Deputada alemã neonazista sugere aliança com Bolsonaro
Foto: Reprodução
Pouco mais de um mês após visitar o presidente Jair Bolsonaro em Brasília, a deputada alemã Beatrix von Storch, do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) afirmou em entrevista exclusiva por e-mail à BBC News Brasil que sua passagem pelo Brasil é parte do projeto de criação do que chamou de uma “internacional conservadora”.
“Há muito tempo existe uma internacional socialista. Precisamos de algo como uma ‘internacional conservadora’. Não exatamente como uma organização formal, mas como uma rede de troca de informações, discussão de estratégias e possíveis soluções para problemas internacionais”, afirmou Beatrix Von Storch, que está em campanha para as eleições ao parlamento alemão, no próximo dia 26 de setembro.
A deputada alemã faz alusão a uma organização internacional fundada em 1951 e que atualmente congrega 160 partidos em 100 países – o PDT brasileiro está entre eles.
O objetivo declarado da atual Internacional Socialista é “implementar o socialismo democrático globalmente”.
A rede é uma das herdeiras de um movimento mais abrangente batizado como Primeira Internacional, que operou para impulsionar movimentos sindicais europeus entre os anos 1860 e 1870, tendo como um de seus conselheiros o pensador alemão Karl Marx, autor de O Capital.
Para von Storch, a direita precisa de algo semelhante para disseminar “os valores cristãos e conservadores”.
Segundo a parlamentar da AfD, o Brasil é “uma potência global e um aliado estratégico” para isso.
“A esquerda está muito bem organizada globalmente. Os conceitos e estratégias deles se movem muito rapidamente de um país para outro. Antifa e Black Lives Matter são organizações internacionais. Quando essas organizações operam em um país, é apenas uma questão de tempo para que se espalhem para outros países. Portanto, temos que encontrar maneiras de evitar que a esquerda internacional exerça pressão sobre nossas instituições democráticas nacionais”, afirmou von Storch, ecoando um discurso repetido por Bolsonaro e integrantes de seu governo.
Em novembro de 2020, por exemplo, quando protestos Black Lives Matter eclodiram no Brasil depois que um homem negro foi espancado até a morte por seguranças de um supermercado, o vice-presidente Hamilton Mourão, afirmou: “para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil”.
A visita de von Storch a Bolsonaro gerou intensas críticas não só ao presidente, mas aos deputados federais que também a receberam: Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e Eduardo Bolsonaro, o filho 03.
Von Storch é neta de Lutz Graf Schwer, que foi ministro das Finanças do líder nazista Adolf Hitler e enfrenta investigação em seu país por ter defendido que a polícia alemã atirasse em migrantes sem visto que tentassem atravessar a fronteira da Alemanha – incluindo mulheres e crianças.
Ao comentar a visita de Von Storch, Bolsonaro argumentou que o tinha sido fortuito e agiu como desconhecesse o perfil da parlamentar.
“Na semana passada tinha um deputado chileno e uma deputada alemã. Conversei, bati um papo. Vai que a deputada alemã é neta de um ex-ministro do Hitler. Pô, me arrebentaram na imprensa. Eu acho que não pode ligar um filho ao pai, muitas vezes, um fez uma coisa errada, ligar ao outro. Os regimes comunistas, quando não encontravam o homem acusado de um crime, prendiam a esposa dele, prendiam filhos. Eu não posso atender essa deputada? Foi eleita democraticamente na Alemanha.”
As palavras de von Storch à BBC News Brasil, no entanto, sugerem uma ação muito mais coordenada entre o governo brasileiro e outras forças estrangeiras no mesmo espectro ideológico.
Ela mesma confirma isso em um artigo que escreveu no começo de agosto – depois da passagem pelo Brasil – para a publicação alemã conservadora Junge Freiheit.
“Se os conservadores não trabalharem juntos globalmente, vão sempre estar em desvantagem e perder a disputa. O governo Bolsonaro já entendeu isso e está aberto a cooperações com conservadores de outros países”, escreveu, entre elogios ao mandatário brasileiro.
As declarações de von Storch à BBC News Brasil acontecem ao mesmo tempo em que outro ícone da direita global se move para apoiar e fortalecer a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição em 2022: o ex-estrategista de Donald Trump, Steve Bannon.
No início de agosto, o deputado Eduardo Bolsonaro foi aos EUA. Mas ele não se encontrou com integrantes da gestão Joe Biden.
Ao contrário, visitou o ex-presidente americano Donald Trump em Nova York e postou foto ao lado do republicano na qual dizia: “Estou do lado dos que não se curvam ao politicamente correto”.
Na sequência, compareceu a um simpósio promovido pelo CEO da empresa de travesseiros MyPillow, Mike Lindell, um dos maiores defensores de Trump e propagador de falsas alegações de fraude eleitoral que teriam levado Biden à Casa Branca.
Em 12 minutos de apresentação no evento, Eduardo condensou – em inglês – as mais de duas horas de live que seu pai apresentou aos brasileiros dias antes na qual tentava apontar evidências de fraude eleitoral nas urnas eletrônicas.
