Ciro, Doria e Leite atacam Lula, mas eleitores rejeitam
Foto: Divulgação/ MBL
Ao assumirem uma estratégia eleitoral com foco no antipetismo, presidenciáveis da chamada “terceira via” contradizem a tendência de parte do seu eleitorado de convergir para o antibolsonarismo em um eventual segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022.
A tática anti-PT é baseada no cálculo dos presidenciáveis de que uma participação deles no segundo turno só virá à custa do derretimento de Bolsonaro, o que os levaria a um enfrentamento com Lula.
Entre estrategistas do PDT de Ciro Gomes e do PSDB de João Doria e Eduardo Leite, a ideia é cavar a ida à segunda fase do pleito com o argumento de que a “terceira via” tem chances de vencer Lula, enquanto Bolsonaro perdeu essa capacidade em razão dos recordes de desaprovação e rejeição.
Caso o segundo turno entre Lula e Bolsonaro se confirme, pesquisa Datafolha mostra que, hoje, o antibolsonarismo seria uma força maior do que o antipetismo na segunda etapa da eleição, o que torna a tática de mirar Lula mais arriscada, já que afugentaria uma parcela de ocasionais apoiadores.
Eleitores de Ciro e dos dois tucanos, que disputam as prévias do PSDB para a escolha do candidato presidencial, tendem a preferir o petista, embora a parcela que votaria em Bolsonaro ou em nenhum também seja expressiva a ponto de causar empates dentro da margem de erro com a parte pró-Lula.
A pesquisa Datafolha, realizada nos dias 13 a 15 de setembro, ouviu 3.667 eleitores de forma presencial em 190 cidades. O resultado mostrou Lula mantendo larga vantagem sobre Bolsonaro na dianteira da disputa.
Ciro, que desde 2018 ampliou o descolamento do PT e adotou as críticas mútuas a Bolsonaro e Lula como foco de sua pré-campanha para 2022, deverá manter essa linha, de acordo com aliados, na intenção de se apresentar como uma opção diferente, ou seja, um tipo de governo que ainda não foi experimentado.
Os ataques a Lula, contudo, causam ruído não só em uma parcela dos apoiadores, mas também entre colegas de partido, conforme mostrou a Folha em junho.
Entre quem vota em Ciro no primeiro turno, 58% votam em Lula e 17% escolhem Bolsonaro em um segundo turno sem a presença do pedetista – 26% não querem nenhum dos dois. A margem de erro é de cinco pontos para mais ou para menos.
O presidente do PDT em São Paulo, Antonio Neto, afirma que o partido está “convicto em apresentar uma alternativa” que não seja “nem o passado nem o presente”. “Vamos bater no sistema, não no partido ou nas pessoas. Queremos mudar essa política e vamos ter que escancarar isso”, diz.
Questionado sobre Ciro errar ao atacar Lula e Bolsonaro pessoalmente, Neto afirma que não vê equívoco. “Ele tem dados e informações para falar isso, conhece bem os atores. Ciro fala da visão que ele teve de dentro”, segue. O presidenciável foi ministro do governo Lula. Para o ex-deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), a sobreposição de parte dos eleitorados de Ciro e Lula é algo natural e as críticas à era petista são embasadas. “Independentemente das palavras do Ciro sobre o Lula e do Lula sobre o Ciro, é o eleitorado que faz a aliança, é ele que escolhe”, diz.
Miro afirma ainda que seu trabalho e o da militância “é para que o Ciro esteja no segundo turno” e que a estratégia do pré-candidato para se diferenciar dos atuais líderes das pesquisas é a única possível. “Se o Ciro apoiasse um dos dois [Lula ou Bolsonaro], ele não seria candidato”, sintetiza.
Principais forças hoje dentro do PSDB, Doria e Leite adotarão estratégias distintas, em caso de vitória nas prévias. Ambos seguirão suas linhas atuais – o gaúcho com uma oposição mais comedida, enquanto o paulista não poupa a retórica incisiva contra Lula e Bolsonaro.
Doria, que trava um embate com Bolsonaro a respeito da gestão da pandemia e se tornou um dos principais nomes de oposição ao presidente, afirmou na segunda-feira que o tom anti-PT será forte caso se confirme sua tentativa de chegar ao Planalto.
“Esse antipetismo será predominante dentro da nossa campanha, com muita clareza”, disse.
Ao fazer sua inscrição nas prévias, o tucano criticou diretamente os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff (ambos do PT), citando “o maior esquema de corrupção do qual se tem notícia”, mas deixou implícitas as críticas ao governo de Bolsonaro, mencionando retrocesso democrático e defesa da urna eletrônica.
Embora o paulista esteja voltando sua mira para o PT, o Datafolha mostra que seus eleitores tendem a preferir Lula a Bolsonaro em um segundo turno entre os dois. No total, 42% dizem que escolheriam Lula, contra 23% que votariam em Bolsonaro. Uma parcela expressiva de 35% afirma que votaria nulo ou em branco. A margem de erro, nesse caso, é de sete pontos para mais ou para menos.
Apesar disso, aliados do governador e mesmo membros da direção do PSDB não consideram um erro adotar a estratégia do antipetismo. Isso porque, segundo eles, se Doria chegar ao segundo turno, provavelmente será contra Lula – que vence em todos os cenários de segundo turno hoje.
O presidente estadual do PSDB de São Paulo, Marco Vinholi, avalia a tática de Doria como acertada. “Os números demonstram que quem tem condições derrotar Lula no segundo turno é a ‘terceira via’. O projeto bolsonarista perdeu a consistência e a viabilidade eleitoral”, diz.
