Oficial da PM viraliza na internet defendendo a legalidade

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Foto: Ellen Cursino/Divulgação

Ao tomar contato com mensagens e vídeos de colegas policiais militares, da ativa e da reserva, convocando as tropas para o ato bolsonarista de 7 de Setembro na avenida Paulista, o tenente-coronel da reserva Paulo Ribeiro, 58, decidiu também se pronunciar.

Num vídeo de alta circulação, o oficial piauiense que fez carreira na região do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, alertou para a manipulação que “aventureiros e irresponsáveis” tentam fazer com os combatentes da Polícia Militar de São Paulo em nome de “objetivos espúrios”.

Ribeiro, que já integrou a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), exortou os colegas a se manterem “firmes e leais ao povo de São Paulo” e a se afastarem da defesa de “um presidente que nada faz pela PM”.

“A PM se destina à estrita obediência do ordenamento jurídico e à defesa da dignidade humana. Sendo, portanto, vedado a seus integrantes pregar a ruptura institucional e democrática do país”, afirmava na mensagem gravada.

O 7 de setembro, data de celebração da Independência do Brasil, foi escolhido por simpatizantes do presidente da República para manifestações de apoio a Jair Bolsonaro, que estará presente no ato da capital paulista.

O governador João Doria (PSDB) alertou autoridades para o risco de infiltração bolsonarista nas PMs. E há expectativa de que os protestos incluam pautas antidemocráticas e golpistas.

“Chega de sermos massa de manobra. Foi por isso que eu me levantei e resolvi usar minha voz para denunciar que estamos prestes a sermos usados de forma grave, que é a quebra da ordem institucional do país”, alerta ele, que entrou na PM como soldado e fez carreira nas baixas patentes antes de ingressar no oficialato. “Seremos usados e depois abandonados com uma mão na frente e outra atrás.”

Em entrevista à Folha, o tenente-coronel disse temer menos grandes lideranças do que “o guarda da esquina”, segundo ele mais sujeito ao “canto da sereia” bolsonarista, o que pode gerar quebra de ordem.

Para ele, outro fator que pesa na crise atual é o “silêncio dos bons”. ” Nosso pessoal que é respeitador está muito calado. Temos que mostrar que estamos aqui e precisamos lutar pela legalidade do país.”



Como o sr. avalia a convocação de policiais militares para os atos de 7 de Setembro? O 7 de Setembro é uma data cívica e pegaram carona nela para fazer exatamente o contrário: tentar desmantelar a parca situação de independência do país, pregando a destituição das instituições constitucionais mantenedoras do nosso tênue Estado democrático.

Tudo isso em benefício de um exercício irregular e, acima de tudo, ilegal e desleal de um poder que foi conseguido pela via legal, pelo voto. Se a avaliação é que temos uma instituição que não funciona, basta buscar o remédio legal, jurídico, que existe para resolver a questão.

O sr. se refere à avaliação que apoiadores do presidente fazem da atuação do Supremo Tribunal Federal? Falo de qualquer instituição. Se a avaliação é que o Congresso não funciona, as eleições do ano que vem estão aí para corrigir isso. E acabamos de ver um processo de impeachment ser protocolado [contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF]. Esse é o caminho.

Pessoas de caráter duvidoso têm feito uma leitura limitada do primeiro artigo da Constituição que diz que todo poder emana do povo. Com isso, querem convencer pessoas desprovidas de conhecimento que elas podem fazer uma tomada da Bastilha. É preciso lembrar do restante desse parágrafo que diz que esse poder é exercido por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição.

Quais os riscos de uma participação de PMs nos atos do 7 de Setembro? A PM é composta por quase 90 mil pessoas na ativa. São 90 mil cabeças que pensam diferente, mas que têm como referência a própria instituição da PM de São Paulo, que é legalista, apartidária e apolítica.

Quando eu entro para uma instituição como a PM, eu faço uma escolha, e cada escolha implica uma renúncia.

Na condição de policial militar, não adianta eu estar de folga ou à paisana porque, enquanto eu estiver na ativa, eu represento uma instituição e minhas expressões e opiniões têm de estar de acordo com essa condição.

E quanto maior a posição na hierarquia, mais peso terá minha influência como formador de opinião e maior será a minha responsabilidade penal, civil ou administrativa em relação a ela.

Mas o que me assusta neste momento não são grandes líderes, mas “o guarda da esquina”, aqueles que estão na base das instituições e que podem ser seduzidos por esse “canto da sereia” de Bolsonaro, gerando quebra da ordem.

Usar policiais e instituições sólidas e necessárias como a PM numa aventura dessas, além de ser uma ilegalidade, é um ato de covardia, porque são homens e mulheres formadores de opinião, que têm peso referencial na sociedade e andam armadas. Usar essa imagem é uma covardia.

Policiais militares têm várias manifestações restritas pelo seu regimento. Como avaliou o caso do coronel Aleksander Lacerda e sua convocação para o ato? Somos contemporâneos de academia. E não tenho nada a dizer contra sua índole. Ele tem a sua postura ideológica e, a meu ver, cometeu um deslize ao se manifestar publicamente a respeito de assuntos que não deveria, até por força do regulamento.

Há um processo em curso e ele terá o direito de defesa. O devido processo legal deve ser respeitado para todo mundo, inclusive policiais militares.

