foi trocado de função um dia depois de ter enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra Ricardo Salles. A transferência foi ordenada por Maiurino em abril.
Ao contrário do que ocorre com membros do Ministério Público e do Judiciário, policiais e delegados da PF não gozam de prerrogativa que impeça remoções e podem ser transferidos por ato administrativo. A PF também não é um órgão independente e está subordinada ao Poder Executivo por intermédio do Ministério da Justiça.
As fontes apontam que o ambiente na instituição seguiu uma curva de deterioração a partir da exoneração do então diretor-geral Maurício Valeixo, ocorrida em maio de 2020 por decisão de Bolsonaro. Procurado, Valeixo não quis falar com o Valor. Ele era homem de confiança do então ministro da Justiça Sergio Moro e foi por ele indicado ao comando da PF. Na mesma data em que a demissão de Valeixo foi publicada no “Diário Oficial da União”, em 24 de abril de 2020, Moro entregou o cargo acusando o presidente de interferir politicamente no órgão, buscando acesso a dados e relatórios confidenciais de inteligência.
A acusação provocou a abertura de um inquérito no Supremo para apurar a hipótese investigativa de ingerência política. A investigação ainda não foi concluída e está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Depois de defenestrar Valeixo, Bolsonaro escolheu Alexandre Ramagem para dirigir a PF, delegado que integrou a escolta pessoal do então presidenciável durante a eleição de 2018, e que contava com a simpatia dos filhos do presidente e de ministros da ala militar do governo. Mas ele teve a posse suspensa por Moraes. A saída encontrada por Bolsonaro foi Rolando Alexandre de Souza, braço direito de Ramagem que atuava na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O atual chefe da PF, delegado Paulo Maiurino, substituiu Rolando em 8 de abril de 2021, em cerimônia reservada. O ato de posse contou com a presença do ministro da Justiça, Anderson Torres.
Torres também é delegado da Polícia Federal. Sua nomeação para a Justiça marcou outro precedente aberto por Bolsonaro. Foi a primeira vez em que um policial foi alçado ao cargo. Ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal no governo Ibaneis Rocha (MDB), Anderson Torres também pode entrar na mira de investigação que apura a participação dele em uma live promovida pelo presidente em 29 de julho.
Na ocasião Bolsonaro anunciou que apresentaria “evidências” de fraudes nas urnas eletrônicas – que jamais demonstrou. Ao determinar a inclusão de Bolsonaro no inquérito das “fake news”, em 4 de agosto, Moraes determinou que Torres prestasse depoimento sobre o episódio. Moraes também enviou ofício ao corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Luis Felipe Salomão, para verificar se o titular do Ministério da Justiça buscou visibilidade política ao participar da “live” – o que, em tese, caracterizaria propaganda eleitoral antecipada.
Em 16 de junho, Torres posou para foto com o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) durante cerimônia de posse da diretoria do PSL do Distrito Federal. Durante o evento, o vice-presidente nacional do partido, Antonio Rueda, disse em discurso que o objetivo da sigla é que o atual ministro da Justiça saia candidato a senador ou a governador pela legenda.
A instabilidade da PF sob Bolsonaro não encontra paralelo. Ainda que no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) quatro delegados tenham ocupado a direção-geral entre março e junho de 1999, o motivo para as trocas envolveu disputas políticas entre o então ministro da Justiça, o atual senador e relator da CPI da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL), com colegas de ministério e o à época governador de São Paulo, o tucano Mário Covas (1930-2001).
Na avaliação de um graduado delegado da corporação, ao contrário de outros governos em que a pressão política ocorria de fora para dentro, a gestão Bolsonaro atua internamente, num movimento para desgastar a instituição. A fonte se refere a essa prática como um “processo de desinstitucionalização”.
O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Boudens, chama a atenção para a investigação que tramita no Supremo e apura se o presidente da República vazou dados de um inquérito sigiloso conduzido pela PF. No dia 4 de agosto, Bolsonaro divulgou em redes sociais a íntegra de investigação que apura suposto ataque hacker ao sistema interno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018 – que segundo o tribunal não representou risco às eleições daquele ano. Para Boudens, trata-se de um indício grave de que o inquérito da PF pode ter sofrido influência externa.
Procurada por meio da assessoria de imprensa, a PF não se pronunciou. O Ministério da Justiça também não respondeu ao pedido de manifestação feito pelo Valor.
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