Para os tucanos, enquanto Bolsonaro derrete naturalmente, os ataques a Lula fariam o eleitorado recordar escândalos de corrupção da era petista. A leitura é a de que o brasileiro tende ao conservadorismo e à direita e criou repulsa ao PT, tanto que elegeu Bolsonaro. Daí a intenção de acenar a esse grupo.
Há ainda a questão de que uma parcela significativa do eleitorado das prévias tucanas, inclusive boa parte dos deputados federais do PSDB, é alinhada a Bolsonaro, o que explicaria a fala de Doria sobre a predominância do antipetismo em sua campanha.
Membros do partido afirmam, no entanto, que o adesismo da bancada ao governo é um aspecto lateral no momento de pensar táticas eleitorais. É crescente a pressão no PSDB para que os deputados fiéis a Bolsonaro se enquadrem no papel de oposição ou deixem a sigla.
Aliados de Doria ouvidos pela Folha ressaltam, porém, que o governador paulista não será apenas anti-Lula, mas também anti-Bolsonaro, e pregaram o caminho do meio.
Vinholi diz que a aposta é em um “eleitor de centro, contra os dois extremos”. “A gente se posiciona como via alternativa aos dois na mesma intensidade. Somos ‘antibolsopetista'”, resume. Para o dirigente, os números das pesquisas só se consolidarão mais adiante.
Leite, diferentemente de Doria, afirmou, na terça-feira, que não baseará sua campanha no antipetismo ou no antibolsonarismo e pregou a conciliação do país. Sua carta de inscrição nas prévias tem críticas veladas aos dois lados.
De acordo com o Datafolha, seus eleitores se dividiriam, em um segundo turno, em 43% para Lula, 27% para Bolsonaro e 27% em nulo ou branco. A margem de erro é de oito pontos para mais ou menos. Leite afirmou ser cedo para tirar conclusões das pesquisas, mas ressaltou a alta rejeição dos atuais líderes.
A estratégia do governador gaúcho, contudo, é falar com o eleitor que rechaça não apenas as figuras de Lula e Bolsonaro, mas a polarização em si. À “Folha” ele diz que o antipetismo não é uma estratégia eleitoral adequada e que “falta ao país um projeto de construção”.
“A gente não precisa de um terceiro polo de radicalização. A gente precisa de uma ‘terceira via’. Não adianta entrar na polarização polarizando mais ainda”, afirma.
“Olho para a eleição e o pós-eleição 2022. O Brasil precisa superar essa crise política. Temos que ganhar do jeito certo. Pelas nossas qualidades e virtudes do nosso projeto, e não pelos defeitos dos outros.”
Na terça, Leite respondeu à declaração de Doria sobre o antipetismo e afirmou ter um estilo diferente, de “não promover ataques às pessoas”. Segundo ele, as pessoas não aguentam mais o que chamou de guerra.
“Não desejo ser presidente para brigar com Lula ou Bolsonaro”, diz a carta. O gaúcho, porém, não deixou de fazer críticas a ambos ao afirmar que o atual presidente não respeita espaços de contestação e que sua eleição foi “resultado de uma política feita com divisão pelo próprio Partido dos Trabalhadores”.
A aposta da “terceira via” no antipetismo faz sentido, porém, segundo as tendências apontadas pelo Datafolha de migração do voto bolsonarista – caso Bolsonaro não chegue ao segundo turno, como esperam tucanos e pedetistas.
A pesquisa mostra que quase metade dos bolsonaristas rejeita escolher Lula e se mostra resistente à “terceira via”. Tal parcela poderia ser atraída pelo antipetismo demonstrado por candidatos de PDT e PSDB.
A atração de eleitores de Bolsonaro é maior com Ciro. Entre o pedetista e Lula, 11% dos bolsonaristas votariam no petista e há um empate na margem de erro, de três pontos nesse caso, entre os que votariam em Ciro (46%) ou em nenhum, branco ou nulo (42%).
Na escolha entre Lula e Doria (opositores contundentes do presidente), a maior parcela dos eleitores de Bolsonaro não quer ninguém: 48%. Uma fatia de 12% escolhe Lula, e 39% preferem Doria. A margem de erro é de três pontos.
Na situação contrária e considerada menos possível – de Lula não chegar ao segundo turno e a “terceira via” enfrentar Bolsonaro –, o Datafolha mostra que os petistas migram em parcelas majoritárias para Ciro (75%) e Doria (69%). A margem de erro é de três pontos nesse caso.
Ou seja, esse movimento é tido como certo, mesmo que os canhões de tucanos e pedetistas se voltem contra Lula, devido à ojeriza da esquerda a Bolsonaro.
Os cenários de rejeição medidos pelo Datafolha confirmam a tendência de eleitores de Ciro, Doria e Leite terem maior aversão a Bolsonaro do que a Lula. Novamente, no entanto, o eleitorado tucano aparece como levemente mais inclinado a dar um voto ao atual presidente do que ao petista.
Enquanto o índice dos que não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro chega a 79% entre os simpatizantes de Ciro, cai para 74% entre os apoiadores de Doria e para 68% entre os de Leite. Sobre Lula, os percentuais são de, respectivamente, 53%, 60% e 52%.
No quadro geral da pesquisa, 59% disseram que não escolheriam Bolsonaro de maneira nenhuma e 38% responderam não apertariam o número de Lula. Ciro tem rejeição de 30%, Doria de 37% e Leite de 18%.
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