Com negacionistas alemães, Bolsonaro volta a mentir
Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro voltou a divulgar mentiras sobre a covid-19 e as vacinas, além de acusar falsamente hospitais de inflar estatísticas de mortes na pandemia para “ganhar mais dinheiro”. As declarações foram dadas em entrevista a integrantes de um grupo negacionista de extrema-direita alemão. Trechos do vídeo foram divulgados pelo site de notícias Metrópoles nesta quinta-feira, 23 de setembro. A gravação foi feita no dia 10, mas o compromisso não constou da agenda oficial.
O Estadão Verifica encaminhou ao Palácio do Planalto, perguntas sobre a entrevista, mas não obteve resposta até o momento. Leia abaixo nossa checagem:
O que Bolsonaro disse: que hospitais públicos supernotificaram casos e enviaram pessoas para Unidades de Terapia Intensiva (UTI) de Covid-19 porque assim ganhariam “mais dinheiro”. O argumento do presidente é que o leito para outras doenças custaria a metade.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Bolsonaro distorce dados para reforçar a narrativa fantasiosa de que há superdimensionamento de casos de covid e mortes no Brasil. Na realidade, especialistas alertam para um provável cenário de subnotificação em razão do baixo volume de testes no País, falhas no processo de diagnóstico e mesmo erros e fraudes em certificados de óbitos (a CPI da Covid apura um caso do tipo na rede Prevent Senior).
O presidente já havia difundido a mesma teoria em junho deste ano, quando alegou que um “relatório do TCU” teria constatado que “em torno de 50%” dos óbitos registrados por covid-19 no ano passado não foram pela doença. O presidente foi desmentido pelo próprio Tribunal de Contas da União. Mais tarde, soube-se que era uma mera opinião pessoal escrita pelo auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, sem autorização do órgão ou qualquer base em fiscalizações realizadas. O documento foi repassado pelo pai do servidor a Bolsonaro. Marques está sendo investigado internamente pela corregedoria do tribunal.
Sobre a suposta vantagem financeira que hospitais teriam ao tratar um caso como covid-19 e não como outra doença, o Ministério da Saúde informou ao Projeto Comprova, em junho do ano passado, que o número de diagnósticos da rede não é um parâmetro usado para o repasse de verbas.
Durante a maior parte da pandemia, o envio de recursos a Estados e municípios obedeceu a critérios como dados populacionais, de desenvolvimento humano (IDH) e epidemiológicos, além da disponibilidade de leitos de UTI registrados nos Planos de Contingência dos Estados. Esse fato pode ser verificado em uma portaria do Ministério da Saúde publicada em 30 de dezembro de 2020.
Em fevereiro de 2021, a CNN informou que o Ministério da Saúde decidiu mudar o formato, passando a observar a demanda nos estados e municípios. A portaria mais recente, de 2 de setembro de 2021, informa que o critério de cálculo é a quantidade total de AIH (Autorização de Internação Hospitalar) no Sistema de Informação Hospitalar (SIH-SUS) entre os meses de janeiro e junho deste ano.
De acordo com uma portaria do Ministério da Saúde de 9 de abril de 2020, o valor do custeio diário dos leitos em UTI destinados exclusivamente para atendimento de covid-19 é de R$ 1.600. Esse custo envolve tanto os materiais hospitalares quanto as diárias dos profissionais de saúde, e depende da habilitação pelo governo federal. O documento não informa o valor destinado a leitos de unidade intensiva para outras enfermidades.
Vale lembrar que uma morte por covid-19 só entra nas estatísticas de saúde comum resultado de teste laboratorial positivo, como informou o Ministério da Saúde ao Comprova em uma checagem de junho de 2020. Enquanto não existe a confirmação de que o paciente com sintomas foi contaminado pelo vírus, esse caso é tratado como suspeito. Após o óbito, esses casos continuam a ser investigados para confirmar a causa da morte, e podem ser incluídos posteriormente.
O Brasil chegou nesta quarta-feira, 22/9, a 592.357 vítimas da covid-19, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa. Já o número total de pessoas diagnosticadas com o novo coronavírus desde o início da pandemia é de 21.282.612.
O que Bolsonaro disse: que hospitais colocavam covid como causa da morte para “liberar o corpo mais rapidamente”. “Não havia autópsia”, afirmou. “Era mais barato para o hospital não fazer uma autópsia.”
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Evitar fazer autópsia em pacientes de covid-19 é uma recomendação do próprio Ministério da Saúde, no documento “Manejo de corpos no contexto da doença causada pelo coronavírus”. A publicação técnica explica que o procedimento gera aerossóis e respingos, e por isso é considerado de alto risco para contaminação. No contexto da pandemia, a autópsia deve ser evitada em pacientes com diagnóstico de covid confirmado ou com suspeita.
