Com o país passando fome, extrema-direita foca em homofobia
Foto: Guilherme Cunha/Alerj
Um projeto de lei apresentado na semana passada pelo líder do PTB na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Marcus Vinícius, proíbe a utilização da chamada linguagem neutra no sistema de ensino do estado, seja público ou privado.
“Sem nenhum embasamento, sem nenhum debate, sem nenhum estudo para a alteração gramatical, estão tentando modificar à força a língua portuguesa. O que é uma verdadeira afronta à Carta Magma e ao Estatuto da Educação do Estado”, afirma o parlamentar na justificativa que protocolou junto com o projeto.
A iniciativa é reveladora de dois aspectos: primeiro, confirma que os petebistas se colocaram na linha de frente da propagação de valores conservadores no país, mais do que qualquer outra legenda.
Seu presidente nacional, o ex-deputado Roberto Jefferson, está preso, entre outras razões por ter adotado tom considerado excessivo pelo STF na defesa desta pauta, com ameaças a instituições.
Além disso, o projeto do deputado fluminense não é um caso isolado na direita. Diversas ações neste sentido estão pipocando pelo país. Em Belo Horizonte, por exemplo, o combate a esta nova forma de se expressar ajudou a dar projeção ao vereador Nikolas Ferreira (PRTB), 25, estrela ascendente no conservadorismo bolsonarista.
A luta contra a linguagem neutra, em que se trocam as terminações masculina (“o”) e feminina (“a”) por “e”, “x” ou “@”, se tornou a mais nova causa célebre da direita brasileira.
Isso se deve a uma série de razões. A principal está no fato deste debate ser um reflexo na gramática de uma discussão mais ampla sobre a identidade de gênero (ou, como a direita prefere chamar, “ideologia de gênero”).
Novas maneiras de pessoas se assumirem de forma não-binária (homem/mulher) incomodam os conservadores, e se tornam intoleráveis para a direita quando estão inseridas no contexto escolar. O uso da linguagem neutra no sistema de ensino, assim, equivaleria a uma suposta doutrinação infantil para estas novas formas de gênero, e isso precisaria ser cortado pela raiz, e de forma imediata.
Há também uma questão de estratégia, digamos assim. Este é um tema bem mais palatável para obter uma audiência mais ampla do que outras causas conservadoras na área da educação, como Escola Sem Partido, colégios cívico-militares ou ensino domiciliar (“homeschooling”).
Para a grande maioria dos mortais que não comungam de uma visão ultraconservadora no ensino, são pautas não-prioritárias e um tanto exóticas, vistas como uma agenda defendida por fanáticos.
Com a linguagem neutra é diferente. Receber uma mensagem no celular ou em rede social com palavras como “amigues” ou “queridxs” ainda é visto com estranheza mesmo por quem não se simpatiza com Bolsonaro ou a direita. Num texto privado, provoca risos ou uma certa vergonha alheia.
Num documento escolar, pode despertar reação maior num pai de aluno, por mais centrista ou até progressista que seja.
A língua, como ensinam especialistas, é um organismo vivo, e nada impede que em alguns anos essas formas neutras tenham se popularizado e gozem de aceitação bem maior do que hoje. Futuramente, podem até passar a ser autorizadas pela norma culta.
Enquanto isso não acontece, no entanto, conservadores seguirão lutando, e fazendo deste tema uma maneira de manter energizada sua base ideológica, como já aconteceu com outros pontos da chamada “guerra cultural”.
Como diz o deputado Marcus Vinícius: “Preservar a língua nacional é uma causa de todos nós conservadores e patriotas. Há um clamor na sociedade contra essa invenção chamada ‘linguagem neutra’, que nada mais é que parte da agenda sobre ideologia de gênero. Somos contra qualquer forma que subtraia os artigos femininos e masculinos”.
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