Centrão reduz força do neoliberalismo no governo
Foto: AGÊNCIA BRASIL
Sob a depreciada alcunha de “minirreforma ministerial”, as recentes mudanças promovidas pelo presidente Jair Bolsonaro no primeiro escalão alteram o funcionamento da cabeça, tronco e membros do governo.
Não mudaram a mentalidade e as convicções que o movem. Percebe-se, inclusive, um presidente da República menos constrangido em atacar, sempre sem provas ou embasamento técnico, o Supremo Tribunal Federal (STF) e a pessoa do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proteção adicional obtida no Congresso, em razão do fortalecimento da parceria com o Centrão e da chegada desses partidos ao Planalto, parece ter deixado o chefe do Poder Executivo ainda mais à vontade para o enfrentamento institucional.
Mas este novo corpo, remodelado, ainda dá os primeiros passos.
Seu rumo será mais claro quando Ciro Nogueira fizer seus primeiros discursos à frente da Casa Civil, sistema nervoso central de qualquer governo, e sinalizar como será seu relacionamento com as outras áreas do governo. Nas redes sociais, antecipou-se para assegurar que só existe um governo e que esta administração busca cuidar dos mais vulneráveis com responsabilidade fiscal. “Este sempre foi e sempre será um elo indestrutível de afinidade com o ministro Paulo Guedes.”
Ciro Nogueira é conhecido por sua habilidade. Transita bem pelas faixas da esquerda, da direita e, também, pelo corredor central. E na política o rito, a forma e a velocidade fazem toda a diferença.
Em sua primeira grande missão, Ciro teve essa preocupação ao se dirigir à residência oficial da presidência do Congresso, acompanhado de colegas das áreas econômica e social, além de sua parceira na articulação política, para apresentar à cúpula do Legislativo duas propostas consideradas urgentes: a emenda constitucional que estabelece critérios para o pagamento de precatórios, a qual pode abrir espaço para despesas e investimentos, e uma minuta do texto que reformula o Bolsa Família.
O governo tem pressa, mas em sua nova modelagem precisa ainda comprovar a capacidade de manter-se coordenado. O problema é que a proximidade do período eleitoral tende a aumentar os pontos de atrito entre a ala mais liberal e o grupo desenvolvimentista. Um exemplo é justamente a discussão do valor do benefício do novo programa social. Para a ala política, quanto mais melhor, mas quem cuida do cofre tende a defender mais moderação.
Tropeções serão inevitáveis. Ainda mais porque o Ministério da Economia perdeu uma de suas várias pernas, com a recriação do Ministério do Trabalho e Previdência, onde o ministro Onyx Lorenzoni terá seu desempenho analisado, no mínimo, sob dois aspectos.
Onyx tem notória disposição de partir para o enfrentamento direto com os adversários do governo. Se na Secretaria-Geral da Presidência ajudou a treinar autoridades que iriam depor na CPI da Covid e assumiu a linha de frente para rebater as acusações do deputado Luís Miranda (DEM-DF) de que avisara Bolsonaro de condutas suspeitas no Ministério da Saúde, no Ministério do Trabalho pode ficar cara a cara com os mesmos sindicalistas que organizam os atos a favor do impeachment.
Em segundo lugar, terá que atingir a meta de destravar a implementação de políticas voltadas ao mercado de trabalho.
Poucos se lembram, mas foi na gestão do gaúcho no Ministério da Cidadania que em pouco tempo o governo formulou – e executou – o modelo que levou a milhões de brasileiros o auxílio emergencial. Ele assume mais uma missão fundamental para o projeto de poder bolsonarista, a qual, somada à ampliação dos programas sociais em discussão com o Congresso, pode aumentar o emprego e a renda dos brasileiros mais pobres.
Outra potencial peça dessa estratégia está em alguma gaveta do gabinete ocupado por Ciro Nogueira. É o Pró-Brasil, programa tornado público em abril do ano passado para “integrar e aprimorar” ações estratégicas voltadas à recuperação e à retomada do crescimento socioeconômico em razão dos efeitos da pandemia. Seu possível aproveitamento pelo novo ministro ainda não está claro.
Ainda. Dificilmente um político experiente, com possibilidades futuras que variam entre a disputa do governo do seu Estado e a vaga de vice-presidente da República, deixará de capitalizar o que o Pró-Brasil oferece.
O general da reserva Walter Braga Netto, hoje à frente da Defesa, teve papel central no anúncio do programa, mas fez um recuo tático quando percebeu que teria dificuldades de avançar com a ideia. Luiz Eduardo Ramos deixou há pouco a Casa Civil para substituir Onyx Lorenzoni na Secretaria-Geral. Nem teve muito tempo para mexer com isso, mas Ciro Nogueira deve muito bem ter na lembrança o que um pacotaço de obras e medidas estruturais pode representar para uma carreira política.
O Pró-Brasil chegou a ser criticado pela sua semelhança com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), das administrações petistas. Tem dois eixos, um com medidas estruturantes – marcos normativos, investimentos privados, iniciativas voltadas à segurança jurídica e à produtividade, melhorias no ambiente de negócios e iniciativas de mitigação de impactos socioeconômicos do coronavírus – e um outro pilar formado por obras públicas e parcerias do Estado com o setor privado. Os eixos “ordem” e “progresso”.
Durante as discussões para a sua concepção, o apelido de Plano Marshall provocou calafrios em integrantes da equipe econômica. Eles advogavam foco na atração de investimentos privados, na promoção do turismo, na realização de reformas e que não se pensasse apenas no curto prazo.
Era início da pandemia e, em certa medida, caminhou-se bastante nesta trilha. De lá para cá, contudo, a ala política ganha cada vez mais prestígio com o presidente.
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