O documento do ministério recomenda que seja utilizada a técnica de “autópsia minimamente invasiva” — ou seja, com diagnóstico por imagem ou por punção na pele.
Outro guia técnico do ministério, de orientações para preenchimento da declaração de óbito, informa que a covid-19 só deve constar como causa da morte quando o diagnóstico estiver confirmado e o paciente tiver morrido por consequências da doença. Se o resultado do exame não estiver disponível, no documento deve constar “suspeita de covid-19”. E, se o falecimento de uma pessoa contaminada pelo coronavírus for causado por algo não relacionado — um acidente, por exemplo –, a covid-19 não entra como causa direta da morte.
O que Bolsonaro disse: que “muita gente já tinha alguma comorbidade” e que a covid-19 apenas “abreviou a vida delas em alguns dias ou semanas”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Entre os fatores de risco para complicações da covid-19 identificados pelo Ministério da Saúde há muitas doenças como hipertensão arterial, asma e diabetes, que, se controladas ou tratadas, não representam perda da expectativa de vida, explica a infectologista da Unicamp Raquel Stucchi. “Já a covid-19 é uma doença que se previne por vacina. Então poderíamos ter evitado muitas mortes de pessoas com comorbidades se tivéssemos vacinas em tempo hábil.”
Dados preliminares mostram que o primeiro ano de pandemia teve um salto no número de óbitos com relação à média de anos anteriores. E o primeiro semestre de 2021, quando o País foi atingido por uma onda forte de mortes e contaminações, registrou o menor crescimento vegetativo da população da série histórica iniciada em 2003.
O que Bolsonaro disse: que a vacina Coronavac seria “experimental” e que não haveria evidências científicas de sua eficácia.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Todas as vacinas atualmente em utilização no Brasil já tiveram eficácia e segurança aprovadas em pelo menos três fases de estudos clínicos em humanos, além de fases pré-clínicas em laboratório e com animais.
Com base nessas evidências, duas delas (Pfizer e Astrazeneca, esta produzida no Brasil pela Fiocruz) já receberam autorização de aplicação definitiva. Outras duas (Janssen e Coronavac, esta produzida no País pelo Instituto Butantan) têm autorização de uso emergencial e podem ser aplicadas enquanto durar a pandemia de covid-19. Esse status pode mudar caso elas também recebam autorização definitiva.
Os ensaios clínicos de fase 3 da Coronavac, conduzidos no Brasil pelo Instituto Butantan, contaram com 13.060 voluntários, todos médicos. A eficácia obtida foi de 50,38%. Esse número foi obtido a partir do número de casos sintomáticos que ocorreram dentre os voluntários. Foram 252 contaminados, sendo 167 no grupo placebo (que não recebeu vacina) e 85 nos que receberam o imunizante. O número de vacinados que desenvolveu a doença é 50,38% menor do que o de contaminados sem vacina.
Dizer que as vacinas contra a covid-19 são experimentais é uma prática de grupos anti-vacina para causar desconfiança e medo sobre os imunizantes. A alegação não tem base na realidade. Como já foi dito, estudos já provaram a segurança e eficácia das vacinas. Essas foram as primeiras questões analisadas, porque até então eram necessários imunizantes seguros e que diminuíssem o número de contágios, hospitalizações e mortes. Agora estudos continuam sendo realizados para encontrar outras respostas sobre o estágio atual da pandemia, como o tempo de duração da proteção conferida por vacinas e a necessidade ou não de doses de reforço.
O que Bolsonaro disse: que “estudos confiáveis” indicam que contaminados pelo novo coronavírus teriam seis vezes mais anticorpos do que as pessoas vacinadas.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A questão está sendo investigada pela ciência, mas ainda não há resposta conclusiva sobre qual é o nível de proteção conferido por uma infecção prévia em comparação com as vacinas. Mas é bem aceito que aplicar doses em pessoas que já tiveram a doença traz benefícios, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e outros órgãos de saúde pública a recomendar a inclusão desse grupo nas campanhas de imunização.
Especialistas destacam ainda que a vacinação é uma estratégia de proteção coletiva e que não faz sentido preferir uma infecção — que traz riscos de complicações e morte, aumenta o contágio e eleva a ocupação do sistema de saúde — a tomar a vacina. Os produtos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tiveram a segurança e eficácia comprovadas contra o novo coronavírus em uma série de testes estudos clínicos rigorosos. Evidências do mundo real mostram que as vacinas reduzem o risco da população contrair a doença e o número de hospitalizações e óbitos por covid-19.
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