Ex de Bolsonaro fez 1.185 saques bancários em espécie
Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo
Uma empresa aberta em 2007 por Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do então deputado federal Jair Bolsonaro, registrou na conta bancária um total de 1.185 saques que somaram R$ 1,15 milhão em espécie. É o que atesta um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em mãos do Ministério Público do Rio (MP-RJ), que investiga a prática de rachadinha no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro.
Os saques em espécie corresponde à metade do valor retirado da Valle Ana Consultoria e Serviços de Seguros no período analisado, entre 2008 e 2014.
Para o Ministério Público do Rio (MP-RJ), as “movimentações financeiras atípicas” de Ana Cristina são indícios de que empresas vinculadas a ela “possam ter sido utilizadas para ocultação de desvio de recursos públicos oriundos do esquema de ‘rachadinha’ na Câmara de Vereadores”.
O maior volume de saques em espécie registrados pela empresa de Ana Cristina ocorreu em 2008, no seu primeiro ano de funcionamento, quando R$ 274 mil deixaram a conta em 215 saques. No ano seguinte, foram 168 saques totalizando R$ 194,2 mil. Até 2011, houve mais 350 saques, em um total de cerca de R$ 352 mil retirados da conta da empresa em dinheiro vivo, de acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Em 2011, a ex-mulher do atual presidente Jair Bolsonaro, que havia se mudado para a Noruega após a turbulenta separação, vendeu dois de seus imóveis em Resende ao empresário de setor de transportes Marcelo Traça. Ao se tornar colaborador premiado da Lava-Jato do Rio, em 2018, Traça omitiu as negociações imobiliárias com Ana Cristina, mas admitiu que adquiria imóveis como forma de lavar dinheiro. No ano passado, após reportagem da revista Época mostrar o patrimônio imobiliário de Ana Cristina, a defesa de Traça disse que o acordo com ela foi “uma transação imobiliária, como outra qualquer”.
Por conta da movimentação da empresa, o MP-RJ incluiu na quebra de sigilo contra ex-funcionários do vereador Carlos Bolsonaro, incluindo Ana Cristina, que foi sua chefe de gabinete entre 2001 e 2008, duas pessoas ligadas à Valle Ana Consultoria: Adriana Teixeira Machado, sócia minoritária de Ana Cristina, com 10% da empresa, e Luci Teixeira, sua mãe. Procurada, a defesa de Ana Cristina disse ao GLOBO que não vai se manifestar sobre a investigação.
Luci, que mora em Resende, assim como a filha, ficou nomeada como funcionária de Carlos na Câmara do Rio entre outubro de 2005 e 1º de agosto de 2007. A empresa de Ana Cristina e Adriana foi aberta no dia 7 de agosto de 2007, segundo cadastro da Receita Federal.
Além da mãe, o irmão de Adriana, o bombeiro militar Luiz Gustavo Teixeira, ficou nomeado como funcionário do então deputado estadual Flávio Bolsonaro de fevereiro de 2003 até 14 de agosto de 2007. “Tais vínculos, associados à expressiva movimentação de dinheiro em espécie na conta da Valle Ana Consultoria, sugerem a possibilidade de que Ana Cristina Siqueira Valle possa ter indicado parentes de sua sócia para atuarem como ‘funcionários fantasmas’, de modo a viabilizar o desvio de recursos públicos destinados à sua remuneração”, alegaram os promotores ao pedirem a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Adriana e de Luci. Apesar de citado na investigação, Luiz Gustavo, que atuaria como segurança da família Bolsonaro à época, não teve o sigilo quebrado.
Ainda em 2011, conforme apontou relatório do Coaf, Ana Cristina fez dois depósitos em espécie na própria conta. O primeiro, em março, no valor de R$ 191,1 mil. O segundo, em julho, de R$ 341,1 mil, ocorreu na mesma data em que Marcelino Murilo de Paiva, sócio de uma corretora imobiliária em Resende, depositou R$ 58,8 mil na conta da ex-mulher de Bolsonaro, conforme consta no relatório.
Ao constatar que os imóveis de Ana Cristina, vendidos em 2011 por R$ 1,9 milhão, apresentaram valorização de 1.100% para o preço original de compra, o MP afirmou que a discrepância “sugere a possibilidade de subavaliação no valor de aquisição, mediante complementação do pagamento com valores ‘por fora’”. Ana Cristina, contudo, sempre negou as acusações.
O volume de saques da Valle Ana Consultoria diminuiu gradativamente a partir de 2012, chegando a 131 saques em 2014, no total de R$ 65,3 mil. Segundo o cadastro da Receita, a empresa foi declarada inapta em 2018, por omissão de declarações.
O MP também enxergou indícios de que Ana Cristina controlaria nomeações de parentes, vários deles moradores de Resende, como funcionários do gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal do Rio e no de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj), ambos a mais de 160 km de distância do município do Sul Fluminense. Uma dessas ex-funcionárias, Maria José de Siqueira, sua tia, fez um repasse de R$ 30 mil de sua conta-salário para Ana Cristina enquanto estava nomeada no gabinete de Flávio, “em operação sugestiva da prática de ‘rachadinha’”, segundo o MP.
“A elevada movimentação de recursos em espécie por Ana Cristina Siqueira Valle sugere que a mesma seja a real destinatária dos recursos públicos desembolsados em nome dos parentes por ela indicados para o gabinete de Carlos Nantes Bolsonaro”, afirmam os promotores.
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