Juiz de SP dá decisão “estranha” sobre jornalista injuriada por blogueiro
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
A Justiça de São Paulo negou o pedido de indenização por danos morais movido pela repórter da Folha Patrícia Campos Mello contra Allan dos Santos, fundador do site bolsonarista Terça Livre.
A decisão é do juiz Daniel Serpentino, da 12ª Vara Civil de São Paulo. Ele julgou improcedente o pedido pois entendeu que as manifestações de Allan dos Santos estavam abarcadas pela liberdade de expressão e de imprensa. A repórter irá recorrer da decisão.
Na sentença, o juiz afirma que “(…) pode-se concluir que se encontram as manifestações de Allan dos Santos —ainda que se discorde de sua forma e conteúdo e a despeito do impacto no ânimo da autora—sob o manto da garantia de liberdade de imprensa e de expressão do pensamento, da valoração crítica de fatos de relevante destaque público”.
A ação cível de reparação por danos morais foi apresentada contra Allan dos Santos em decorrência de ataques de conotação sexual à repórter.
“A atitude do réu não abrange simples ofensa, nem se trata de expressão do pensamento. Constitui, ao contrário, discurso de ódio contra a mulher. São atitudes misóginas e sexistas, desferidas, todas, no sentido de provocar atroz constrangimento, subjugar e sujeitar a profissional mulher à execração pública. Confio na reforma da decisão”, afirmou a advogada Taís Gasparian, que representa Patrícia.
O ponto de partida da ofensiva contra a repórter foram as declarações feitas por Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa, à CPMI das Fake News, no Congresso, em 11 de fevereiro de 2020.
A repórter teve ganho de causa nas outras ações que moveu relativas ao episódio. Tanto o presidente Jair Bolsonaro, quanto o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Hans River foram condenados a indenizar Patrícia por danos morais.
Hans River trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.
Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha baseada em documentos da Justiça e em relatos de Hans mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nomes e CPFs de idosos para registrar chips de celular e assim conseguir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.
Sem apresentar provas, Hans afirmou a deputados e senadores, em sessão com transmissão ao vivo, que Patrícia queria “um determinado tipo de matéria a troco de sexo”.
A petição inicial do processo afirma que a edição de um programa do Terça Livre veiculada em 12 de fevereiro teve como título “O Prostíbulo em Desespero” e propagou informações falsas sobre o episódio.
“Os réus foram alguns dos maiores vetores da divulgação das informações mentirosas prolatadas por Hans e agregaram a elas novas informações falsas e comentários ofensivos, além de incitar uma verdadeira perseguição à autora”, alegou a petição.
Ante o fato de Patrícia ter apresentado em reportagem as mensagens trocadas com Hans, autenticadas por meio de ata notarial, que desmentiam a versão dada por ele na CPMI, “o réu [Allan] mentiu ao afirmar que as mensagens trocadas entre Patrícia e Hans River foram ‘forjadas’ e ‘um golpe'”, diz a defesa de Patrícia.
Entre as postagens em redes sociais de Allan dos Santos incluídas na ação e destacadas pelo juiz na sentença estão “Essa operação toda cheia de print FAKE é só para tentar desfazer a possibilidade de uma foda por um furo?”, “Viu isso, @camposmello? Acho melhor colocar os nudes, se ocorreram. Seria menos vergonhoso” e “Não tenho palavras para descrever a minha indignação. Para evitar xingar meretrizes em busca de furo, falarei apenas isso para os jornalistas da moral seletiva: vão tomar no cu”.
De acordo com a sentença do juiz, “(…) as manifestações de Allan dos Santos com a sua valoração dos fatos —incluídos os juízos sobre serem as mensagens forjadas (em razão do hífen) e sobre a jornalista— ainda que realizadas de forma contundente ou áspera, mordaz e ácida, por vezes satírica, jocosa ou irônica, não consubstanciam violação aos limites da liberdade de expressão e de informação, análise, opinião e crítica jornalística”.
O juiz afirma ainda que “o jornalista deve guardar compromisso com a verdade, mas não se pode exigir que apure de forma precisa e exauriente, ainda mais no ʽcalor dos fatosʼ”.
Assim como no processo cível contra o presidente Bolsonaro, a ação contra Allan dos Santos teve como fundamento legal o artigo 186 do Código Civil, que enquadra como ilícitos os atos daqueles que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violarem direito e causarem dano a outras pessoas, ainda que exclusivamente moral.
Em março, o presidente foi condenado a indenizar Patrícia Campos Mello em R$ 20 mil por danos morais. A magistrada considerou que Bolsonaro violou “a honra da autora, causando-lhe dano moral, devendo, portanto, ser responsabilizado”.
A repórter acionou a Justiça após sofrer um ataque, de cunho sexual, no dia 18 de fevereiro de 2020.
“Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]”, disse Bolsonaro durante entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada. Após uma pausa durante os risos, ele concluiu: “a qualquer preço contra mim”.
A palavra “furo” é um jargão jornalístico para se referir a uma informação exclusiva.
Também Eduardo Bolsonaro foi condenado a indenizar a jornalista, em R$ 30 mil, por danos morais. Em transmissão ao vivo, Eduardo afirmou que a jornalista “tentava seduzir” para obter informações que fossem prejudiciais ao seu pai. A live foi ao ar pelo canal do Terça Livre no YouTube em 27 de maio do ano passado.
Em abril deste ano, a Justiça de São Paulo condenou Hans River a indenizar Patrícia em R$ 50 mil por danos morais.
O Terça Livre foi removido do YouTube em julho após decisão da Justiça favorável ao Google. O canal violou as regras da plataforma ao publicar um vídeo sugerindo fraude nas eleições presidenciais dos Estados Unidos após a derrota de Donald Trump no fim do ano passado.
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