Desfalcados, hospitais temem variante variante delta
Foto: Rubens Cavallari/Folhapress
Com o avanço da variante delta do coronavírus no país e provável aumento de novas internações por Covid-19 como já ocorre na Europa e nos Estados Unidos, uma nova preocupação ronda os gestores de hospitais públicos e privados: a dificuldade de reposição de médicos e outros profissionais da saúde.
O problema se agravou durante a pandemia, quando uma parte do contingente foi infectada pela Covid-19 e ainda enfrenta sequelas da doença ou pediu afastamento por transtornos mentais, como depressão, ansiedade e síndrome de burnout. Essas baixas se juntaram a outras que já aconteciam rotineiramente nos serviços de saúde.
Uma pesquisa divulgada pelo Sindhosp (sindicato paulista dos hospitais, clínicas e laboratórios privados) do início do mês mostra que o afastamento de funcionários representa hoje o maior entrave ao atendimento do paciente Covid: 46% dos gestores dos hospitais se queixaram disso.
Segundo Francisco Balestrin, presidente do Sindhosp, os hospitais ainda sofrem os efeitos da pandemia, em que muitos funcionários se afastaram por problemas de saúde ou desistiram do trabalho hospitalar temendo a infecção.
“Com a queda das internações, isso tem sido acomodado. Mas se a delta provocar mais hospitalizações, vamos voltar a ter os mesmos problemas que tivemos nos picos da pandemia.” Em março deste ano, por exemplo, 78% dos gestores relatavam o afastamento de funcionários por questões de saúde como o principal problema enfrentado na assistência de pacientes com Covid.
Para Antonio Brito, diretor executivo da Anahp (associação reúne os hospitais privados de excelência), há oferta de mão de obra da saúde no mercado, mas o principal desafio tem sido a reposição com funcionários qualificados.
“Há uma enorme insatisfação com a qualidade das pessoas que estão sendo colocadas no mercado. Os melhores hospitais estão tendo que passar os novos profissionais por um período muito intenso de treinamento. Isso envolve muito tempo e custo”, afirma.
A enfermeira obstétrica Natalia Sousa da Silva, 28, de Itapecerica da Serra (SP), lecionava e atuava no pronto-socorro de um hospital privado, supervisionando estagiários.
Ela aproveitou as férias no início de 2020 para investigar as fortes dores que sentia na região lombar. Ao se submeter a uma infiltração de corticoide no local da dor, perdeu os movimentos da perna esquerda.
Desde então, ela está afastada do trabalho, sente ainda muitas dores e faz condicionamento físico, fisioterapia e terapia ocupacional em uma das unidades da Rede de Reabilitação Lucy Montoro, do governo paulista.
“Estou aprendendo a aceitar a limitação e me preparando para um dia poder voltar ao trabalho. Sinto muita falta, mas sinto também muito medo de como será essa volta”, diz.
A dificuldade de reposição de quadros é enfrentada também pela rede pública de saúde que viu um grande número de servidores se afastar por problemas de saúde durante a pandemia.
Dados da coordenação de gestão de saúde do servidor da prefeitura de São Paulo mostram que desde o início da pandemia até o o último dia 10 foram registrados 11.816 pedidos de afastamento de servidores por suspeita de Covid-19. O número representa 9,4% do total de 125.072 servidores ativos.
Somente no mês passado houve 7.296 pedidos de perícia médica por motivo de saúde ou acidente de trabalho. “Não é possível especificar de quantos dias eram essas licenças, se elas foram concedidas e quais foram os motivos exatos, já que dependem de perícia”, diz a prefeitura em nota.
O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP) tem hoje 327 servidores da saúde afastados, entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. A administração espera desde maio uma autorização do governo paulista para repor 237 dessas vagas. Desde então, houve mais 90 pedidos de afastamento.
Até 2015, o governo do estado autorizava a reposição automática: saía um funcionário e logo entrava outro concursado no lugar. Mas isso mudou e hoje o gestor precisa entrar com processo com justificativa da contratação. As aprovações costumam demorar de quatro a seis meses para acontecer.
“Estamos muito preocupados. Se a delta provocar aumento de internações, não teremos como ampliar mais leitos de UTI Covid [com o atual quadro de funcionários]”, afirma o superintendente do HC-Ribeirão, Benedito Carlos Maciel.
Durante a pandemia, foram contratados funcionários temporários, por meio de uma fundação de apoio ao HC, para operar 82 leitos de UTI que ficaram destinados à Covid. Com a queda dos casos, o hospital voltou ao patamar anterior de leitos (56).
“Os profissionais ficaram muito esgotados, muitos não querem mais dar plantão. Às vezes, a gente contrata a pessoa para dar quatro plantões, ela só dá um e não quer mais. Tem sido um desgaste muito grande manter a equipes”, diz.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde diz que para reforçar as equipes do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto autorizou a contratação de cerca de 600 profissionais para a unidade desde 2019.
Desde o ano passado, diz a secretaria, foram abertas 1.300 vagas de Contrato por Tempo Determinado (CTD) para atuação em seus serviços. “A contratação de remanescentes de concursos ocorre mediante a demanda da rede hospitalar e depende também da anuência dos participantes.”
O médico intensivista Ederlon Rezende, membro do comitê executivo da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira), conta que hoje há um respiro nas UTIs em relação à Covid, mas que aumentou muito a pressão por outras demandas não Covid, que ficaram represadas durante a pandemia, em especial as cirurgias.
“Muitas cirurgias estão sendo feitas tardiamente, com pacientes mais graves. E os profissionais de saúde ainda enfrentam as consequências da pandemia, uma sobrecarga física e emocional muito pesada. Nunca vi tanto burnout”, afirma.
A situação só não está pior porque a vacinação provocou uma redução expressiva dos afastamentos por Covid-19, segundo Nacime Salomão Mansur, superintendente das instituições afiliadas à SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), responsável pela gestão de 26 hospitais, além de ambulatórios e outras unidades de saúde.
Uma pesquisa feita pela SPDM em 20 hospitais, ambulatórios e unidades de saúde, com 22.510 funcionários, mostra que houve uma queda de 53,5% de dias perdidos de trabalho em maio deste ano em relação ao mesmo mês de 2020 —de 33.169 para 15.410.
O número de profissionais infectados por Covid-19 passou de 800 em maio de 2020 para 192 em junho, quando 95% deles já tinham sido vacinados contra a Covid-19.
Segundo o levantamento, houve 5.317 casos de Covid-19 e 14 mortes após a vacinação. Os óbitos aconteceram no período em que o profissional não estava completamente imunizada com as vacinas Coronavac e AstraZeneca.
Dos casos ocorridos depois da imunização completa (721), não houve óbito; 19 (2,64%) necessitaram de internação. A SPDM tem hoje 684 funcionários afastados por vários motivos, entre eles Covid e burnout.
Mansur afirma uma das principais dificuldades para repor o quadro tem sido encontrar profissionais qualificados disponíveis para o trabalho.
Atualmente, as enfermarias Covid dos hospitais administrados pela SPDM estão com 20% de taxa média de ocupação, e as UTI, de 30% a 40%. Existem cerca de 750 leitos ainda reservados para Covid_no auge da pandemia foram mais de mil.
“Estamos inseguros em reverter totalmente os leitos Covid em não Covid porque não sabemos como essas novas variantes vão se comportar. A delta tem assustado. Ainda há uma insegurança no controle da pandemia”, diz.
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