Um coronel da reserva declarou que mais de 80% dos policiais de SP são bolsonaristas. O sr. concorda? A instituição é apartidária. Tudo o que ela é está escrito no seu ordenamento jurídico e isso não inclui ideologia, mas o compromisso com a defesa da dignidade humana. Nesse papel, atendemos ao povo de São Paulo em qualquer lugar onde alguém se encontre. E 80% dos nossos atendimentos são sociais, e não criminais. Esse pessoal indisciplinado é pouco, mas é barulhento.

E, nesse momento de crise, o que mais está nos atrapalhando é o silêncio dos bons. Nosso pessoal que é respeitador está muito calado. Temos que mostrar que estamos aqui e precisamos lutar pela legalidade do país.

Por que então parece haver tanta aderência de policiais ao discurso bolsonarista? Porque Bolsonaro usa um discurso de empoderamento e de onipotência de policiais. Aqueles que não têm discernimento político suficiente não percebem que aquilo que ele fala não tem lastro, não passa de venda de fumaça.

Bolsonaro é um vendedor de ilusões. Durante a reforma da Previdência, eu participei para garantir nosso sistema de proteção social, e sei que ele não moveu uma palha para nos ajudar. No final, quando viu que ia ficar ruim, apareceu para posar para a foto com o pé em cima do leão.

Seu discurso encanta os desprovidos de discernimento. Casa própria para os PMs foi a última dele. Todo mundo ficou contente. Ele liberou R$ 100 milhões, que já foram cancelados, e que não ajudariam nem a construir casas para os quase 3.000 policiais aqui do Vale do Paraíba.

Mas o que fica é o discurso. E povo conspira com quem acha que o protege. E essa adesão também se deve, em parte, a um abandono a que nós, forças policiais, estamos submetidos há mais de 25 anos no estado de São Paulo. Esse é o cerne da questão.

Como assim? Prometeram [referindo-se a promessa de campanha de Doria] que seríamos a segunda força policial mais bem paga do Brasil. Muitos policiais acreditaram, e hoje seguimos na penúria. Somos a segunda do Brasil se você virar a lista de salário da cabeça pra baixo.

Portanto o governador de São Paulo tem responsabilidade pessoal por esse problema que estamos passando hoje. Ele abriu mão de uma condução efetiva da segurança pública e das forças policiais dando chance para que outro aventureiro viesse, sem oferecer nada, a não ser um discurso raso, e envolvesse essa base da polícia.

O que mais dói é vermos que há pessoas dentro da polícia, seja da ativa ou da reserva, que estão sugerindo e induzindo, até de forma ostensiva, a participação de PMs em ato que vai contra as instituições legalmente constituídas.

O que governadores podem fazer agora? Eles têm responsabilidade na condução desse processo, são os comandantes-em-chefe das polícias militares. Eles têm de trazer para si a responsabilidade, convocar os comandantes das polícias e ditar o ritmo dos fatos para depois cobrar.

Ao primeiro sinal de insubordinação, agir dentro da lei. E existe lei para isso. Não podemos ser complacentes com a quebra da ordem disciplinar no Brasil inteiro. As polícias são forças que têm capilaridade muito grande. Até onde não tem igreja, tem um PM.

E qual é o risco de policiais militares encamparem uma aventura golpista? Acho que não existe a menor possibilidade. Mas há risco de condução irresponsável de uma manifestação dessas. Nosso policial, que é um trabalhador sério, pode ser motivado por esse canto da sereia, por um discurso comovente. Mas, no final das contas, é ele quem será responsabilizado.

Policiais militares da ativa, por força do regulamento disciplinar, são proibidos de participar de eventos de caráter político-partidário como esse imaginado para o dia 7 de setembro sob pena de incorrerem em transgressões disciplinares ou mesmo em crimes.

Não podem alegar que, pelo fato de o presidente não ter partido, o evento será apartidário. Isso atenta contra qualquer inteligência.

Quanto aos policiais da reserva, eles continuam sob o alcance do Regulamento Disciplinar e do Código Penal Militar caso suas opiniões ou atos ultrapassem o legítimo direito de manifestação de pensamento ou reunião. Aos poucos, os profissionais da segurança pública estão percebendo a inconsistência dessa convocação e virarão as costas para curtir o feriado.

Por que o sr. resolveu gravar um vídeo para se contrapor às convocatórias de colegas? Sou muito leal à instituição que transformou um pintor de grade em quem eu sou hoje, me proveu condições de formar meus filhos, uma delas em química pela USP, e ter uma casa própria. Então não é possível aceitar que pessoas usem essa instituição de forma irresponsável. Isso pode fazer da polícia terra arrasada, uma instituição desacreditada e manipulada.

PAULO RIBEIRO DA SILVA, 58
Natural de Teresina (PI), entrou para a Polícia Militar de São Paulo em 1984 como soldado e fez carreira nas baixas patentes antes de entrar para o oficialato. É bacharel e mestre em ciências policiais de segurança e ordem pública pela Academia de Polícia Militar do Barro Branco, na capital paulista. Também é formado em Operações Especiais (COE), Ações Táticas Especiais pelo GATE, Força Tática e Controle de Distúrbios Civis. Em 2020, já na reserva, foi candidato a vice-prefeito de Taubaté (SP) pelo Solidariedade

Folha de S. Paulo

 

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