Cabe a Queiroga deter a variante Delta
Foto: Reprodução/ O Globo
Esperava-se que, sob Marcelo Queiroga, o Ministério da Saúde mudasse de atitude no combate à pandemia. Apesar do avanço da vacinação nos últimos meses, o desempenho brasileiro ainda deixa a desejar diante da necessidade imposta pelo avanço da variante Delta do coronavírus. Queiroga parece mais preocupado em satisfazer às inclinações ideológicas mais nefastas do presidente Jair Bolsonaro do que em combater o vírus seguindo as recomendações médicas e científicas.
Anteontem ele deu entrevista a um canal bolsonarista propagador de desinformação sobre a pandemia e sobre as urnas eletrônicas, cuja verba publicitária foi retida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e cujas ações são investigadas pela CPI da Covid. O mero fato de uma autoridade da República se dignar a falar com tal veículo já seria absurdo. Queiroga foi além. Em contraste com declarações anteriores, criticou a obrigatoriedade do uso de máscaras, comprovadamente eficaz para deter o contágio. “Somos contra essa obrigatoriedade”, afirmou. “O uso de máscaras tem de ser um ato de conscientização.”
O aceno ao negacionismo bolsonarista poderia ser inconsequente, não viesse num contexto de confusão na distribuição de vacinas e falta de uma estratégia coerente para deter a Delta. Em sua propaganda, o governo tem propagado a mentira de que a vacinação está mais avançada no Brasil que nos Estados Unidos. Nada mais falso. No início da semana, 60% da população americana tomara ao menos uma dose da vacina, ante 57% da brasileira.
Como todas as vacinas perdem eficácia diante da Delta, o que importa é o total que recebeu o esquema completo (duas doses ou dose única), que garante proteção razoável: 51% nos Estados Unidos; apenas 24% no Brasil. Estamos, portanto, distantes do patamar de imunidade coletiva que leva à extinção gradual do vírus (estimado em 85% da população para a Delta). Para piorar, países avançados na vacinação — caso de Israel, com a vacina da Pfizer — detectaram queda na imunidade depois de seis meses, desencadearam um esforço nacional para aplicar uma terceira dose e voltaram a impor restrições.
Tal quadro não deixa dúvidas sobre as prioridades. Primeiro, é necessário acelerar a aplicação da segunda dose para garantir a proteção contra a Delta. Em vez de 12 semanas, o intervalo deve ser reduzido, e o reforço com vacinas distintas deve ser encorajado quando embasado em evidências (como anunciaram que farão alguns governos e prefeituras). Segundo, na dúvida sobre onde alocar as doses disponíveis, é preciso dar preferência aos lugares onde a Delta avança, em vez de se sujeitar a conveniências políticas ou de adotar o critério aparentemente “neutro”, mas epidemiologicamente incorreto, de proporcionalidade à população. Terceiro, é essencial garantir quanto antes a terceira dose aos grupos vulneráveis vacinados no início do ano.
Tudo isso exige uma estratégia nacional, responsabilidade inequívoca do Ministério da Saúde. Em vez de liderá-la, Queiroga fica se equilibrando entre os delírios irresponsáveis do chefe e as exigências da realidade. Só precisa lembrar que o vírus não está nem aí, continuará a matar enquanto houver população sem máscara, não vacinada e aglomerada. Queiroga pode até tentar empurrar a conta da falta de doses à indiscutível incompetência do antecessor, Eduardo Pazuello. Mas, se o Brasil perder a batalha para a Delta, a responsabilidade será toda dele.
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