Coaf detecta atividade suspeita na conta de ex de Bolsonaro
Foto: Reprodução
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) identificou duas movimentações suspeitas na conta da advogada Ana Cristina Valle, segunda mulher do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). As operações coincidem com as datas em que ela vendeu em 2011 um conjunto de cinco terrenos. O Coaf identificou, ao menos, dois depósitos em espécie que totalizaram R$ 532,2 mil.
A coluna teve acesso às escrituras da venda dos terrenos que mostram que os valores do negócio foram, inclusive, superiores a esse montante em dinheiro vivo verificado nos depósitos. Ela é investigada pelo MP-RJ junto com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo período em que foi chefe de gabinete do ex-enteado (2001 a 2008). O promotor Alexandre Murilo Graça, da 3ª PIP (Promotoria de Investigação Penal), apura a existência de um esquema de rachadinha e da nomeação de “funcionários fantasmas” no gabinete do “02”.
No pedido de quebra de sigilo bancário feito pelo MP, os promotores informaram que o Coaf produziu relatórios a partir da identificação de duas movimentações suspeitas. A primeira foi um depósito de R$ 191,1 mil em dinheiro vivo feito pela própria Ana Cristina em uma conta dela no dia 18 de março de 2011.
Neste mesmo dia, a advogada registrou no 2º Ofício de Notas de Resende, cidade do Sul do Estado do Rio, a venda de um terreno de 3 mil metros quadrados com uma pequena construção. Na escritura da venda, Ana Cristina declarou que a venda saiu por R$ 1,15 milhão. Desse total, foi descrito que a advogada “declarou haver recebido da seguinte forma: R$ 850 mil em moeda corrente e legal do país” e ainda um apartamento no valor de R$ 300 mil. Os compradores foram duas empresas: Alambari Empreendimentos e Participações Ltda e Petrili Administração Patrimonial Ltda
A segunda movimentação suspeita de Ana Cristina foi um novo depósito de dinheiro vivo no valor de R$ 341,1 mil feito no dia 6 de julho de 2011. Na mesma data, Ana Cristina registrou em cartório outra venda de um conjunto de 4 terrenos que somados dão quase 5 mil metros quadrados e custaram um total de R$ 700 mil. Na escritura, a ex-mulher de Bolsonaro declarou que recebeu um cheque de R$ 670 mil e outros R$ 30 mil em “moeda corrente e legal do país”. O comprador foi novamente a Alambari Empreendimentos.
Os cinco terrenos tinham sido comprados anteriormente por Ana Cristina no período da união com Jair Bolsonaro e quando ela era chefe de gabinete de Carlos Bolsonaro. As aquisições ocorreram ao longo do ano de 2006 e saíram, no que foi declarado em cartório, a apenas R$ 160 mil. Os terrenos, porém, tinham sido avaliados pela prefeitura de Resende para cálculo de ITBI por um total de R$ 743,6 mil, quase cinco vezes o valor que foi pago. Quando o casal se separou, Ana Cristina ficou com a maioria dos bens do casal, o que incluiu esses cinco terrenos. Assim, ao revender por R$ 1,9 milhão, ela teve um lucro de 1.100%.
O MP registrou ainda, no pedido de quebra de sigilo, que o Coaf apontou informações de que a conta de Ana Cristina tem “movimentação acima da capacidade financeira cadastrada”, bem como “movimentação atípica e incompatível com os dados cadastrais” e ainda transferências atípicas que podem “configurar a existência de indícios do crime de lavagem de dinheiro”.
Os investigadores ainda avaliam que a “elevada movimentação de recursos em espécie por Ana Cristina Vale sugere que a mesma seja a real destinatária dos recursos públicos desembolsados em nome dos parentes por ela indicados para o gabinete de Carlos Nantes Bolsonaro”. No período em que ela foi chefe de gabinete outros sete parentes dela estiveram nomeados no gabinete do “02”. Mas, ao todo, 18 parentes dela estiveram nomeados em gabinetes da família Bolsonaro em algum momento.
Em julho, a coluna mostrou gravações de parentes de Ana Cristina admitindo a devolução de salários e o envolvimento direto do presidente Jair Bolsonaro. O material está no podcast UOL Investiga – A vida secreta de Jair.
Ouça os detalhes desta história no episódio abaixo do podcast “UOL Investiga – A vida secreta de Jair”.
A coluna questionou Hérica Gonçalves, representante da Alambari no negócio, e ela disse apenas que a “Alambari não foi a única pagadora, pois houve outros compradores e não coube à Alambari pagar o valor total da compra”. Além disso, informou que a “escritura fala em pagamento em moeda corrente (real), mas não especifica o meio de pagamento, de forma que não se pode concluir que teria havido pagamento em espécie”. Hérica informou que a Alambari desembolsou um quarto do total pago para Ana Cristina no negócio. Sobre o depósito em espécie disse que não sabia. “Nada foi pago em espécie (da parte da Alambari). Quanto a entrada na conta dela, não posso lhe falar”, completou.
A Petrili Administração Patrimonial não retornou aos contatos da coluna e o advogado Magnum Cardoso, que atua na defesa de Ana Cristina, disse que “com relação aos questionamentos não vamos nos manifestar”.
A Alambari Empreendimentos possui entre seus sócios a mãe de Marcelo Traça, empresário do setor de ônibus que foi investigado pela antiga Operação Lava-Jato no Rio. Ao longo do caso, ele se tornou colaborador premiado e suas revelações foram essenciais para os investigadores desenvolveram a chamada “Operação Cadeia Velha”, que prendeu dois ex-presidentes da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) no esquema que ficou conhecido pela “caixinha de propina” da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro).
Na delação, Traça admitiu que adquiria imóveis como forma de lavar dinheiro. Segundo reportagem da revista Época, a família de Traça chegou a ter uma administradora de bens imobiliários próprios e os investigadores não descartam que o imóvel comprado pela Alambari de Ana Cristina pode fazer parte deste esquema. Traça omitiu na sua delação premiada as negociações com a ex-mulher de Bolsonaro. Na ocasião da reportagem, em julho do ano passado, informou por sua defesa que o negócio com a ex-mulher do presidente “foi uma transação imobiliária como qualquer outra”.
Traça admitiu ainda na colaboração que usava a empresa da família, inclusive, para adquirir imóveis em nomes de políticos que integravam o esquema da caixinha da Fetranspor.
No mês passado, a coluna mostrou que Ana Cristina se mudou para uma mansão avaliada em R$ 3,2 milhões em Brasília. Ela diz que alugou o imóvel, mas um ex-funcionário dela denuncia que ela comprou a mansão com o uso de laranjas.
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