Crise política paralisa votações no Congresso

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Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A autossabotagem do governo é algo que já é visto com naturalidade pelo Congresso. Desde que assumiu a presidência da República, Jair Bolsonaro tem apostado em uma política de enfrentamento que o levou, na última semana, à beira de cometer crimes de responsabilidade que o derrubariam do cargo de autoridade máxima do país. Algumas das principais consequências políticas já podem ser vistas no Legislativo, onde parlamentares acreditam que as pautas do governo estão enterradas.

Nos bastidores do Congresso, logo após o discurso contra o Judiciário no feriado de 7 de setembro, parlamentares já comentavam que o ato havia selado a morte de projetos de interesse do Executivo, especialmente os mais delicados, como é o caso das reformas administrativa e tributária. Entre aqueles que acreditam nisso está o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM).

Ramos afirmou, logo após os atos pró-Bolsonaro, que a pauta da Casa ficaria travada após os discursos de Bolsonaro. Mesmo depois de o presidente ter voltado atrás, com declaração escrita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), Ramos segue com a avaliação de que o jogo acabou para o presidente no que depender do Congresso.

“Eu acho que as reformas subiram no telhado, não vejo nenhum clima para o governo alcançar 308 votos para aprovar uma reforma administrativa. O presidente explodiu todas as pontes democráticas do país, e vai empurrando os partidos para a oposição. Alguns partidos já estão fazendo esse movimento e a tendência é que outros, como o Solidariedade e Cidadania, façam isso também. O MDB ganhou um suspiro com esse arrego do presidente. Mas vai ser muito difícil”, diz Marcelo Ramos.

Para o parlamentar, seria extremamente benéfico se Bolsonaro ao menos se prestasse a evitar criar crises, mas, para ele, não há quem mude o comportamento do presidente. “Se o Bolsonaro parar de atrapalhar, já ajuda muito. Se a carta tiver sido escrita com sinceridade, já ajuda. Mas não tem mais clima para aprovar uma reforma constitucional. Na quinta-feira, ele publicou a nota à tarde, e à noite ele já falou do Barroso. Bolsonaro é incorrigível, ele não sabe governar, depende das crises”, pontua.

Marcelo Ramos acredita, agora, que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), deve se esforçar para aprovar a PEC dos Precatórios — que interessa diretamente ao governo, já que servirá para abrir espaço no orçamento para o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família que tem o potencial de recuperar uma parte da popularidade do presidente da República.

“Eu acho que o presidente Arthur vai insistir nos precatórios e no Bolsa Família. Com relação às reformas, não tenho dúvidas de que o presidente Arthur vai querer prosseguir com essas pautas, mas não vai ter voto”, diz o deputado, que trabalha em uma proposta diferente daquela que o governo quer aprovar, com a abertura de um espaço de R$ 20 bilhões fora do teto de gastos.

Já o deputado Israel Batista (PV-DF) também acredita que a crise causada por Bolsonaro poderá prejudicar os trabalhos do Congresso, especialmente no que diz respeito às reformas. “O nível de instabilidade política faz com que seja difícil votar uma pauta grave como esta. Não sei se o presidente Lira vai ter condições políticas de manter esse ritmo de votações”, diz o parlamentar.

Batista revela que teme que os debates em torno de temas delicados, como a reforma administrativa, sejam precarizados, resultando em um texto pior do que o
atual. “As reformas estão cheias de problemas muito graves e um governo fraco perde o controle sobre elas. Os projetos que já chegam ruins pioram com o tempo”, afirma Israel Batista.

Lira, por sua vez, evita falar sobre o clima de instabilidade. Na quinta, após a reunião de líderes, que ocorre toda semana para falar sobre as pautas da Câmara, ele ressaltou que os projetos que estão sendo votados foram prometidos por ele na campanha para a Presidência da Casa e disse esperar que, “apesar de tudo o que aconteceu”, os deputados mantenham o “ânimo reformista”. Ele se revelou otimista para que a reforma administrativa avance ainda este mês, com a aprovação do relatório na comissão especial nos dias 14 e 15.

Entre os bolsonaristas, a expectativa é a de continuidade das reformas. “A agenda do governo é fundamental para o crescimento da economia e a geração de emprego e renda. Quem atrapalhar vai ter que prestar contas à população já, já. Uma coisa é oposição, a outra é emperrar o Brasil”, disse a deputada Bia Kicis (PSL-DF).

Quem também está confiante é o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR). “As pautas vão continuar andando num ritmo acelerado, graças ao presidente Arthur Lira, que tem se dedicado a essas pautas, que na verdade não são pautas do governo, são de interesse e necessidade do Brasil. Essas pautas estão sendo tiradas da gaveta, onde foram colocadas por Rodrigo Maia. E com o presidente Lira essas pautas têm andado”, afirma.

Para o parlamentar, a Câmara continua com ritmo acelerado para aprovar reformas que ele considera fundamentais para a retomada econômica. “As reformas continuarão aceleradas, esse é o clima dentro da Câmara dos Deputados, a aprovação dessas reformas: a tributária, administrativa, o próprio pacto federativo”, avalia Barros.

Eu acho que as reformas subiram no telhado, não vejo nenhum clima para o governo alcançar 308 votos para aprovar uma reforma administrativa”

Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Câmara

“A agenda do governo é fundamental para o crescimento da economia e a geração de emprego e renda. Quem atrapalhar vai ter que prestar contas à população já, já”

Bia Kicis (PSL-DF), deputada

Faltando pouco mais de três meses para o fim do ano, a janela de oportunidades para o governo aprovar projetos de seu interesse está se fechando rapidamente. É o que explica o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eduardo Grin. “Em ano de eleição, não se aprova nada. Nós temos quatro meses para terminar o ano, tem o recesso parlamentar e do jeito que a política está polarizada, e o Bolsonaro tensionando, não sei se ele vai ter condições em 2022 de aprovar algo substantivo”, aponta.

“Nesse sentido, a agenda de reformas e as privatizações estão perdendo espaço. O tempo está ficando curto. Bolsonaro agora só tem interesse concreto em uma discussão, que é a PEC dos precatórios, para bancar o novo Bolsa Família. As outras medidas não são importantes para ele, porque todas as demais medidas mexem um vespeiro de interesses que ele não quer enfrentar”, acrescenta.

Grin ressalta, também, que no caso das privatizações — pauta relevante nas eleições de 2018 que ajudou a dar a Paulo Guedes, da Economia, o status de “posto Ipiranga” —, nenhum parlamentar está disposto a perder cabides de emprego às vésperas das eleições. Tentar mudar isso seria peitar o Centrão, que é quem garante a sobrevivência política de Bolsonaro neste momento.

O especialista afirma, ainda, que se o Centrão é mestre em extrair benefícios de situações críticas, então, poderá cobrar mais caro para aprovar a PEC dos Precatórios, que é essencial para o governo. Ele também acredita que o Congresso não se deixará enganar pelo recuo do presidente na crise entre os Poderes. Para Grin, o presidente voltará a radicalizar assim que a poeira baixar.

“Ele vai voltar a ser radical assim que a poeira baixar. Na política, confiança é importante. Bolsonaro não tem a confiança de ninguém. Ele prometeu para Lira que enterraria o voto impresso se não passasse no plenário, mas não cumpriu. Se ele conseguir tramitar algo no Congresso, o preço vai ser tão alto que ele não vai querer encerrar”, concluiu. (IM)

Correio Braziliense  

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