Bolsonaro tem argumentado que as eleições só serão confiáveis caso haja voto impresso – mesmo depois de a Câmara dos Deputados ter derrubado em plenário a proposta de alteração do sistema. Ele chegou a dizer que sem voto impresso não haveria eleições.
Pouco após a exposição de Eduardo, o ex-estrategista de Trump, Steve Bannon, afirmou no mesmo palco que o pleito brasileiro de 2022 é a “segunda eleição mais importante do mundo”.
Von Storch partilha de opinião semelhante: “Depois da saída de Trump, Bolsonaro é o líder conservador mais importante do mundo ocidental”.
No evento de Lindell, em Sioux Falls, no Estado da Dakota do Sul, Bannon foi categórico em afirmar: “Bolsonaro vencerá a menos que seja roubado, adivinhem só, pelas máquinas (urnas eletrônicas)”.
Seu comentário remete não apenas às acusações de fraude recentes de Bolsonaro, reiteradamente desmentidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas a uma alegação do próprio Trump de que teria sido vítima de fraude em urnas eletrônicas nos Estados da Geórgia e do Arizona.
Nenhuma dessas alegações do republicano jamais foram comprovadas.
A interação entre Eduardo Bolsonaro e Steve Bannon no palco (Lindell chamou Eduardo de “amigo” de Bannon) evidencia a interlocução entre eles o que para muitos sugere um interesse mútuo de uma possível atuação de Bannon na campanha do Brasil.
Não seria a primeira vez que o estrategista americano se dedica a eleições fora dos EUA, mas pode ser a mais importante.
Há três anos, Bannon se lançou em uma excursão na Europa para dar consultorias de campanha a partidos de direita e extrema-direita, entre eles a AfD de von Storch.
Questionada pela BBC sobre qual seria o papel de Bannon em uma “internacional conservadora”, von Storch afirmou que “as ideias dele são uma inspiração para muitos conservadores em todo o mundo”.
Bannon foi procurado pela BBC News Brasil para comentar sua função na campanha brasileira de 2022, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
A respeito de como pretende apoiar o presidente Bolsonaro em sua campanha, Von Storch afirmou que respeita a soberania do povo brasileiro, a quem “exclusivamente cabe decidir sobre seu próximo governo”.
A deputada, no entanto, fez uma ressalva: “continua a ser importante que as eleições sejam auditáveis, a fim de dissipar as alegações de fraude eleitoral. Pelo menos a Corte Constitucional alemã exigiu isso aqui. Este deve ser o padrão para um Estado constitucional democrático”, afirmou von Storch.
A deputada se refere a uma decisão da Suprema Corte alemã de 2009 que decidiu que o uso de urnas eletrônicas era inconstitucional nas eleições para o parlamento, porque, segundo os juízes, os cidadãos não podiam se certificar de que seus votos haviam sido computados como eles o preenchiam.
A urna eletrônica começou a ser usada na Alemanha em 1999, mas em 2008 o sistema de voto em papel foi retomado.
Apesar disso, a Corte alemã validou os resultados eleitorais obtidos pelas urnas e afirmou não haver qualquer evidência de fraude em seu funcionamento pregresso.
Ao fazer tal afirmativa, von Storch revela alinhamento no discuro com Bannon e Bolsonaro, cada qual a sua maneira.
No Brasil, o TSE afirma que a urna eletrônica é auditável e segura, produz um extrato impresso dos votos que estão em cada aparelho e que a apuração pode ser acompanhada por representantes de partidos e da sociedade civil.
Questionada sobre a repercussão da reunião com Bolsonaro e sobre a lembrança de que seu avô serviu a Hitler, von Storch tergiversou. Afirmou que o assunto foi sequestrado pelas esquerdas brasileira e alemã.
“Eles tentaram sabotar nossas negociações sobre uma cooperação mais estreita entre os partidos conservadores e o governo, mas sem sucesso. Eles temem que essa cooperação internacional conservadora possa levar a uma promoção muito mais eficaz dos valores cristãos e conservadores no mundo ocidental. Isso limitaria a capacidade da esquerda de pressionar nossas instituições democráticas e influenciar a política”, disse Von Storch.
Para ela, as esquerdas usam a imprensa para espalhar suas narrativas.
Em um exemplo que deu em seu artigo ao jornal alemão, von Storch acusa o restante da imprensa do país de perfilar “Bolsonaro como o presidente que queima a floresta Amazônica e rouba terras de indígenas” e sugere que o discurso serve aos planos de “internacionalizar” a floresta, o que nenhum órgão multilaretal ou país jamais defendeu oficialmente.
“A disputa pela Amazônia não é apenas sobre a conservação da natureza ou do “clima”, mas também sobre os interesses econômicos globais e a luta pela soberania nacional”, diz von Storch.
Desde 2019, quando Bolsonaro tomou posse, o Brasil tem batido recordes de desmatamento de acordo com os dados oficiais.
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