Governo Bolsonaro é recordista mundial de crises políticas

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Foto: SERGIO LIMA / AFP

No dia 8 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro abriu a reunião no terceiro andar do Palácio do Planalto pedindo a opinião de seus ministros sobre qual caminho deveria seguir: dar continuidade ao discurso radical dos atos de 7 de Setembro ou serenar os ânimos exaltados. Com uma caneta nas mãos e uma folha de papel em branco, Bolsonaro disse que traçaria duas colunas com os votos de cada um dos auxiliares sobre o rumo que deveria tomar diante do ápice da tensão institucional que ele próprio criou com a cúpula do Judiciário. Alguns auxiliares defenderam que era hora de pacificar; outros argumentaram que o presidente deveria ouvir o “apelo das ruas” e não recuar.

O diálogo simboliza um movimento frequente ao longo dos mil dias de governo, completados hoje: levantamento do GLOBO mapeou cem crises no período, uma média de três por mês.

Bolsonaro estava prestes a esticar a corda mais uma vez quando foi convencido pelo ex-presidente Michel Temer a escrever uma carta pública apaziguando a relação com o STF, em geral, e com o ministro Alexandre de Moraes, em particular, já que o magistrado foi o destinatário do xingamento mais pesado (“canalha”) e da ameaça mais explícita — não cumprir decisões judiciais. Apesar do gesto, a harmonia entre os Poderes foi abalada, e os limites das instituições, testados outra vez.

Pressionado pela queda de popularidade — 53% avaliam a gestão como ruim ou péssima, segundo os institutos Ipec e Datafolha —, por quase 600 mil mortes na pandemia, por 132 pedidos de impeachment e por investigações no STF e na CPI da Covid, o presidente tentou reagir elevando o tom de seus ataques em diversos momentos no curso do governo. Nessa estratégia, voltou sua ira contra governadores, integrantes do Congresso, membros do Supremo, a imprensa, o vice, Hamilton Mourão, e até mesmo contra auxiliares que o incomodavam, casos dos ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Sergio Moro (Justiça), que pediu demissão acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal.

Ao todo, 19 ministros deixaram o governo, o que representa uma mudança a cada 52 dias. Durante a pandemia, por exemplo, antes da entrada de Marcelo Queiroga, a Saúde foi comandada por outros três gestores — um deles, Eduardo Pazuello, sem experiência prévia na área. Um dos reflexos das interrupções é o atraso da vacinação da população brasileira — por outro lado, Bolsonaro insiste em defender medicamentos ineficazes, como fez durante o discurso na Assembleia Geral da ONU, provocando nova crise.

— A experiência do governo Bolsonaro é inédita na História do Brasil. Estamos usando para avaliar este governo a medida e os parâmetros que usamos para avaliar o gestor público. Só que esses parâmetros não são adequados, porque o governo Bolsonaro não se propõe nem a gerir a coisa pública nem a criar um projeto de futuro para o país — diz a historiadora Heloísa Starling, autora, com Lilia Moritz Schwarcz, de “Brasil, uma biografia” (Companhia das Letras) e professora da UFMG.

Boa parte das crises foi induzida por Bolsonaro, que chegou a participar de atos que pediam o fechamento do Congresso e do STF. Em um deles, em abril de 2020, discursou diante do Quartel-General do Exército, em Brasília, com militantes pedindo a intervenção militar. Na tentativa de demonstrar o apoio irrestrito das Forças Armadas, o presidente demitiu o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e trocou os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, um movimento inédito no período democrático.

A outra parte da crise foi gerada pelo próprio entorno de Bolsonaro e teve a participação do presidente. A demissão de Moro, até então estrela do time, virou um inquérito no STF e culminou em outras crises com a divulgação de um vídeo de uma outra reunião ministerial que entrou para a história, a do dia 22 de abril de 2020. A gravação expôs um governo sem filtro. Revelou o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defendendo que o Executivo deveria se aproveitar da crise do coronavírus para “ir passando a boiada” e mudar regras ambientais. Já o titular da Educação à época, Abraham Weintraub, apareceu dizendo que, por ele, “botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

As turbulências vividas pelo governo Bolsonaro também extrapolaram as fronteiras. O presidente colecionou atritos com líderes mundiais, como Angela Merkel (Alemanha) e Emmanuel Macron (França), por causa do desmatamento da floresta amazônica, que tisnou a imagem do Brasil no exterior. Criou constrangimento diplomático ao declarar torcida nas eleições da Argentina e dos Estados Unidos e fez críticas à condução da pandemia pela China, principal parceiro comercial do Brasil.

Em meio às crises vividas pelo governo, a situação econômica do país foi se deteriorando. Se nos dois primeiros anos o Brasil conseguiu manter a inflação dentro das faixas da meta do Banco Central, em 2021 ela será mais que o dobro. O IPCA-15 já passa de 10% em 12 meses, e a previsão é que feche o ano em 8,35%, quando o centro da meta é de 3,75%, com tolerância até 5,25%. O preço médio do litro da gasolina registrou alta de 40,3% desde o início do governo, passando de R$ 4,33 para R$ 6,08. Considerado um dos “desafios urgentes” do país no programa de governo do candidato Bolsonaro, a fila de desemprego passou de 13 milhões de pessoas para as atuais 14,4 milhões.

A expectativa para os próximos 375 dias de governo, a contar de hoje até o primeiro turno das eleições de 2022, é que as tensões do governo sejam amplificadas — como ingrediente adicional, as pesquisas de intenção de voto apontam que o presidente perderia no segundo turno para os pré-candidatos presentes no tabuleiro hoje. Essa queda de popularidade terá impacto na forma como Bolsonaro se comportará para manter arregimentada a sua base fiel de eleitores.

— Ele vai radicalizar muito ainda, porque não consegue ir para o segundo turno sem radicalizar, a não ser que a economia melhore muito. Não vejo Bolsonaro atenuar para absolutamente nada, porque ele precisa manter viva essa chama do radicalismo em 25% da população — analisa o cientista político Humberto Dantas, gestor de Educação do Centro de Liderança Pública.

O Globo 

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